Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0452.633-74-2010 (990.10.452633-7)

Requerente: Prefeito Municipal de Serrana

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal 1400, de 25 de maio de 2010, do Município de Serrana

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal 1400, de 25 de maio de 2010, do Município de Serrana, de iniciativa parlamentar, que acrescentando dispositivo à lei anterior que trata da Contribuição de Iluminação Pública.

2)      Reconhecimento pelo Plenário do Col. STF da legitimidade constitucional da Contribuição de Iluminação Pública, por força do art. 149-A da CR, decorrente da EC 39/2002, bem como da aplicação do princípio da capacidade contributiva a esse tributo (RE 573.675/SC).

3)      Lei que dispensa do recolhimento da Contribuição de Iluminação Pública contribuintes em condição equivalente. Violação da isonomia tributária (art. 163, II, da Constituição Paulista).

4)      Não observância do princípio da capacidade contributiva, evidenciado pela melhor condição econômica daqueles que são proprietários ou possuidores de mais de um imóvel (art. 160, § 1º, da Constituição Paulista).

5)      Violação do princípio da razoabilidade, dada a desnecessidade, inadequação e desproporcionalidade entre a iniciativa legislativa e os fins por ela almejados (art. 111, “caput”, da Constituição Paulista).

6)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Serrana, tendo como objeto a Lei Municipal 1400, de 25 de maio de 2010, do Município de Serrana, de iniciativa parlamentar, que acrescentou dispositivo à lei anterior que trata da Contribuição de Iluminação Pública.

Sustenta o autor a inconstitucionalidade do ato normativo por: (a) contrariedade ao art. 150, II, da CR/88, havendo, segundo alega, violação do princípio da isonomia em matéria tributária; (b) contrariedade ao art. 160, II, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo, que prevê o princípio da capacidade contributiva; (c) violação de reserva de iniciativa, apontando como fundamentos para tal afirmação o art. 5º, art. 24, § 2º, n. 4, art. 47, II e XIV, e ainda o art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 46).

O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 53/54, 57).

É o relato do essencial.

A Lei 1400 de 2010 de Serrana, fruto de iniciativa parlamentar, em conformidade com a respectiva rubrica “acrescenta parágrafo único ao art. 2º da Lei 1065/2004 que institui no Município de Serrana a Contribuição para Custeio de Iluminação Pública prevista no art. 149-A a Constituição Federal”, e tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Acrescenta ao art. 3º da Lei 1065/2004, parágrafo único, com a seguinte redação:

‘Parágrafo único. Fica excluída a cobrança instituída por esta lei, a segunda e demais unidades cadastradas em nome de um mesmo consumidor.’

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

Em nossa percepção, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da lei impugnada nesta ação direta.

É importante destacar que a constitucionalidade da instituição da Contribuição de Iluminação Pública, bem como a possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas já foi assentada pelo Col. STF em oportunidade em que a matéria foi examinada, já sob a perspectiva do art. 149-A da CR/88, decorrente da EC 39/02.

Trata-se do julgamento, pelo Plenário do STF, do RE nº 573.675/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, realizado em 25-3-2009, (DJE de 22-5-2009), fruto de impugnação contra decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade proposta junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Esse precedente do STF contou com a seguinte ementa:

“(...)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RE INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA - COSIP. ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI COMPLEMENTAR 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA. COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIVERSO DE CONTRIBUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO. BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA. PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. INOCORRÊNCIA. EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública.

II - A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva.

III - Tributo de caráter sui generis, que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte.

IV - Exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

V - Recurso extraordinário conhecido e improvido.

(...)”

Como é possível observar, nesse julgamento, o STF examinou expressamente a questão relativa à legitimidade constitucional da fixação, pela lei, de alíquotas progressivas em função da quantidade do consumo de energia elétrica e da classe de consumidor, e considerou esse parâmetro adequado, indicando-o como forma possível de concretização do princípio da capacidade contributiva, estabelecido no art. 145, § 1º, da CR/88.

Nesse particular, é útil transcrever excerto do voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, que esclarece a posição adotada pelo Plenário do STF quanto à matéria em debate:

“(...)

         O art. 2º da Lei Complementar municipal sob análise estabeleceu como base de cálculo da contribuição o valor da Tarifa de Iluminação Pública, apurado mês a mês (TARIFA de I.P./Mês), correspondente ao custo mensal do serviço de iluminação pública, variando as alíquotas conforme a qualidade dos consumidores de energia elétrica e quantidade de seu consumo.

         Explicando melhor, a ‘Tarifa de I.P./Mês’ é aferida a cada trinta dias, levando-se em conta o valor gasto pelo Município com a iluminação pública. Esse montante é rateado pelos contribuintes, segundo alíquotas que variam conforme o tipo de usuário do serviço, classificado em consumidor primário, residencial, comercial, industrial e serviço público, e de acordo com o respectivo gasto de energia elétrica.

