Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0281611-11.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Itatiba

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.387, de 27 de setembro de 2011.

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.387, de 27 de setembro de 2011, de Itatiba, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a concessão de auxílio funeral à família de servidor público municipal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Itatiba, tendo como alvo a Lei Municipal nº 4.387, de 27 de setembro de 2011, de Itatiba, que dispõe sobre a concessão de auxílio funeral à família de servidor público municipal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Sustenta o autor que a iniciativa, nessa matéria, é reservada ao Chefe do Executivo, bem como que houve desrespeito ao princípio da separação de poderes, provocando aumento de despesa sem indicação de receita.

Foi concedida liminar, determinando a suspensão do ato normativo (fls. 13/14).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls. 24/25).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 27/28).

É o relato do essencial.

Em que pese a boa intenção que certamente animou a iniciativa parlamentar, o ato normativo impugnado revela-se invasivo da esfera da gestão administrativa, inerente à atividade típica do Poder Executivo.

Ao criar benefício remuneratório aos servidores (auxílio funeral à família de servidor público municipal regido pela CLT), a legislação impugnada adentrou à esfera de poderes do Executivo, pois cabe ao Prefeito legislar sobre a remuneração, conforme números 1 e 4 do § 2º do art. 24 da Constituição do Estado, não fazendo sentido que a Câmara interfira em assuntos deste jaez.

Com efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp. 111/112).

E o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem da fixação da remuneração e do regime jurídico dos servidores públicos, a iniciativa é privativa do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo a matéria referente aos servidores públicos de interesse preponderante desse Poder, é importante que a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob. cit., p. 204).

Desatendida essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).

 

 

 

Em outras palavras, se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o célebre ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Esse E. Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade e aos limites da adoção da regra da separação.

Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.387, de 27 de setembro de 2011, de Itatiba, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a concessão de auxílio funeral à família de servidor público municipal regido pela Consolidação das Leis do Trabalho.

São Paulo, 07 de março de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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