AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Autos n.º 0292469-04.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Serrana

Objeto de impugnação: Emenda Aditiva n.º 3 à Lei n.º 1.465, de 26 de setembro de 2011, do Município de Serrana.

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda ao Projeto de Lei n.º 10/2011, a dispor sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2012 (Lei n.º 1.465/2011), que destinou R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a reforma dos banheiros de pronto-socorro. Despesa que não foi contemplada na propositura original. Necessidade de sincronismo entre a LOA, a LDO e o PPA. Aprovação de emenda com inobservância do devido processo legislativo constitucional. Intervenção na esfera de competência administrativa do Prefeito. Caracterizada a violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º). Procedência.

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

         Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Serrana – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade de emenda inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012 (Emenda Aditiva n.º 3), que destinou a importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a reforma dos banheiros do pronto-socorro, ante sua flagranteincompatibilidade com os arts. 5.º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

         Eis a íntegra da disposição normativa ora impugnada:

"Lei n.º 1.465/2011

EMENDA ADITIVA N. 003/2011 – LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS DE 2012.

VALMIR ROSA, Presidente da Câmara Municipal de Serrana, Estado de São Paulo, no uso das suas atribuições legais e constitucionais a ele conferidas e com o fulcro no parágrafo 6.º, do artigo 45 da Lei Orgânica do Município de Serrana.

FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona e promulga a Emenda Aditiva N. 003/2011, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012.

Art. 1.º - O Anexo V – Descrição dos Programas/Metas/Custos, página 10 de 20 da Lei que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias de 2012 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Fica destinado o valor de R$ 50.000,00 para a reforma dos banheiros do Pronto Socorro".

Art. 2.º - O acréscimo do custo financeiro previsto no artigo anterior será suportado com recursos previstos no Anexo V – Descrição dos Programas Governamentais/Metas/Custos, página 10 de 20.

Art. 3.º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

CÂMARA MUNICIPAL DE SERRANA.

26 de setembro de 2011.

VER. VALMIR ROSA

Presidente

 

         Segundo consta da inicial, a iniciativa das leis que disponham sobre programas ou projetos de governo foi confiada ao Executivo; houve criação de despesa extraordinária, que nem sequer está prevista na lei orçamentária anual; a Câmara usurpou prerrogativa do Prefeito, violando, com tal iniciativa, o princípio da independência e harmonia entre os Poderes; conquanto gere aumento da despesa, a emenda aditiva não indicou a respectiva fonte de custeio, descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal; a execução da obra gerará aumento de despesa aos cofres municipais que não está prevista no PPA.

         Houve concessão de liminar (fl. 21).

         Em atenção ao disposto no art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, a Procuradoria Geral do Estado expressou o seu desinteresse na defesa de lei que disciplina matéria exclusivamente local, conforme se vê às fls. 33/34, anotando, por oportuno, que a sua intervenção nos feitos desta natureza somente seria cabível se a lei impugnada afetasse algum interesse estadual.

         Notificada, a Presidência da Câmara Municipal de Serrana prestou informações no prazo regimentalmente previsto, manifestando a sua aquiescência ao pedido formulado na inicial, por entender que realmente a aprovação de tal emenda se deu em desacordo com os ditames constitucionais.

         Em resumo, é o que consta nos autos.

         Preliminarmente, nas ações propostas com fundamento no art. 125, § 2.º, da Constituição Federal, o único parâmetro de controle válido é a Constituição Estadual, desautorizando, assim, o conhecimento desta ação sob o fundamento de afronta a dispositivos contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

         No mérito, a ação comporta procedência.

         Como se sabe, as leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) são de iniciativa reservada ao Executivo, consoante o disposto no art. 165, inciso I a III, da Constituição Federal, e no art. 174, I a III, da Constituição do Estado de São Paulo.

         No exercício de sua função normativa, a Câmara pode emendar os projetos de lei de iniciativa reservada ao Executivo, mas há limites claros para tanto, os quais foram prefixados pela Constituição, tendo em vista que – se ilimitado fosse o poder de emenda – a iniciativa reservada não faria nenhum sentido.

         Pois bem, no seu art. 175, §§ 1.º a 5.º, a Constituição Estadual reza o seguinte:

"Art. 175 – Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas emendas, serão apreciados pela Assembleia Legislativa.

 1.º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que:

1 – sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

2 – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

 b) serviço da dívida;

 c)transferências tributárias constitucionais para Municípios.

                                               3) sejam relacionadas:

a) com correção de erros ou omissões;

                                   b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.

§ 2.º - As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

§ 3.º - O Governador poderá enviar mensagem ao Legislativo para propor modificações nos projetos a que se refere este artigo, enquanto não iniciada, na Comissão competente, a votação da parte cuja alteração é proposta.

§ 4.º - Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.

§ 5.º - Os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes, poderão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica autorização legislativa."

         Apesar de a inicial         não vir instruída com cópia de documentação essencial ao julgamento da ação (do processo legislativo, da LOA, da LDO e do PPA),o que se sugere seja providenciado, é possível deduzir – à vista da argumentação trazida nos autos pelas autoridades locais – que a emenda em destaque tornou a LDO incompatível com o PPA e a LOA, nos quais nemsequer há menção de gastos com a reforma dos banheiros de pronto-socorro, e não houve indicação dos recursos necessários, provenientes da anulação de despesa.

         Ou seja, a Câmara inovou ao introduzir na Lei de Diretrizes Orçamentárias previsão estranha, não contemplada na propositura original, que gerou aumento de despesa sem a indicação dos recursos necessários, provenientes da anulação de outra despesa, conforme expressamente impõe a Constituição.

         Mais grave ainda é constatar que a Câmara assim agiu com o intuito de compelir o Prefeito à realização de obras e serviços públicos, desconsiderando, porém, que a função de administrar é estranha as suas atribuições.

         Nessa seara, a Câmara pode quando muito formular "indicações" ao Prefeito, nunca, porém, compeli-lo – por lei ou qualquer outro meio – a realizar atividades que são próprias da função executiva, donde também caracterizada, na espécie, a violação da independência e harmonia entre os Poderes.

         Em verdade, se realmente desejasse reformar os banheiros do pronto-socorro, bastaria ao Prefeito incluir na lei orçamentária anual previsão de recursos para tanto, sem a interferência da Câmara, exceto na aprovação da despesa. 

         Nessa conformidade, aguarda-se o julgamento de procedência da presente ação, com a confirmação da liminar, a fim de ver declarada a inconstitucionalidade da Emenda Aditiva n.º 3 à Lei de Diretrizes Orçamentárias (2012).

                                                        São Paulo, 2 de março de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

krcy