Parecer
Autos nº. 0520010-62/2010 (990.10.520010-9)
Requerente: Prefeito Municipal de Caraguatatuba
Objeto: Art. 14, I e II, da Lei Complementar nº 17, de 22 de dezembro de 2005, do Município de Caraguatatuba
Ementa: Ação direta de
inconstitucionalidade. Art. 14, I e II, da Lei Complementar nº 17, de 22 de
dezembro de 2005, do Município de Caraguatatuba. Possibilidade de serem deduzidos da base de
cálculo do ISSQN incidente sobre serviços de construção civil os valores
relativos aos materiais fornecidos pelo prestador de serviços e o valor das
subempreitadas já tributadas pelo imposto. Dispositivo legal que atende aos
ditames da Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003 e do
Decreto-Lei n. 406/08. Ausência de
constatação de inconstitucionalidade. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Jacareí, tendo por objeto o art. 14, I e II, da Lei Complementar nº 17, de 22 de dezembro de 2005, daquele município, que “dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza- ISSQN e dá outras providências”.
O dispositivo legal impugnado prevê a possibilidade de serem deduzidos da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços de construção civil os valores relativos aos materiais fornecidos pelo prestador e o valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto.
Sustenta o autor que referido dispositivo legal padece de inconstitucionalidade por ter invadido a esfera de competência da União, na medida em que a Lei Complementar n. 116/03, ao dispor sobre o ISS, deixou de contemplar a dedução do valor das subempreitadas na base de cálculo do imposto.
Ademais, uma vez que na Lei Complementar n. 116/03 não há nenhuma restrição à não incidência dos serviços prestados nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa, não compete à Lei Municipal estabelecer tal dedução, ainda que se considere a competência municipal para estabelecer regras específicas em matéria fiscal.
Por tais razões, houve afronta aos artigos 156 e 146, III, "a" da Carta da República e, consequentemente, à Constituição Bandeirante, por força do disposto em seu art. 144.
O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 74 v°).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 84/85).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A presente ação direta deve ser julgada improcedente.
Com efeito, o art. 14, I e II, da Lei Complementar n.
17, de 22 de dezembro de 2005, do Município de Caraguatatuba, apresenta a
seguinte redação:
“Art. 14 – Não se incluem na base de cálculo do
Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I- o valor dos materiais incorporados à obra,
fornecidos pelo prestador de serviços previstos nos termos dos subitens 7.02 e
7.05 do Anexo I desta lei complementar;
II- o valor das subempreitadas já tributadas
pelo Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza nos serviços previstos nos
subitens 7.02 e 7.05 do Anexo I desta lei complementar, mediante comprovação do
efetivo recolhimento, exceto quando os serviços referentes às subempreitadas
forem prestadas por profissional autônomo.”
De acordo com o art. 156, III, da Constituição
Federal, compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer
natureza definidos em lei complementar, desde que não sejam abrangidos pela
incidência do ICMS.
Cabe à lei complementar, também, regular a forma e as
condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais.
Com a promulgação da Constituição Federal, o Decreto
Lei n. 406/68 foi recepcionado com o status
de lei complementar, definindo as normas gerais aplicáveis ao ISS até a entrada
em vigor da Lei Complementar n. 116/2003, que atualmente disciplina a matéria.
O § 2º e o inciso I do art. 7º da Lei n. 116/2003,
estabelecem:
“Art. 7º
§2º - Não se incluem na base de cálculo do
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I- o valor dos materiais fornecidos pelo
prestador de serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços
anexa a esta Lei Complementar;
II – (Vetado)”.
7.02 – Execução, por administração, empreitada
ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de
outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação,
drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e
montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação
dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de
edifícios, estradas, pontes, portos e côngeneres (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local de prestação
dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).”
Apesar do inciso II do § 2º do art. 7º da Lei
Complementar n. 116/03 ter sido vetado, tal não surtiu nenhum efeito jurídico.
Isto porque, o art. 9º, § 2º, alíneas “a” e “b”, do
Decreto Lei 406/68 continuam em vigor, na medida em que a Lei Complementar n.
116/2003 não revogou a matéria que trata da dedução dos valores das subempreitadas
já tributadas, por não dispor de outra forma.
Observe-se que o art. 9, § 2º, do Decreto Lei n.
406/68, assim dispõe:
“Art. 9º - A base de cálculo do imposto é o
preço do serviço.
§2º - Na prestação dos serviços a que se
referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço
deduzido das parcelas correspondentes:
a) ao valor dos materiais fornecidos pelo
prestador dos serviços;
b) ao valor das subempreiteiras já tributadas
pelo imposto.
19. Execução por administração, empreitada,
subempreitada de construção civil de obras hidráulicas e outras semelhantes,
inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de
mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação
dos serviços que ficam sujeitas ao ICMS.
20. Demolição, conservação e reparação de
edifícios (inclusive elevadores neles instalados), estradas, pontes e
congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos
serviços, fora do local da prestação de serviços, que ficam sujeitas ao ICMS).”
Em que pese a jurisprudência colacionada na inicial, o Egrégio Supremo Tribunal Federal tem reconhecido de forma pacífica que os materiais fornecidos não integram a base de cálculo do ISS, pois, como já foi reconhecido no Recurso Extraordinário 116.121/SP, o serviço envolve uma prestação de fazer, um esforço humano fora do conceito de materiais.
Nesse sentido decisão em sede de Recurso Extraordinário:
“DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE
SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. ART. 9º, §2º ,
ALÍNEA B, DO DECRETO-LEI N. 406/68: RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
PRECEDENTES REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. DESNECESSIDADE DE
EXAME. ART. 323,§1º, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACÓRDÃO
RECORRIDO DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL.
RECURSO PROVIDO. Relatório. 1. Recurso extraordinário interposto com base no
art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte
julgado do Superior Tribunal de Justiça: “ISS. BASE DE CÁLCULO. VALORES
REFERENTES AOS MATERIAIS UTILIZADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE
SUBTRAÇÃO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. ANÁLISE PELO STF. I- Consoante
jurisprudência dessa Corte, as empresas do ramo da construção civil são
contribuintes do ISS, pelo que não se admite subtrair da base de cálculo do
tributo o montante referente ás subempreitadas e aos materiais utilizados pelas
construtoras. Precedentes: REsp n° 911.159/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE de
27/11/08; REsp n° 828.879/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 31/08/06;
REsp n° 779.515/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 03/08/06 e REsp n°
577.356/MG, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 30/05/04. II- A verificação da
existência de suposta violação a preceitos não pode ser realizada por esta Corte, competindo essa
análise exclusivamente ao Pretório Excelso, sendo vedado ao STJ fazê-la, mesmo
para fins de prequestionamento. Precedente: EAREsp nº 464.559/SP, Rel. Min.
DENISE ARRUDA, DJ DE 02/08/04. III – Agravo regimental improvido” (fl. 267).
Feitas essas considerações, conclui-se que o disposto
no art. 14, I e II, da Lei Complementar n. 17, de 22 de dezembro de 2005, do
Município de Caraguatatuba, que possibilita a dedução da base de cálculo do ISSQN
incidente sobre serviços de construção civil dos valores relativos aos
materiais fornecidos pelo prestador e do valor das subempreitadas já tributadas
pelo imposto, não padece de inconstitucionalidade, até porque simplesmente
tratou de reproduzir o disposto no inciso I do § 2º do art. 7º da Lei
Complementar n. 116/2003 e nas alíneas “a” e “b” do § 2º do art. 9º do Decreto
Lei n. 406/68.
Necessário recordar que, de conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição” (g.n.).
Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.
A mesma ideia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos” (g.n.).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação.
São Paulo, 23 de maio de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb