Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0381623-67.2010.8.26.0000/50000

Requerente: Federação Brasileira dos Bancos - FEBRABAN

Objeto: Lei nº 5.424/2010, do Município de Ribeirão Pires/SP

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela FEBRABAN, da Lei nº 5.424, de 16 de junho de 2010, do Município de Ribeirão Pires, que “obriga as instituições bancárias, casas lotéricas e agências de correio a instalar barreiras físicas para bloqueio do campo visual de terceiros nas operações bancárias dos clientes”. 2) Impossibilidade de exame da norma à luz de parâmetros contidos na Constituição da República. Precedentes do STF. 3) Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. 4) Norma que não gera, direta e imediatamente, nenhum encargo para a administração pública, como nos casos de criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo modificação de rotina de serviços. 5) Diploma que não interfere no sistema financeiro, nem demanda o quorum qualificado da lei complementar. Interpretação do art. 48, XIII, e do art. 192 da CR/88. 6) Tema contido no âmbito do interesse local (art. 30, I da CR/88), por consistir na disciplina do poder de polícia municipal e do atendimento aos consumidores dos serviços bancários. Lei que se reputa constitucional. Parecer pela improcedência da ação direta, com prequestionamento.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação Brasileira dos Bancos - FEBRABAN, tendo como alvo a Lei nº 5.424, de 16 de junho de 2010, do Município de Ribeirão Pires, que “obriga as instituições bancárias, casas lotéricas e agências de correio a instalar barreiras físicas para bloqueio do campo visual de terceiros nas operações bancárias dos clientes”.

A alegação de inconstitucionalidade assenta-se, supostamente: (a) na necessidade de criação ou alteração de cargos e funções dos serviços públicos da Administração Pública Indireta; (b) no acréscimo ou nova remuneração de servidores públicos ocupantes de cargos e funções de fiscalização, sem indicação da respectiva fonte de custeio; (c) na iniciativa parlamentar, considerando que a lei gera necessidade de reorganização ou reestruturação administrativa; (d) na existência de limitações constitucionais à competência legislativa dos Municípios em “matéria de segurança bancária e sistema financeiro nacional”; (e) na afronta ao ato jurídico perfeito, segurança jurídica, legalidade e irretroatividade da lei; (f) na contrariedade à proporcionalidade e à razoabilidade.

Aponta, assim, para a contrariedade ao disposto nos arts. 5º; 25, caput; 47, II; 90 e 144 da Constituição Paulista, bem como com relação aos seguintes dispositivos da Constituição da República: art. 1º; art. 2º; art. 5º, II, XXXVI, LIV e LV; art. 18; art. 37, caput; art. 48, XII; art. 61, § 1º, II; art. 144, § 8º; e art. 192.

O pedido de suspensão liminar da vigência do ato normativo foi indeferido (fls. 93), inclusive em sede de agravo regimental (fls. 112/115 e 130/131).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo e pugnou pela improcedência da ação (fls. 147 e ss.).

O Procurador-Geral do Estado declinou da defesa da lei impugnada, assinalando que a matéria tem repercussão exclusivamente local (fls. 143/145).

É a síntese do necessário.

A lei em análise determina que as instituições bancárias, casas lotéricas e agências dos correios sediadas no Município instalem, no espaço compreendido entre os caixas eletrônicos e os clientes, divisórias que proporcionem privacidade e isolamento àqueles que estão sendo atendidos nos caixas (art. 1º).

Determina, ainda, que referidos estabelecimentos ostentem cartazes para orientar a população sobre os riscos inerentes ao transporte de numerário (art. 2º).

Fixa prazo para o atendimento dessas prescrições e imposição de multa diária para o caso de descumprimento (arts. 3º e 4º).

De ver-se, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008).

(...) iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...)” (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001).

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI nº 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE nº 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI nº 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI nº 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI nº 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

E basta uma simples leitura da lei impugnada para ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Mas não é isso o que ocorre na hipótese em exame.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é o que se constata no caso em exame.

A lei questionada impôs obrigações aos bancos e às instituições que menciona instaladas na Comuna e não ao Município.

Se, para cumpri-la, será ou não necessária a criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade administrativa, a cargo do chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Nada assegura que, para a realização da fiscalização quanto ao cumprimento da lei impugnada, será mesmo imprescindível a criação de cargos, órgãos públicos, ou mesmo a realização de despesas complementares cuja fonte de receita não foi prevista.

Daí que o ato normativo não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

De outro lado, também não será o caso de declarar-se a inconstitucionalidade da lei por suposta violação ao art. 25 da Constituição do Estado, que veda a criação ou aumento de despesa sem indicação, no projeto de lei, da respectiva fonte de receitas.

