AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Autos
n.º
0293256-33.2011.8.26.0000
Autor:
Prefeito Municipal de Catanduva
Objeto de impugnação:
Lei Municipal n.º 5.256, de 7 de novembro de 2011, de Catanduva.
EMENTA:
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 5.256/2011, de
Catanduva, que instituiu o Programa de Uso Racional da Água – PURAE e dá outras
providências. Ausência de vício formal de inconstitucionalidade. Ato
legislativoque, ao contrário do que constou na inicial,é derivado de projeto de
lei de autoria do próprio Prefeito. Emenda que previu a notificação prévia do
infrator como pressuposto à incidência da sanção legal (art. 10). Inexistência
de reserva de iniciativa em matéria de procedimento administrativo. O poder de
emenda é ínsito à função legislativa e foi exercido nos limites da Constituição.
A emenda aprovada não gerou aumento de despesa e guarda relação de pertinência
com a propositura original. Improcedência da ação.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito
Municipal de Catanduva – na qual se pretende ver declarada a
inconstitucionalidade formal da Lei Municipal, n.º 5.256, de 7 de novembro de
2011, de Catanduva, cuja redação é a seguinte:
CAMARA
MUNICIPAL DE CATANDUVA
ESTADO DE SÃO PAULO
Lei nº 5.256, DE 07 DE NOVEMBRO DE
2.011
INSTITUI NO MUNICÍPIO OPROGRAMA DE USO RACIONAL
DAAGUA PURAE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
(Projeto de Lei nº074/2011) Autógrafo nº5.994
DANIEL PALMEIRA
DE LIMA:
Presidente da Câmara Municipal de Catanduva. Estado
de São Paulo, usando de suas atribuições legais e com base no inciso IV, do artigo 32,combinado com o§
8º do artigo 55, da
Lei Orgânica do Município de Catanduva, promulga a seguinte Lei:
Art.
1º-Fica
instituído no Município de Catanduva oPrograma de Uso Racional da Água nas
Edificações PURAE,que tem como objetivo instituir medidas que induzam àconservação,uso racional e utilização
de fontes
alternativas para captação de água nas novas edificações multifamiliares verticais (prédios
e apartamentos) e edificações verticais comerciais, bem como a conscientização dos
usuários sobre a importância da conservação da água.
Art.
2º-Para
os efeitos desta Lei e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:
I -conservação e uso racional da água -conjunto de ações
que propiciam a
economia de água e ocombate ao desperdício quantitativo nas edificações que
especifica;
II -desperdício quantitativo de água -volume de água
potável desperdiçado pelo uso abusivo;
III -utilização de fontes alternativas -conjunto de ações
que possibilitam o uso de outras fontes para captação de água que nãooSistema Público
de Abastecimento;
IV -águas
servidas - águas utilizadas nos tanques, máquinas de lavar enos chuveiros ou
banheiras.
Art.
3º-As disposições
desta Lei serão observadas na aprovação, pelos Departamentos Técnicos da
Prefeitura, dos projetos de construção de novas edificações verticais destinadas aos usos
multifamiliares e comerciais.
Parágrafo Único - As disposições contidas na presente
Lei serão aplicadas as edificações que possuam área superior a 750 (setecentos
e cinquenta) metros quadrados.
Art.
4º- Nas
ações de Uso Racional de Água, os sistemas hidráulicos-sanitários das novas
edificações verticais destinadas aos usos multifamiliares e comerciais, serão
projetadas visando oconforto e a segurança dos usuários, bem como a
sustentabilidade dos recursos hídricos.
Parágrafo Único Nas edificações multifamiliares
verticais acima de 06 (seis) pavimentos deverão ser utilizadas, como dispositivos
economizadores de água, bacias sanitárias de volume reduzido de carga.
Art.
5º- As
ações de Utilização de Fontes Alternativas compreendem:
I - a captação, armazenamento e utilização de água
proveniente das chuvas;
II - a captação, armazenamento e utilização de águas
servidas.
Art.
6º- Nas
edificações verticais, multifamiliares ou comerciais, acima de 06 (seis)
pavimentos, as águas das chuvas será captada na codestinadas aos usos
multifamiliares e comerciais, abertura das edificações e encaminhada a uma
cisterna no tanque, para ser utilizada em atividades que não requeiram água
tratada proveniente da rede públicade
abastecimento, tais como:
I - rega de hortas e jardins;
II - lavagem de veículos;
III - lavagem de vidros;
IV -lavagem de
calçadas e pisos.
Art.
7º- Nas
edificações verticais multifamiliaresou comerciais, acima de 06 (seis)
pavimentos, as Águas Servidas serão direcionadas através de encanamento próprio
à reservatório destinado a abastecer as descargas dos vasos sanitários e,
somente após tal utilização serão descarregadas na Rede Pública de Esgoto.
Art.
8º -Será adotado osistema
de calha Parshal para medição do esgoto das edificações executadas nos moldes desta Lei.
Art.
9º- O combate ao
Desperdício Quantitativo de Água compreende ações voltadas àconscientização
da população
através de campanhas
educativas, abordagem do tema nas escolas integrantes da Rede Publica Municipal,
palestras, entre outras atividades versando sobre ouso abusivo da água, métodos
de conservação e
uso racional da mesma.
Art.
10 -Descumpridas
as exigências contidas nas disposições da presente Lei, será emitida uma notificação
para cumprimento num
prazo improrrogável de 30 dias, caso descumprida a notificação
não será concedido oAlvará
de Construção e Habite-se respectivos.
Art.
11-REJEITADO.
Art.
12 -Esta
Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas disposições em contrário.
Segundo consta na inicial, a lei em
epígrafe é incompatível com os arts. 5.º, 25 e 144 da Constituição do Estado de
São Paulo; ao Prefeito compete dispor sobre a organização e o funcionamento da
Administração Municipal, na forma da lei; os Poderes locais devem ser
independentes e harmônicos entre si; a lei em questão padece de vício formal de
iniciativa, pois trata de matéria de iniciativa reservada ao chefe do Poder
Executivo; houve ainda ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual, ante o incremento
de despesas com a edição dessa lei.
Houve concessão de liminar (fl. 22).
A Câmara Municipal de Catanduva prestou
informações às fls. 28/33, aduzindo, em contraposição ao pedido, que: a lei
editada não padece de vício de iniciativa, pois o autor do projeto de lei foi o
próprio Prefeito, tampouco acarretou aumento da despesa pública; o art. 10
sofreu emenda, mas nenhuma inconstitucionalidade apresenta; os vereadores
dispõem da prerrogativa de emendar os projetos de lei submetidos a sua
apreciação, mesmo aqueles de iniciativa reservada; a emenda aprovada é
compatível com a matéria disciplinada por lei e não gerou aumento da despesa pública;
o projeto de lei teve trâmite regular naquela Casa; nenhuma
inconstitucionalidade há a ser declarada.
Citado para os fins do art. 90, § 2.º,
da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado defendeu a
exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata
à existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada, ausente
neste caso, em que a lei disciplina matéria exclusivamente local.
Em
resumo, é o que consta nos autos.
Preliminarmente, a partir de
informações prestadas pela Câmara, instruídas com a respectiva documentação
(cópia do processo legislativo), verifica-se que o autor do projeto de que
resultou a Lei n.º 5.256/2011 foi o próprio Prefeito Municipal de Catanduva,
que afirmou na inicial o contrário, induzindo a erro o Juízo, que concedeu
liminar para suspender a eficácia da lei em epígrafe até o final julgamento da
presente ação.
Não seria de todo desarrazoado cogitar,
em situação como a verificada nestes autos, a aplicação da pena de litigância
de má-fé, ao Autor da presente ação, o que fica alvitrado a esse egrégio Órgão
Especial, que, porém, deverá avaliar se é possível adotar regra pertinente aos
processos comuns, destinados à tutela de interesses subjetivos, em processo
objetivo de defesa da ordem constitucional.
No mérito, a ação deve ser julgada
improcedente.