         Não resta dúvida de que a LC 7/2002, nesse sentido, instituiu um sistema progressivo de alíquotas, mas o fez sem ofensa ao princípio da isonomia e com respeito à capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

         (...)

         Embora não deixe de ter certa plausibilidade a assertiva do recorrente segundo a qual ‘não há um critério seguro de discriminação para se conferir a determinado contribuinte uma carga tributária maior’, diante do silêncio da Constituição Federal no que toca à hipótese de incidência da contribuição de iluminação pública, liberando, assim, o legislador local a eleger a melhor forma de cobrança do tributo, e tendo em conta o caráter sui generis da exação, considero que se mostram razoáveis e proporcionais os critérios escolhidos pelo diploma legal impugnado para estabelecer a sua base de cálculo, discriminar seus contribuintes e estabelecer as alíquotas a que estão sujeitos.

         Sim, porque o Município de São José, ao empregar o consumo mensal de energia elétrica de cada imóvel, como parâmetro para ratear entre os contribuintes o gasto com a prestação do serviço de iluminação pública, buscou realizar, na prática, a almejada justiça fiscal, que consiste, precisamente, na materialização, no plano da realidade fática, dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, porquanto é lícito supor que quem tem um consumo maior tem condições de pagar mais.

         Por fim, cumpre repelir o último argumento do recorrente, segundo o qual a base de cálculo da COSIP se confunde com a do ICMS. Tal hipótese, permissa venia, não ocorre no caso, porque a contribuição em tela não incide propriamente sobre o consumo de energia elétrica, mas corresponde ao rateio do custo do serviço municipal de iluminação pública entre contribuintes selecionados por critérios objetivos, pelo legislador local, com amparo na faculdade que lhe conferiu a EC 39/2002.

         (...)

         Diante de todo o exposto, por não vislumbrar, na espécie, ofensa a qualquer princípio constitucional, em particular aos postulados da isonomia e da capacidade contributiva, e por entender, ainda, que os parâmetros empregados pela Lei 7/2002 do Município de São José para instituir a Contribuição para Custeio dos Serviços de Iluminação Pública – COSIP não excederam os lindes da razoabilidade e da proporcionalidade, conheço do presente recurso extraordinário, negando-lhe provimento.

(...)”

É relevante observar que a decisão acima referida reflete o posicionamento atual e dominante do STF a respeito da matéria, na medida em que foi proferida pelo Tribunal Pleno, havendo um único voto vencido, do Min. Marco Aurélio, visto que do extrato da ata de julgamento constou o seguinte:

“(...)

         O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, conheceu e desproveu o recurso extraordinário, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que conhecia e o provia, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da norma.

(...)”

Entretanto, a autorização para instituição de progressividade de alíquotas, bem como a recomendação do Col. STF no sentido de que seja observada a capacidade contributiva, não legitima a solução que foi encontrada pelo legislador municipal, no caso em exame, consistente em pura e simplesmente dispensar a cobrança da Contribuição de Iluminação Pública nos casos de “segunda e demais unidades cadastradas em nome de um mesmo consumidor”.

Manifesta-se, diversamente, clara ofensa aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da capacidade contributiva.

Há ofensa à isonomia (art. 163, II, da Constituição Paulista), na medida em que consistindo este princípio consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na exata proporção de suas desigualdades, não se legitima a redução dos encargos tributários precisamente àqueles munícipes que, em comparação com outros, possuem em princípio melhores condições econômicas, sendo isso aferível pelo fato de terem dois ou mais imóveis cadastrados em seu nome. Em outras palavras, o resultado da alteração legislativa é o tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente.

Há ofensa ao princípio da capacidade contributiva (art. 160, § 1º, da Constituição Paulista), cuja aplicação à Contribuição de Iluminação Pública foi reconhecida pelo Col. STF no precedente antes referido, na medida em que a dispensa quanto ao pagamento do tributo foi concedida na medida inversamente proporcional à possibilidade econômica de arcar com a tributação, identificável através da propriedade ou posse, por parte do sujeito passivo tributário, de pluralidade de imóveis.

Finalmente, houve ofensa ao princípio da razoabilidade (art. 111 da Constituição Paulista), visto que a medida se revela desnecessária, inadequada, e, especialmente, desproporcional, uma vez que desonera justamente aqueles que possuem maior potencial econômico.

Por essas razões a inconstitucionalidade deve ser reconhecida, com fundamento no art. 160, § 1º, art. 163, II, e art. 111, caput, todos da Constituição do Estado, aplicáveis ao Município por força do art. 144 da referida Carta.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei 1400/2010, de Serrana.

São Paulo, 17 de maio de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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