A razão é simples.

A exigência prevista na lei em exame de instalação de “divisórias” para proporcionar “privacidade” aos clientes que estão sendo atendidos nos caixas dirige-se às instituições financeiras, e não ao Poder Público local. São aquelas, e não este, que terão despesas – mínimas, é viável afirmar de passagem – com o cumprimento de tal providência imposta pela lei.

Declarar-se a inconstitucionalidade da lei com amparo no art. 25 da Constituição do Estado significaria contrariar a própria função essencial do Poder Legislativo, consistente na edição de leis.

Com isso, estar-se-ia negando vigência ao art. 48, caput da CR/88, que fixa as atribuições do Congresso (aplicável por analogia às Câmaras) bem como ao art. 30, I da CR/88, que confere ao Município competência para legislar sobre assuntos de interesse local. Será necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

E, com a devida vênia, há ainda outras considerações a fazer.

Não nos parece tenha sido correto o posicionamento adotado na r. Decisão que concedeu a liminar, e nem será caso de acolhimento da alegação de inconstitucionalidade por suposta violação de qualquer dispositivo da Constituição da República, entre os inúmeros que foram apontados na inicial da ação direta.

É necessário observar, inicialmente, a impossibilidade, na ação direta de inconstitucionalidade estadual, de adoção de dispositivos da Constituição da República como parâmetros para o controle abstrato.

Foi por essa razão que na ADI nº 347/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20/09/2006 (DJ 20/10/2006) foi declarada a inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo, que permitia a adoção de parâmetro constitucional federal no controle de constitucionalidade estadual. Eis a ementa do julgado:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 74, XI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROCEDÊNCIA. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe a tribunais de justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente”.

Esse E. Tribunal de Justiça rende-se a essa orientação e, analisando questão relativa ao tempo de espera na fila dos bancos, declarou extinta ação que intentava o cotejo de lei local com parâmetro da Constituição Federal, nos termos seguintes:

“Ementa: ADIN. Lei n° 3.951/01 do Município de Mogi Guaçu, nascida da iniciativa de vereadora, aprovado pela Câmara, vetado pelo Prefeito, rejeição do veto e promulgação pelo presidente da edilidade, que institui a obrigatoriedade das agências bancárias, no âmbito do Município, de colocar à disposição dos usuários pessoal suficiente no Setor de Caixas, para que o atendimento seja efetivado em tempo razoável. Alegação de inconstitucionalidade dessa lei por violação dos artigos 275 e 276 da Constituição Estadual. Matéria cuja regulação está inserta na competência da União e dos Estados. Os artigos 275 e 276 da Constituição Estadual tratam da defesa do consumidor e do sistema estadual de defesa do consumidor, invocados pelo representante, impertinentes. Na forma do art. 24, VIII, da Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre ‘responsabilidade por dano (...) ao consumidor, (...)’, afastada a competência dos Municípios. Lei inconstitucional em face da Constituição Federal. Inconstitucionalidade que não pode ser declarada em ADIN. Processo extinto sem o exame de mérito” (ADIN nº 091.774.0/2-00, Rel. PAULO SHINTATE, j. 3 Set. 2003).

Nada obstante, permitimo-nos refutar mais um argumento.

A atual redação do art. 192 da CR/88, que trata do sistema financeiro nacional, decorre da dicção que lhe foi conferida pela EC nº 40/03, de sorte que nele permaneceu o caput, mas foram eliminados (revogados) os respectivos incisos e parágrafos.

Ainda que assim não fosse, mesmo o antigo (ora revogado) inciso IV do art. 192 da CR/88 não renderia ensejo à conclusão de que a lei aqui examinada seria inconstitucional. Tal inciso apenas previa que a lei complementar deveria dispor sobre “a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas.

Daí não seria possível extrair que os Municípios não pudessem editar leis afetando de algum modo os procedimentos de atendimento ao público por parte de instituições financeiras.

Também não se chegaria a conclusão diferente, consultando a Lei Federal nº 7.102/83, que “dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências”, sob o argumento de que o exercício da competência federal de fixação de normas gerais pelo legislador federal manietaria os legisladores estadual e municipal nessa matéria.

A Lei Federal nº 7.102/83 apresenta dispositivos que interessam ao exame realizado neste feito e seguem transcritos:

“Lei Federal nº 7102/83

(...)

