Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0519657.22.2010 (990.10.519657-8)

Requerente: Prefeito do Município de Rosana

Objeto: Resolução n. 16/2010, do Município de Rosana

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Resolução n. 16/2010, que “dispõe sobre a criação do ‘Espaço do Cidadão’ nas dependências da Câmara Municipal de Rosana”. Preliminar. Ato dotado de generalidade e abstração. Sujeição ao controle concentrado de constitucionalidade. Mérito. Alegação, não acolhida, de que a norma viola o princípio da separação dos Poderes (art. 5º, CE), por conferir à vereança funções que são próprias do Poder Executivo. Ausência de previsão, na espécie, de atos de gestão ou atividades executivas. Instrumento que aprimora a relação do parlamento com a comunidade e, em consequência, a colaboração que a Câmara Municipal pode exercer perante o Prefeito. Considerações sobre o modelo federal. Parecer pela constitucionalidade da Resolução.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito do Município de Rosana, tendo por objeto a Resolução n. 16/2010, que “dispõe sobre a criação do ‘Espaço do Cidadão’ nas dependências da Câmara Municipal de Rosana”.

O autor, depois de tecer críticas sobre a redação do ato normativo, sustenta que a norma é violadora do art. 5º da Constituição do Estado[1], porque confere à Vereança funções que são próprias do Poder Executivo.

A Resolução teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 93).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 97/138. Argui a inadequação da via eleita, argumentando que a Resolução, da qual emanam efeitos concretos, não se sujeita a controle concentrado de constitucionalidade. No mérito, pugna pela improcedência. Afirma que o ato normativo decorre da competência inerente à Câmara Municipal de dispor sobre sua organização e funcionamento, negando, ademais, a usurpação das funções administrativas.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 146/147).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

A Resolução atacada não é “lei de efeitos concretos”, sujeitando-se, portanto, ao controle concentrado de constitucionalidade.

Por “lei de efeitos concretos” entende-se o ato normativo despido de generalidade e abstração, como os que possuem destinatários certos e impedem a repetição das condutas prescritas. São verdadeiros atos administrativos, embora, sob o aspecto formal, se apresentem como leis.

Essas características não foram identificadas na Resolução em estudo, que cria serviço na Câmara Municipal e regula, de forma genérica, o seu funcionamento.

Desse modo, a preliminar articulada pelo chefe do Poder Legislativo não deve ser acolhida.

Mérito

O ato normativo impugnado tem a seguinte redação:

“CÂMARA MUNICIPAL DE ROSANA

RESOLUÇÃO N. 16/2010

Dispõe sobre a criação do espaço cidadão nas dependências da Câmara Municipal de Rosana.

O Presidente da Câmara Municipal de Rosana, Estado de São Paulo, FAZ SABER que, na 17ª (décima sétima) Sessão Ordinária da 5ª (quinta) Legislatura - Exercício de 2010, a Câmara Municipal aprovou e ele, consoante o art. 45, inc. V, da L.O.M., PROMULGA o seguinte DECRETO LEGISLATIVO.

Artigo 1º - Fica autorizada a criação do espaço cidadão nas dependências da Câmara Municipal de Rosana para atendimento ao público em geral.

Artigo 2º - O serviço será desenvolvido no prédio anexo à Câmara Municipal, que conta com três salas de atendimento, copa e cozinha, banheiros e espaço de espera.

Artigo 3º - Os serviços a serem desenvolvidos serão o de atendimento ao público, que compreenderá no encaminhamento e auxílio a setores públicos em que o cidadão tiver necessidade de acesso.

Artigo 4º - Os serviços compreenderão ainda em orientação ao cidadão que tenha problemas relacionados ao interesse público.

Artigo 5º - Funcionará juntamente com esse serviço o de comunicação social, que compreenderá em confecção de boletim informativo, jornal, atualização da página oficial na internet da Câmara, elaboração de WEB TV, dentre outras atividades correlatas.

Artigo 6º - Em razão da falta de profissional especializado para a realização dos serviços previstos no artigo anterior, fica autorizada a sua terceirização.

Artigo 7º - Os vereadores terão um espaço que garantirá o atendimento ao público em geral.

Artigo 8º - Fica autorizada a instalação de equipamentos para auxiliar o trabalho dos vereadores.

Artigo 9º - Será fornecido aos vereadores equipamento de informática com acesso à internet para facilitar a interação dos serviços de comunicação social.

Artigo 10 – Os bens móveis e imóveis para o funcionamento do espaço cidadão serão reaproveitados dos existentes na Câmara Municipal de Rosana.

Artigo 11 – Os serviços ficarão sob a supervisão da diretoria da Câmara e a orientação sob a responsabilidade do departamento de administração.

Artigo 12 – O custo para implantação do novo serviço será custeado com o orçamento vigente.

Artigo 13 – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário.

Sala das Sessões, em 20 de Outubro de 2010.

PEDRO FERREIRA DA SILVA – Presidente”

Sua edição, a meu ver, não configura a alegada violação ao princípio da separação dos poderes.

Como se sabe, no nosso sistema constitucional, compete à Câmara Municipal compor sua mesa diretiva, elaborar seu regimento e organizar seus próprios serviços.

Esses serviços devem ser criados por Resolução, com dispensa da sanção do Prefeito, por se inserir no âmbito da competência exclusiva da Câmara Municipal, por simetria, aliás, ao que dispõe a Constituição da República quando cuida do Poder Legislativo Federal (art. 48, c.c. os arts. 51, IV e 52, XIII).

A Resolução em análise está dispondo sobre assunto interna corporis, reservando espaço no prédio da Câmara Municipal para atendimento ao público, que compreenderá “no encaminhamento e auxílio a setores públicos em que o cidadão tiver a necessidade de acesso”.

Não há, no serviço concebido, previsão de realização de atividades executivas, hipótese em que teríamos a cogitada violação do princípio da separação dos poderes.

A norma em análise pode parecer estranha, a princípio, porque o atendimento ao público não concretiza a função precípua da Câmara Municipal, que é a de produzir leis.

Nem por isso está configurada a quebra do princípio da separação de poderes, posto que a Resolução não prevê qualquer ato de gestão da Prefeitura. Da leitura do ato normativo não se infere usurpação de funções privativas do Administrador, caso em que teríamos o desrespeito à relação de independência e harmonia entre os poderes, de que trata o art. 5º da Constituição Estadual.

Não se deve perder de mira, ademais, que o parlamento desempenha, além da função legislativa e fiscalizatória (realçadas no art. 29, XI, CF), a “de assessoramento ao Executivo local e a administração de seus serviços” (Hely Lopes Meirelles, Direito municipal brasileiro, 16ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 617).

O assessoramento da Câmara ao prefeito se dá através de indicações aprovadas pelo plenário. Referidas indicações não vinculam o Executivo, funcionando como lembretes, que não se confundem com a interferência de um poder em outro. Cuida-se de “função de colaboração da Edilidade para o bom governo local, apontando medidas e soluções administrativas muitas vezes não percebidas pelo Executivo, mas pressentidas pelo Legislativo como de alto interesse para a comunidade” (Hely Lopes Meirelles, Direito municipal brasileiro, 16ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 623).

Nesse sentir, penso que a instituição do “atendimento ao público” pelo Poder Legislativo Municipal nada tem de inconstitucional e pode, no mundo fático, aprimorar essa atividade de colaboração que a Câmara exerce perante o Prefeito.

Nem se perca de vista que, no plano federal, as Casas Legislativas dispõem de órgãos direcionados para o atendimento ao público, nos quais, talvez, tenha se inspirado o legislador rosanense.

A Câmara dos Deputados, por exemplo, mantém a sua Secretaria de Comunicação Social, com atribuições para propagar notícias corporativas, através de TV, rádio, jornal e internet. O mesmo órgão cuida do “atendimento ao público”, inclusive por meio de telefone (0800-619619) e da internet, e trata da visitação institucional.

Iniciativas como essa, desde que não desvirtuadas, concretizam a participação democrática na gestão pública ou o direito que todos têm de receber informações de seu interesse dos órgãos públicos (art. 5º, XXXIII, CF), ajustando-se, assim, aos ditames constitucionais.

Diante do exposto, opino pela improcedência desta ação direta, por entender que a Resolução n. 16/2010, do Município de Rosana, é constitucional.

 

São Paulo, 6 de junho de 2011.

                                    

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp



[1] Também foram indicados parâmetros de controle situados na Constituição Federal, em leis federais e na Lei Orgânica do Município. Referidos parâmetros não são válidos para os fins do art. 125, § 2º, da CF, daí porque foram desprezados.