Parecer
Processo n. 0293258-03.2011.8.260000
Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva
Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 5.257, de 07 de
novembro de 2011, do Município de Catanduva.
Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei n. 5.257/11 do Município de Catanduva. Iniciativa
parlamentar. Criação de sistema de transporte de portadores de necessidades
especiais para atividades de cunho médico, clínico, educacional, e correlatas. Princípio
da separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo. Reserva de Administração. Procedência. É inconstitucional
lei municipal, de iniciativa parlamentar, que cria sistema de transporte em
favor de pessoas portadoras de necessidades especiais, visando suas atividades
médicas, clínicas, educacionais e correlatas, porque o estabelecimento de
regras que respeitam à organização e ao funcionamento dos serviços
administrativos da competência do Poder Executivo é da alçada da reserva da
Administração, sem embargo de revelar-se usurpação da iniciativa legislativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo ao impor atribuição e obrigação a seus
órgãos (arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, XIX, a,
CE).
Colendo Órgão Especial:
1. Ação direta de inconstitucionalidade contestando a
Lei n. 5.257, de 07 de novembro de 2011, do Município de Catanduva, de iniciativa
parlamentar, que cria sistema de transporte em favor de pessoas portadoras de
necessidades especiais, visando suas atividades médicas, clínicas, educacionais
e correlatas, por violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição Estadual
(fls. 02/12).
2. Deferida a liminar (fls. 20/21), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da intervenção na lide (fls. 67/68) e o
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 27/30).
3. É
o relatório.
4. O
pedido merece ser julgado procedente.
5. A
lei local impugnada, de iniciativa parlamentar, criou serviço social,
inscrevendo incumbência ao Poder Executivo municipal.
6. É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem
respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos
Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.). Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes
(art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê
no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder
Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a
criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública,
observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração
das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.
7. Também prevê no art. 47
(aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa
do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do
Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração
e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam
matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
8. A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal.
9. A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo
divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da
Constituição Estadual. Pois, ao instituir o referido sistema, de um lado, ela
viola o art. 47, XIX, a, no
estabelecimento de regras que respeitam à organização e ao funcionamento do
Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de
outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao
Poder Executivo.
10. Com efeito, a lei local impõe
obrigação ao Poder Executivo de implantar programa específico, de maneira a
conferir novas atribuições e interferir na organização administrativa. Neste
sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE
ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição
de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
11. Além
disso, invade a denominada reserva de Administração, como já decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
12. Opino
pela procedência da ação por visualizar ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47,
XIX, a, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 09 de fevereiro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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