Art.1º. É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei. (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

 §1º. Os estabelecimentos financeiros referidos neste artigo compreendem bancos oficiais ou privados, caixas econômicas, sociedades de crédito, associações de poupança, suas  agências, postos de atendimento, subagências e seções, assim como as cooperativas singulares de crédito e suas respectivas dependências. (Renumerado do parágrafo único com nova redação, pela Lei nº 11.718, de 2008)

§2º. O Poder Executivo estabelecerá, considerando a reduzida circulação financeira, requisitos próprios de segurança para as cooperativas singulares de crédito e suas dependências que contemplem, entre outros, os seguintes procedimentos: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

I – dispensa de sistema de segurança para o estabelecimento de cooperativa singular de crédito que se situe dentro de qualquer edificação que possua estrutura de segurança instalada em conformidade com o art. 2º desta Lei; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

II – necessidade de elaboração e aprovação de apenas um único plano de segurança por cooperativa singular de crédito, desde que detalhadas todas as suas dependências; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

III – dispensa de contratação de vigilantes, caso isso inviabilize economicamente a existência do estabelecimento.  (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

§3º. Os processos administrativos em curso no âmbito do Departamento de Polícia Federal observarão os requisitos próprios de segurança para as cooperativas singulares de crédito e suas dependências. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

 Art.2º. O sistema de segurança referido no artigo anterior inclui pessoas adequadamente preparadas, assim chamadas vigilantes; alarme capaz de permitir, com segurança, comunicação entre o estabelecimento financeiro e outro da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo; e, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos:

I - equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes;

II - artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e

III - cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento.

(...)

 Art. 6º. Além das atribuições previstas no art. 20, compete ao Ministério da Justiça: (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

I - fiscalizar os estabelecimentos financeiros quanto ao cumprimento desta lei; (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

II - encaminhar parecer conclusivo quanto ao prévio cumprimento desta lei, pelo estabelecimento financeiro, à autoridade que autoriza o seu funcionamento; (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

III - aplicar aos estabelecimentos financeiros as penalidades previstas nesta lei.

Parágrafo único. Para a execução da competência prevista no inciso I, o Ministério da Justiça poderá celebrar convênio com as Secretarias de Segurança Pública dos respectivos Estados e Distrito Federal. (Redação dada pela Lei 9.017, de 1995)

(...)”

Como se percebe, a Lei Federal nº 7.102/83, especialmente nos dispositivos acima transcritos, trata de requisitos e aspectos relacionados aos padrões básicos do sistema de segurança dos estabelecimentos bancários.

Essa matéria, de fato, exige tratamento uniforme em todo o território nacional, e, por isso, teria mesmo que estar disciplinada em lei federal.

Não é o que ocorre, entretanto, como será visto a seguir, no que diz respeito às regras relacionadas ao atendimento ao consumidor de serviços bancários e ao exercício do poder de polícia do Município, que podem e devem ser veiculadas por meio de lei municipal.

Como é cediço, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os temas de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais nessa matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante.

A propósito, confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros.

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como sobre instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII, art. 192, da CF, com a redação dada pela EC nº 40/03), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados, bem como ao exercício do poder de polícia nos Municípios (art. 30, I, da CR/88).

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE nº 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE nº 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

Oportuno ainda transcrever a seguinte ementa:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

 No julgado acima, ao emitir seu voto, o i. Min. Relator Eros Grau formulou as seguintes ponderações:

“Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município exerceu competência a ele atribuída pelo art. 30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art. 22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art.48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.”

Há outros julgados, nesse mesmo sentido, tanto do Colendo STJ como do Colendo STF. Confira-se:

“(...)

3. Firmou-se a jurisprudência, tanto no STF (v.g.: AgReg no RExt 427.463, RExt 432.789, AgReg no RExt 367.192-PB), quanto do STJ (v.g.: REsp 747.382; REsp 467.451), no sentido de que é da competência dos Municípios (e, portanto, do Distrito Federal, no âmbito do seu território - CF, art. 32, § 1º) legislar sobre tempo de atendimento em prazo razoável do público usuário de instituições bancárias, já que se trata de assunto de interesse local (CF, art. 30, I). Assim, eventual antinomia ou incompatibilidade entre a lei municipal e a lei federal no trato da matéria determina a prevalência daquela em relação a essa, e não o contrário” (STJ, REsp 598.183-DF, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 08-11-2006, v.u., DJ 27-11-2006, p. 236).

“CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL. INTERESSE LOCAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. O Município tem competência para legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias” (STF, AI-AgR 472.373-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, 13-12-2006, v.u., DJ 09-02-2007, p. 23).

Por identidade de razões, os precedentes do Colendo STF são aplicáveis ao caso em exame.

