Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0259955-95.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.932, de 29 de julho de 2011, do Município de São José do Rio Preto

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 10.932/11, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a instalação de bebedouros de água potável nos shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 10.932/11, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a instalação de bebedouros de água potável nos shows, feiras exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto”.

 

Noticia-se que a lei decorre de projeto de Vereador e que, por meio dela, a Câmara Municipal estaria praticando ato de gestão, incompatível com a sua vocação constitucional. De outro giro, a norma geraria despesas sem indicar os recursos disponíveis para custear o programa instituído. São indicados como violados os artigos 5º; 24; 25 e 144 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 25/26).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 39/41).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 36/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei n. 10.932, de 29 de julho de 2011, do Município de São José do Rio Preto, de origem parlamentar, que “dispõe sobre a instalação de bebedouros de água potável nos shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Os promotores de shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto ficam obrigados a instalarem em suas dependências internas e em locais visíveis e de fácil acesso ao público, bebedouros de água potável que sejam de uso gratuito a seus frequentadores.

Art. 2º - Deverá constar no alvará de autorização para a realização do evento aviso prévio quanto a obrigatoriedade do cumprimento estabelecido neste artigo.

Art. 2º - O não cumprimento desta Lei acarreta ao infrator aplicação de multa de 300 (trezentas) UFMs.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Cuida-se, como se vê, de iniciativa que, embora inspirada em elevados propósitos, configura, como afirmado na inicial, a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita comando que configura, na prática, ato de gestão executiva.

É o que ocorre quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, em verdadeiro desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47, incs. II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão do Município – afeta ao Prefeito – e que abrange o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo.

 

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário”   (Direito Municipal Brasileiro, 15ª ed.,

 

atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei nº 10.932/11, do Município de São José do Rio Preto, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao se imiscuir na forma de execução de serviço público do Poder Executivo, ao determinar que deverá constar do alvará ou autorização para a realização dos show, feiras, exposições e eventos culturais e esportivos, aviso prévio quanto à obrigatoriedade da instalação dos bebedouros com água potável.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante critérios de conveniência e oportunidade, a forma de execução de serviço público para à concessão de alvarás.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da a Lei nº 10.932, de 29 de julho de 2011, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a instalação de bebedouros de água potável nos shows, feiras exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto”.

São Paulo, 14 de fevereiro de 2012.

 

               Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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