Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0333420-74.2010.8.26.0000 (990.10.333420-5)

Requerente: Prefeito do Município de Mogi Guaçu

Objeto: Lei nº 4.580, de 13 de novembro de 2009, do Município de Mogi Guaçu

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei nº 4.580, de 13 de novembro de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “estabelece a obrigatoriedade do uso de embalagem individual (sachês) descartável industrializada, para fornecimento de molhos, condimentos e temperos a serem utilizados por estabelecimentos comerciais especificados nesta lei”. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47, II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Mogi Guaçu, tendo por objeto a Lei nº 4.580, de 13 de novembro de 2009, que “estabelece a obrigatoriedade do uso de embalagem individual (sachês) descartável industrializada, para fornecimento de molhos, condimentos e temperos a serem utilizados por estabelecimentos comerciais especificados nesta lei”.

O autor sustenta que a lei em questão é inconstitucional porque versa sobre saúde e saneamento básico, temas reservados à competência legislativa do Estado, e para os quais a Carta Paulista reclama lei complementar (art. 23, parágrafo único, 12 e 13).

O pedido liminar de suspensão e eficácia da lei foi indeferido (fls. 75).

O Presidente da Câmara Municipal prestou as informações de fls. 93/98. Defendeu a constitucionalidade da lei, alegando que a saúde e o saneamento básico são assuntos comuns à União, Estados e Municípios, a teor do art. 23 da Constituição Federal. Em acréscimo, afirmou que o ato normativo concretiza o interesse local.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 84/86).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Deflui dos autos que a lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador SALVADOR FRANCELI NETO e obriga bares, lanchonetes, restaurantes e outros, que exercem o comércio de alimentos, a fornecer condimentos e temperos (catchup, maionese, mostarda, etc) em embalagem individual, descartável e industrializada, “dentro dos padrões de identidade e qualidade e que atendam às normas de registro e rotulagem específicas” (art. 1º).

A norma proíbe, de outro lado, a utilização de saquinhos plásticos, bisnagas e similares (art. 2º).

Pelo art. 3º, a lei determina conduta à Secretaria Municipal de Saúde, mandando que a Vigilância Sanitária oriente comerciantes, por 60 (sessenta) dias, findo os quais, cumprirá ao órgão apreender e inutilizar as embalagens encontradas em desacordo com a nova regulação.

Desse modo, o que salta à vista é o vício de iniciativa da lei impugnada, pois, como assinala o Presidente da Câmara Municipal, saúde e saneamento básico se acham entre as competências materiais – executivas ou administrativas – comuns a todas as entidades estatais.

Deveras, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II, da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

No caso concreto, para marcar a proibição, a Câmara Municipal se imiscuiu nas funções do Administrador ao dizer à Secretaria de Saúde que deve proceder desta e daquela maneira em relação aos comerciantes sujeitos à norma.

Note-se, ademais, que, instituindo uma obrigação ou uma proibição para o munícipe, a lei impõe à Vigilância Sanitária o correspondente dever de fiscalizá-lo, criando serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quer determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Desse entendimento comunga o em. Des. PALMA BISSON, ilustre membro desse Colegiado, que, em recente declaração de voto, ofereceu-nos a seguinte lição sobre o tema:

“(...) veio a lume a lei telada, sendo, embora, de deputada iniciativa (fls. 90/93), impondo penalidades a seus infratores (art. 6º), o que pressupõe dever de fiscalização, e, ademais, determinando ao Poder Executivo regulamentá-la especialmente quanto à atribuição de fiscalizar seu cumprimento e impor aquelas (art. 7 o).

Ora, isso e aquilo revelam que de vício de iniciativa a indigitada norma padece, logo, de inconstitucionalidade formal também, por cediço que descabe ao Legislativo dizer sobre fiscalização relacionada a poder de polícia (inclusive criando um novo serviço público de fiscalização que culminaria na suspensão das atividades ou fechamento definitivo do estabelecimento), posto constituírem atos típicos da Administração, ou seja, do Poder Executivo (Incidente de inconstitucionalidade nº 994.09.230558-2, julgado em 17 Mar. 2010, g.n.).

Com isso, a lei impugnada ofendeu, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse C. Órgão Especial:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante (embora não mencionado na inicial), que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade ditada pelo art. 3º gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.580, de 13 de novembro de 2009, que “estabelece a obrigatoriedade do uso de embalagem individual (sachês) descartável industrializada, para fornecimento de molhos, condimentos e temperos a serem utilizados por estabelecimentos comerciais especificados nesta lei”.

 

São Paulo, 2 de maio de 2011.

 

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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