Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0276050-06.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Mogi Guaçu

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4682, de 26 de agosto de 2011, de Mogi Guaçu

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4682, de 26 de agosto de 2011, de Mogi Guaçu, que “Dispõe sobre a instalação de painel opaco entre os caixas e os clientes em espera em todas as agências bancárias e instituições financeiras localizadas no Município de Mogi Guaçu – SP”. 2) Impossibilidade de exame da norma à luz de parâmetros contidos na Constituição da República. Precedentes do STF. 3) Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. Norma que não cria, diretamente, nenhum encargo para a administração pública, como criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços. 4) Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Mogi Guaçu, tendo como alvo a Lei Municipal nº 4682, de 26 de agosto de 2011, daquele Município, que “Dispõe sobre a instalação de painel opaco entre os caixas e os clientes em espera em todas as agências bancárias e instituições financeiras localizadas no Município de Mogi Guaçu – SP”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A alegação de inconstitucionalidade assenta-se na iniciativa parlamentar, considerando que a lei gera aumento de despesa para a Administração, sem indicar a fonte de recursos para arcar com tais custos.

Aponta, assim, para a contrariedade ao disposto nos arts. 5º e 25 da Constituição Paulista.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls. 69/71).

Foram juntadas informações da Câmara Municipal (fls. 78/82).

O Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada, assinalando que a matéria tem repercussão exclusivamente local (fls. 89/91).

É o breve relato do que consta dos autos.

No mérito, em que pese a bem elaborada argumentação contida na inicial, não se apresenta inconstitucionalidade material ou formal no diploma impugnado.

A Lei Municipal nº 4682, de 26 de agosto de 2011, de Mogi Guaçu, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a instalação de painel opaco entre os caixas e os clientes em espera em todas as agências bancárias e instituições financeiras localizadas no Município de Mogi Guaçu – SP”, tem a seguinte redação:

"Art. 1º As agências bancárias e as instituições financeiras localizadas no Município de Mogi Guaçu deverão instalar, no espaço compreendido entre os caixas e os clientes que estão nas finas de espera, um painel de material opaco, com no mínimo 1,80m de altura, de forma a impedir a visualização das pessoas que estão sendo atendidas nos caixas, a fim de aumentar a segurança dos clientes e das operações realizadas por estes.

         Parágrafo ÚnicoCada agência bancária, instituição financeira de que trata o caput deste artigo deverá manter em funcionamento um painel eletrônico que indique o caixa que está disponível ao atendimento do próximo cliente da fila de espera.

        Art. 2º  As instituições bancárias gozarão de prazo máximo de 90 (noventa) dias, contados da data de publicação da publicação da presente Lei, para se adequar às novas exigências.

         Art. 3º  Ficam as instituições obrigadas a instalar câmeras de vídeo colocadas no seu entorno, para fins de maximização da segurança de seus clientes e funcionários de suas instalações e dos valores depositados.

        Art.  As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das respectivas agências bancárias ou instituições financeiras congêneres.

        Art.  Fica proibida a utilização de telefone celular, ou equipamento similar, nas dependências das agências bancárias e instituições financeiras no município de Mogi Guaçu.

        Parágrafo único. As agências bancárias ou instituições financeiras de que trata esta Lei deverão instalar comunicado de fácil visualização que permitam, a todos os clientes em atendimento, acesso a informações quanto à proibição prevista no caput deste artigo, mencionando inclusive o número da presente Lei.

         Art. 6º O Poder Executivo regulamentará este Lei, no que couber, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.”

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61 § 1º da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“(...)

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001.)

(...)”

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (f) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6 da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º da CR/88).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Mas não é só.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 4.682/11, de Mogi Guaçu impôs obrigações às agências bancárias e não ao Município.

Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível, como sustentou o autor na inicial, a criação de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Em suma, a Lei n. 4.682/11, de Mogi Guaçu não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º da CR/88.

De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

As exigências previstas na lei em exame de instalação de divisória de material opaco para fins de “isolamento virtual” entre os clientes e  de instalação de câmeras de vídeo,  dirigem-se às instituições financeiras, e não ao Poder Público local. São aquelas, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.

Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado, significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia a negar vigência ao art. 48, caput da CR/88, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I da CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local.

E, com a devida vênia, há ainda outras considerações a fazer.

Não nos parece tenha sido correto o posicionamento adotado na r. decisão que concedeu a liminar, e nem será caso de acolhimento da alegação de inconstitucionalidade por suposta violação de qualquer dispositivo da Constituição da República, entre aqueles que foram apontados na inicial da ação direta.

É necessário observar, inicialmente, a impossibilidade, na ação direta de inconstitucionalidade estadual, de adoção de dispositivos da Constituição da República como parâmetros para o controle abstrato.

Foi por essa razão que na ADI 347/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/09/2006 (DJ 20/10/2006) foi declarada a inconstitucionalidade do art. 74, XI da Constituição do Estado de São Paulo, que permitia a adoção de parâmetro constitucional federal no controle de constitucionalidade estadual. Eis a ementa do julgado:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente.

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal n. 4.682, de 26 de agosto de 2011, de Mogi Guaçu.

São Paulo, 9 de fevereiro de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

fjyd