Com efeito, ao emendar o projeto de lei
de iniciativa do Prefeito, a Câmara Municipal de Catanduva observou os limites
previstos nos arts. 24, § 5.º, e 175, § 1.º, 3, b, da Constituição Estadual,
pois a emenda aprovada não gerou aumento da despesa pública e é relacionada com
dispositivo do texto do projeto de lei.
Ao examinar as limitações ao poder de
emenda, e sua implicação com os projetos de lei a versarem sobre matérias de
iniciativa reservada, o colendo
STF assentou que:
"Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao
poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese
de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE
140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30-9-1993; ADI 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, DJ de
14-12-1990; ADI 865-MA, Celso
de Mello,DJ de 8-4-1994." (RE 191.191, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em
12-12-1997, Segunda Turma, DJ de 20-2-1998.) No mesmo sentido: ADI 3.288, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em
13-10-2010, Plenário, DJE de 24-2-2011.
É bom lembrar que o poder de emenda é
inerente à função parlamentar, não se identificando, por conseguinte, como
possa o Legislativo local haver exorbitado de suas atribuições ao emendar
projeto de lei de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.
Basta ver que o art. 10 do Projeto de
Lei n.º 74/2011 rezava o seguinte: Descumpridas
as exigências contidas nas disposições da presente Lei, não será concedido o
Alvará de Construção e Habite-se respectivos e com a emenda aprovada passou
a dispor que: Descumpridas as exigências
contidas nas disposições da presente Lei, será
emitida uma notificação para cumprimento num prazo improrrogável de 30 dias,
caso descumprida a notificação, não será concedido o Alvará de
Construção e Habite-se respectivos.
Na sua redação original, o art. 10 do
Projeto de Lei n.º 074/2011 previa que o mero descumprimento das exigências
contidas nas disposições normativas em destaque desautorizaria a concessão do alvará
de construção e habite-se
respectivos, ao passo que, com a inovação trazida pela emenda parlamentar, o procedimento administrativo foi
aperfeiçoado – matéria sobre a qual, aliás, inexiste reserva de
iniciativa –, tornando possível, assim, ao administrado regularizar o seu
pedido de aprovação de projeto de construção, de modo a adequá-lo às exigências
legais.
Ou seja, a emenda aprovada concedeu
prazo bastante razoável ao infrator para o cumprimento da obrigação legal,
findo o qual – e apenas em caso de desatendimento da notificação – é que a
sanção legalmente prevista terá incidência, acréscimo este que, data venia, nada tem de incompatível com
a Constituição, muito ao contrário, constitui típica expressão do princípio da
publicidade.
Na sua obra Direito Administrativo
Brasileiro (Malheiros, São Paulo, 28.ª edição, atualizada por Eurico de Andrade
Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, pp. 92/94), Hely
Lopes Meirelles ensina que publicidade é
a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos
externos e, outrossim, que, no
tocante ao processo administrativo, a Lei 9.784/99 determina a intimação do
interessado para ciência da decisão ou efetivação de diligências, podendo ser
efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por
telegrama ou outro meio que assegure a certeza de sua ciência, só se permitindo
a publicação oficial no caso de interessado indeterminado, desconhecido ou com
domicílio indefinido (art. 26 e seus §§ 3.º e 4.º). Preceito de ordem geral cabível em qualquer esfera administrativa,
em razão do princípio da publicidade, diz: as intimações serão nulas
quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o seu comparecimento
supre a sua falta ou irregularidade (art. 26 e seu § 5.º).
Em suma, a Câmara não usurpou
prerrogativa própria da função executiva, pois que, ao contrário do que constou
na inicial, o projeto de lei é de autoria do próprio Prefeito e a emenda
aprovada – com o intuito de aperfeiçoar o procedimento administrativo para a
obtenção de alvará de construção e/ou habite-se
– não gerou aumento da despesa pública e guarda relação de pertinência com o
texto do projeto de lei.
Nessa conformidade, e ressalvada a
preliminar, requer-se o julgamento de improcedência da presente ação direta de
inconstitucionalidade, sem a confirmação da liminar.
São
Paulo, 6 de março de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico
krcy