Parecer
Processo n.º 0283823-05.2011.8.26.0000
Autor: Prefeito Municipal de
Ubatuba
Objeto de impugnação: Leis
Municipais n.os 3.401, de 5 de agosto de 2011,
3.406, de 19 de agosto de 2011, 3.410 e 3.412, ambas de 30 de agosto de 2011,
de Ubatuba.
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade.
Leis Municipais n.os 3.401, 3.406, 3.410 e
3.412/2011, de Ubatuba. Leis autorizativas. Só é necessária autorização
legislativa para a prática de atos que a Constituição expressamente exige.
Desnecessidade de autorização legislativa prévia para a prática de atos de administração
ordinária. A Câmara não pode impor ao Prefeito a implantação de programas ou
projetos. Violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes
(CE, art. 5.º). Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial,
Eméritos Desembargadores:
Cuida-se
de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Ubatuba – na qual se pretende ver
declarada a inconstitucionalidade dos atos legislativos em epígrafe, de origem parlamentar,
os quais se apresentam assim redigidos:
Segundo consta na inicial, as referidas leis tratam
de matérias tipicamente administrativas, de competência privativa do Chefe do
Poder Executivo, donde caracterizada, na espécie, a violação do princípio da
independência e harmonia entre os Poderes; a leis em exame também impõem a
realização de despesas públicas sem indicação da correspondente fonte de
custeio, contrariando, por este aspecto, os arts. 25 e 176, inciso I, da Carta
Estadual.
Houve concessão de liminar (fl. 56).
Notificada, a Câmara de Vereadores de Ubatuba
defendeu a constitucionalidade das leis em epígrafe, que não tratam de matérias
de iniciativa reservada ao Executivo, sendo, pois, de iniciativa geral ou
concorrente, tampouco geram aumento da despesa pública.
Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Carta
Política Estadual, o Procurador-Geral do Estado não se manifestou nos autos.
Em resumo, é o que consta nos autos.
“Prima facie”, a correta exegese das leis em
epígrafe sugere que a Câmara autorizou o Prefeito a praticar atos (instituição
de programas ou projetos) que prescindem de prévia autorização, visto que se inserem
na órbita de suas atribuições ordinárias, a depender apenas da previsão de
recursos necessários a sua implantação nas leis de natureza orçamentária.
Logo, malgrado os elevados propósitos que orientaram
a edição de tais leis, a ação deve ser julgada procedente.
Com efeito, ao autorizar
a implantação de programas de governo, a Câmara usurpou
competência administrativa do Prefeito, que é constitucionalmente encarregado
da gestão dos bens públicos, da publicidade estatal e também do planejamento,
execução, direção e controle dos serviços públicos.
Como se sabe, o Prefeito
é encarregado de exercer a administração superior do Município (CE, art. 47,
II), com o auxílio dos Secretários Municipais, e também da prática dos demais
atos de administração (CE, art. 47, XIV).
Segundo o abalizado
magistério de HELY LOPES MEIRELLES,
“O
prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de
autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se
todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens,
rendas ou serviços públicos. Para os atos de administração extraordinária,
assim entendidos os de alienação e oneração de bens ou rendas, os de renúncia
de direitos e os que acarretem encargos, obrigações ou responsabilidades
excepcionais para o Município, o prefeito dependerá de prévia autorização da
Câmara.
(...)
Advirta-se, ainda, que,
para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras
e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito (STF, RT 182/466)” (Cf. ‘Direito Municipal Brasileiro’,
Malheiros, São Paulo, 8.ª edição, 1996, atualizada por Izabel Camargo Lopes
Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro e Célia Marisa Prendes, pp. 519/520).
Verifica-se, pois, que a
Câmara Municipal de Ubatuba excedeu claramente os limites constitucionais ao
autorizar a implantação de programas de governo, iniciativa que prescinde de
autorização legislativa especial, bastando apenas a previsão genérica nas leis
orçamentárias de recursos suficientes para o atendimento dos novos encargos, numa
clara invasão da órbita de competência do Prefeito, a quem compete exercer, com
o auxílio dos Secretários, a direção superior da administração municipal.