Acrescente-se que, em outros casos, o Colendo STF reconheceu diretamente a competência dos Municípios para legislar quando está em jogo o exercício do poder de polícia relativo ao uso das edificações urbanas, bem como ao estabelecimento de diretrizes de atendimento aos clientes de instituições financeiras, inclusive no aspecto relacionado à segurança.

Confira-se:

“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Competência legislativa. Município. Edificações. Bancos. Equipamentos de segurança. Portas eletrônicas. Agravo desprovido. Inteligência do art. 30, I, e 192, I, da CF. Precedentes. Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeite a edificações ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público” (STF, AI-AgR 491.420-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, 21-02-2006, v.u., DJ 24-03-2006, p. 26, RTJ 203/409).

“ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS - COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL - ALEGAÇÃO TARDIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO - MATÉRIA QUE, POR SER ESTRANHA À PRESENTE CAUSA, NÃO FOI EXAMINADA NA DECISÃO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO ‘JURA NOVIT CURIA’ - RECURSO IMPROVIDO. - O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de bebedouros” (STF, AI-AgR 341.717-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 31-05-2005, v.u., DJ 05-08-2005, p. 92).

Em suma, é irrelevante para o funcionamento da instituição e do próprio sistema financeiro (este sim objeto de lei federal) a previsão, em lei municipal, de instalação de “paredes opacas” para fins de “isolamento virtual” entre os clientes que estão esperando na fila e aqueles que estão em atendimento nos caixas.

A lei, ao criar situação de maior privacidade para clientes em atendimento nos caixas, ainda que indiretamente possa trazer diminuição de riscos à segurança dos usuários dos serviços bancários, a rigor diz respeito apenas à qualidade do atendimento ao consumidor dos serviços bancários, e ao poder de polícia do Município, exercido dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes.

Esse aprimoramento das condições de atendimento da instituição financeira revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal.

Entendimento diverso significará contrariedade aos dispositivos constitucionais mencionados acima (art. 30, I, art. 48 XIII, art. 192, da CR/88 com redação dada pela EC nº 40/03), sendo necessário que esse E. Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Por último e não menos importante, é necessário consignar que a argumentação contida na inicial com relação à suposta violação de outros dispositivos da Constituição da República, nada obstante o esmero do ilustre subscritor da inicial, não resiste à crítica no sentido da impossibilidade de seu acolhimento.

Reitere-se, ainda uma vez, que não é possível o acolhimento da alegação de inconstitucionalidade, em sede de ação direta estadual, com amparo em parâmetros federais.

Sem embargo do que foi dito, não há qualquer ofensa ao ato jurídico perfeito, à segurança jurídica, à legalidade, à irretroatividade da lei, ou mesmo contrariedade à proporcionalidade e à razoabilidade. O simples fato de as instituições financeiras que atuam no Município terem obtido autorização para funcionamento em determinado momento, não significa que a legislação não possa ser alterada para passar a exigir o cumprimento de outros requisitos, aos quais tais entidades devam se adaptar para que continuem a funcionar.

Aliás, tal fenômeno – alteração legislativa e necessidade de submissão de todos aos novos desígnios legislativos – ocorre diariamente, em todos os campos da atividade, seja ela pública ou privada, sem que seja possível vislumbrar em tal circunstância qualquer motivo para perplexidade, ou mesmo, diretamente, ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido ou à segurança jurídica.

Ademais, a autorização para funcionamento de certa atividade é ato unilateral e precário por excelência. Se a lei passa a exigir novos requisitos, e fixa prazo para adaptação, é necessária a observância dos novos parâmetros, sob pena da incidência das consequências previstas no ato normativo (sanções, cassação da autorização, etc.).

Acrescente-se que a experiência comum de qualquer cidadão permite concluir, sem maior dificuldade, que a imposição de colocação, pelas instituições financeiras, de divisórias para assegurar a privacidade dos clientes em atendimento nos caixas, não gerará, seguramente gastos excessivos ou mesmo transtornos extraordinários que inviabilizem a atividade desenvolvida em tais instituições.

É público e notório que as instituições financeiras desenvolvem atividade que lhes assegura sólida situação no que diz respeito aos lucros decorrentes dos serviços por elas prestados. Não nos parece inadequada, excessiva, ou arbitrária, de sorte a caracterizar ofensa à razoabilidade ou à proporcionalidade, a exigência legislativa que impõe providência mínima e, com a devida vênia, até mesmo simples (instalação de divisórias), que visa, singelamente, melhorar a condição de atendimento dos clientes dos serviços bancários.

Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 3 de outubro de 2011.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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