Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0553123-07-2010 (990.10.553123.7)

Requerente: Prefeito do Município de Marília

Objeto: Leis nº 5.730/04 e nº 6.880/08, do Município de Marília 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, das Leis n. 5.730/04 e n. 6.880/08, do Município de Marília, que instituem o “Diário Oficial”. Projetos da vereança. Criação de órgão na Administração incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesa, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos arts. 5º; 25; 47, II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto as Leis n. 5.730/04 e n. 6.880/08, do Município de Marília.

O autor sustenta que as leis em questão decorrem de projetos de Vereador.

A Lei n. 5.730/04 “autorizou” o Poder Executivo a criar o Diário Oficial do Município. O ato normativo foi alterado pela Lei n. 6.880/08, criando-se, efetivamente, o Diário Oficial, com determinação ao Executivo para elaborar, no prazo de 90 (noventa) dias, o projeto de lei dispondo sobre a matéria.

O Alcaide afirma que as leis em análise são contrárias ao item 2 do § 2º do art. 24 e ao inciso XIX, alínea “a”, do art. 47 da Constituição do Estado, dos quais decorre a iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo para a elaboração das leis referentes à organização e funcionamento da Administração. Divisa, ainda, ofensa ao princípio da separação dos Poderes.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 80/81).

O Presidente da Câmara Municipal, embora notificado, deixou de prestar informações sobre o processo legislativo, certificando-se nos autos o decurso do prazo (fls. 85).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

As leis impugnadas são, de fato, inconstitucionais.

Como se sabe, o processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes (cf. Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 675).

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República (cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.

As leis impugnadas originaram-se de projetos assinados por Vereadores, o que se constitui clara ofensa à Constituição do Estado, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – órgãos da Administração e obrigações (e despesas) para outros já existentes (art. 47, inc. II, da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Pela Lei nº 5.730/04, o Poder Executivo foi “autorizado” a criar o Diário Oficial do Município (art. 1º).

Essa “autorização” equivale a verdadeira intromissão da Câmara Municipal na gestão administrativa, dado que "a lei que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo portanto inconstitucional" (TJRS, ADIN n°593099377, rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 7/8/00).

A lei também dispôs sobre as hipóteses em que as publicações deveriam ser feitas na íntegra ou de forma resumida. Tratou de vedações e da divulgação de campanhas educativas pelo órgão oficial. Previu, ao final, a distribuição “gratuita” para determinados órgãos, gerando, à evidência, despesas não previstas em Orçamento.

Com a Lei n. 6.880/08, os arts. 1º e 11 da Lei n. 5.730/04 foram alterados, de forma a se impor ao Poder Executivo – agora de modo explícito – a criação do Diário Oficial, pelo encaminhamento de projeto de lei à Câmara Municipal no prazo de 90 (noventa) dias.  

Com isso, o Legislador invadiu seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige ela que projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a criação do Diário Oficial e, especialmente, o disposto no artigo 6º, geram despesas para o Erário Municipal, de responsabilidade do Prefeito. E a lei, como se vê, não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade das Leis n. 5.730/04 e 6.880/08, do Município de Marília.

 

São Paulo, 3 de junho de 2011.

                                    

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp