Parecer
Processo n. 0304450-30.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Martinópolis
Objeto: Lei n. 2.740, de 11 de novembro de
2011, do Município de Martinópolis
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 2.740, de 11 de novembro de 2011, do Município de Martinópolis. Criação do Portal da Transparência. Inexistência de violação do princípio da separação de poderes. Iniciativa legislativa concorrente. 1. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 2. Lei disciplinadora da transparência de atos administrativos, aprimorando a publicidade estatal, independe de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versa sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. 3. Inexistência da criação de novo encargo sem cobertura financeira. 4. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.740, de 11 de novembro de 2011, do Município de Martinópolis, de iniciativa parlamentar, que cria o Portal da Transparência como meio oficial de divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, sob a alegação de ofensa aos arts. 5º; 24, § 2º, 2; art. 25; art. 47, II, XIX, “a”; art. 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 71/72).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 85/96, em defesa da norma impugnada.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 79/80).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
É o relatório.
Não prospera a arguição de violação ao princípio da
separação de poderes, contido no art. 5º da Constituição do Estado de São
Paulo.
A lei local impugnada cuida de elevado, basilar e radical
assunto na senda da organização político-administrativa municipal: a
transparência administrativa que se articula por um de seus subprincípios (a
publicidade), ajustando à modernidade tecnológica o cumprimento da diretriz de
diafanidade da gestão dos negócios públicos.
Não se trata, pois, de matéria que mereça trato normativo
por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Com efeito, a lei local
cuida, por excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito
no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o
nome de publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo:
Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, tendo como baliza que, como salientou o eminente
Ministro Celso de Mello em histórico julgamento, “o novo estatuto político
brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta
- consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor
constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).
Portanto, é indevido concluir que esse assunto seja da
reserva do Poder Executivo ou de sua iniciativa legislativa exclusiva.
Ora, a matéria situa-se na iniciativa comum ou concorrente. Regra
é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a
atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que,
por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição
salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
Fixadas estas premissas,
as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou
órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas
restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo
legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros.
Neste
sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As
hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da
Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração
Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo”
(RT 866/112).
“A
disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz
essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele
somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa,
inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. -
A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa
vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a
qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa
- se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo
expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei,
no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade
suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder
de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso
de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).
Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa, assim como no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
Registro,
na oportunidade, que alegação dessa espécie foi rechaçada no Supremo Tribunal
Federal ao resumir que:
“Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que
independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto
que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração
Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61, § 1º, II, e)”
(STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Correa, 12-03-2002,
v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).
Tampouco
é admissível a arguição de ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei
local não criou encargo novo para a Administração Pública municipal porque a
divulgação oficial de informações, para além da publicação dos atos da
Administração no órgão oficial, já existe; objetiva-se apenas, com a lei
impugnada, prescrever conteúdo suficiente da publicidade governamental. Ademais,
o exame dessa matéria demandaria análise de fato, que desborda dos estreitos
limites desta via.
Por fim,
a própria Lei prevê, em seu art. 12, que não haverá aumento de despesas “devendo
o Portal da Transparência Pública de Martinópolis ser implementado com os meios
materiais e com o apoio de funcionários já existentes no quadro de servidores
do Poder Executivo”.
Diante do exposto, opino pela improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 12 de abril de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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