Nessa ordem de ideias, cumpre obtemperar que o só
fato de tratar-se, na espécie, de lei autorizativa não se afigura suficiente
para afastar a eiva de inconstitucionalidade, quer porque o Prefeito não
necessita de autorização para a prática de atos de administração ordinária, a
exemplo da implantação de programas de governo, quer porque implícita na
competência de autorizar a possibilidade de recusar a autorização, com
inegáveis reflexos na separação dos Poderes.
Ainda
que se trate de lei autorizativa, como sugere a leitura de seu art. 1.º, é
injustificável a manutenção dessa lei em vigor, em que pese à existência de
forte corrente doutrinária a qual entende que as leis autorizativas constituem
meras indicações do Legislativo ao Executivo (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, Processo Constitucional de Formação das Leis,
Malheiros, São Paulo, 2.ª edição, p. 332), a
quem caberá sempre avaliar a conveniência e oportunidade de cumprir as suas
disposições.
Na verdade, o Prefeito
necessita de autorização legislativa somente para a prática dos atos
expressamente previstos na Constituição, mero consectário da independência e
harmonia entre os Poderes, de tal modo que a autorização concedida sem previsão
constitucional tipifica nítida intromissão de um Poder na esfera de atribuições
de outro Poder.
Por esse aspecto, aliás, filio-me à corrente
doutrinária preconizada por SERGIO RESENDE DE
BARROS, para quem “a inocuidade da lei não lhe retira a inconstitucionalidade,
ante a invasão de competência material do Poder Executivo.” (Cf. Leis Autorizativas, Revista do Instituto
de Pesquisas e Estudos, São Paulo, v. 29, pp. 259-267, 2000).
Bem a propósito, ao examinar proposituras
semelhantes, o colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo
decidiu que:
“Ementa: Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei Municipal, de
iniciativa parlamentar, que dispõe sobre Programa Municipal de Recreação,
Saúde, Educação e Cultura. Invasão da competência reservada ao Chefe do Poder
Executivo. Ingerência na Administração do Município. Vício de iniciativa
configurado. Violação ao Princípio da Separação de Poderes. Criação de despesas
sem a indicação da fonte de custeio. Ação procedente”. (ADI n.º
0068548-97.2011.8.26.0000,
Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. em 14/12/2011).
“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade–
Lei municipal – Criação de serviço público ("Programa") eobrigações
correlatas – Separação de Poderes – Vício de iniciativa – Existência – Inconstitucionalidade verificada – É
inconstitucional a Lei Municipal de Atibaia 3.963, de 04 de março de 2011, que
dispõe sobre a implantação de programa de apoio ao cooperativismo
pelo Poder Público, criando-lhe várias obrigações, porque traduz ingerência na
competência exclusiva do Chefe do Executivo pelo Poder Legislativo, pois ao
Prefeito cabe organizar e executar todos os atos de administração municipal,
notadamente os serviços públicos, mesmo que denominados "programas" - Ademais, cria
despesa sem indicação de fonte de receita - Violação dos
arts. 5o, 25, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual - Ação procedente.”
(ADI n.º 0052691-11.2011.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, j. em
16/11/2011).
Por outro lado, não se vislumbra na iniciativa em
comento nenhum atentado aos artigos 25 e 176, inciso I, da Constituição
Estadual, pois a sanção é ato privativo do Executivo e, neste caso, o projeto
de lei foi vetado pelo Prefeito, em obediência ao comando constitucional, mas a
Câmara rejeitou o veto, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, e,
de mais a mais, esta dispõe da prerrogativa de autorizar a realização de
despesas não expressamente previstas no orçamento (CE, art. 176, V e VI).
Em suma, a Câmara não pode impor ao Chefe do Poder
Executivo a implantação de programas, nem este precisa de autorização
legislativa para a prática de atos de administração ordinária.
Assim, como está caracterizada a violação dos arts.
5.º e 111 da Constituição do Estado de São Paulo, requer-se o julgamento de
procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, com a ratificação
da liminar.
São Paulo, 6 de março de 2012.
Sérgio
Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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