Parecer
Processo n. 0494816-60.2010.8.260000
Requerente: Procurador-Geral de Justiça
Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 6.274, de 29 de julho
de 2009, do Município de Mogi das Cruzes
Constitucional. Urbanístico.Ação direta de inconstitucionalidade.
Lei n. 6.274/09 do Município de Mogi das Cruzes. Processo legislativo.
Participação comunitária. Procedência.É inconstitucional lei
municipal que altera a legislação de uso e ocupação do solo urbano sem
assegurar a participação comunitária em seu processo legislativo, bem como o
planejamento técnico (arts. 180, I, II e V, 181 e 191, CE).
Colendo Órgão Especial:
1. Ação direta de inconstitucionalidade contestando a
Lei n. 6.274, de 29 de julho de 2009, do Município de Mogi das Cruzes, que
alterou a Lei n. 2.683, de 16 de agosto de 1982, que dispõe sobre o ordenamento
do uso e ocupação do solo urbano, por violação aos arts. 180, I, II e V, 181 e
191, da Constituição Estadual (fls. 02/09).
2. Concedida a liminar (fl. 10), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da intervenção na lide (fls. 20/22). Os
embargos declaratórios opostos foram rejeitados (fls. 41/43).A Prefeitura e a
Câmara prestaram informações defendendo a constitucionalidade da lei, alegando,
em suma, inexigibilidade de planejamento técnico e de participação comunitária
nos projetos de lei de alteração e efetiva observância dessa exigência pela
oitiva do Conselho Municipal da Cidade, além do arquivamento de inquérito civil
(fls. 46/51, 74/80).
3. É o
relatório.
4. Reportando
in totum aos fundamentos da petição
inicial, acrescento que a eventual promoção de arquivamento de inquérito civil
não se erige em obstáculo, posto que a jurisdição constitucional não é
condicionada e nem pode ser excluída.
5. Tampouco
vinga a tese de inexigibilidade da oitiva da comunidade.
6. A
exigência está contida nos arts. 180, II e 191, da Constituição Estadual, e se
impõe nos projetos de lei do plano diretor, de zoneamento e de parcelamento,
uso e ocupação do solo urbano, bem como em suas alterações, premissa que se
infere em homenagem ao princípio da simetria (ou paralelismo) das formas.
7. Ademais,
a Constituição Estadual sequer empreende ressalva a respeito.
8. Também
não procede a assertiva de que essa participação comunitária, regulada ou não
na legislaçãomunicipal, foi observada com a oitiva de órgão do Poder Executivo,
o Conselho Municipal da Cidade.
9. Conforme
observado na petição inicial, e não refutado nas informações, esse órgão
apreciou anteprojeto de lei em momento anterior à ignição do competente
processo legislativo – exarando, inclusive, proposta contrária (fls. 03, 05).
10. Este
colendo Órgão Especial já teve a oportunidade de analisar o assunto, estimando
a necessidade de participação comunitária no processo legislativo, como exposto
na inicial (fls. 06/07), sobretudo para evitar revisões ou alterações tópicas
ou pontuais que molestam o planejamento ou a qualidade de vida.Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).
“ação
direta de inconstitucionalidade– lei
complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo
submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo
que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado
ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade
declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).
11. A
democracia participativa prevista nos parâmetros alcança a elaboração da lei
antes e durante o trâmite de seu processo legislativo até o estágio final de
sua produção.
12. Ademais,
orienta-se este egrégio Pretório pela indispensabilidade de planejamento
técnico:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar n° 294/05 do Município de Catanduva - Alteração de Zoneamento Urbano - Identificação de lotes que passam a ter característica comercial, em zona estritamente residencial – Inadmissibilidade - Vício de inconstitucionalidade, por motivo de vedada delegação de poder em matéria de reserva legal. Ação julgada procedente.” (ADI 148.671-0/1-00, rel. des. Walter Swensson, j. 23.01.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).
13. Opino pela procedência da ação.
São Paulo,
22 de junho de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj