Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 0565399-70-2010 (990.10.565399-5)

Autor: Prefeito do Município de Marília

Objeto: Lei n. 6.190, de 14 de janeiro de 2005, do Município de Marília.

 

 

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada por Prefeito Municipal em face da Lei n. 6.190, de 14 de janeiro de 2005, do Município de Marília, que “autoriza o Chefe do Poder executivo a celebrar convênios com as Associações de Bairros de Marília, devidamente reconhecidas de utilidade pública municipal, para o repasse anual de recursos financeiros a cada entidade, destinados à manutenção de suas instalações” (sic). Iniciativa parlamentar. Violação do Princípio da Separação dos Poderes. Atos normativos que invadem a esfera de gestão administrativa (art. 5º, 47, II e XIV, da CE). Parecer pela procedência da ação.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

 

 

A presente ação direta foi ajuizada para sindicar a Lei n. 6.190, de 14 de janeiro de 2005, que “autoriza o Chefe do Poder Executivo a celebrar convênios com as Associações de Bairros de Marília, devidamente reconhecidas de utilidade pública municipal, para o repasse anual de recursos financeiros a cada entidade, destinados à manutenção de suas instalações” (sic).

 Segundo a inicial, a lei impugnada é inconstitucional porque contraria o princípio da separação dos poderes tendo como corolário deste a iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo quanto à organização e funcionamento da administração municipal, instituindo serviços que refletem diretamente na atuação dos serviços da administração municipal.

Aponta como violados o item 2 do § 2º, do art. 24 e o inciso XIX, letra “a” do art. 47, da Constituição do Estado de São Paulo.

A Presidência da Câmara Municipal foi devidamente notificada, mas deixou de prestar informações a fls. 70.

É o breve relato.

Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição do Estado, para defender o ato normativo questionado na ação direta.

Superada a preliminar, passa-se ao exame do mérito.

A Lei n. 6.190, de 14 de janeiro de 2005, do Município de Marília, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal autorizo a celebrar convênios com as Associações de Bairros de Marília, devidamente reconhecidas de utilidade pública municipal, para o repasse anual de recursos financeiros à cada entidade, no valor de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais), destinados à manutenção de suas instalações, a serem transferidos em 12 (doze) parcelas mensais de R$ 600,00 (seiscentos reais), a partir da publicação desta Lei.

Art. 2º - A forma do repasse dos recursos financeiros e a respectiva prestação de contas serão definidas no convênio, pelo Chefe do Poder Executivo.

Art.3º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º- As disposições em contrário ficam revogadas”.

 

          A lei, de iniciativa parlamentar, estabelece conduta a ser cumprida pela Administração Pública, prevendo a celebração de convênios entre o Poder Executivo Municipal e as Associações de Bairros de Marília, devidamente reconhecidas de utilidade pública municipal, bem como o valor para o repasse anual de recursos financeiros à cada entidade.

         Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º e no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

 

 

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O legislador municipal, na hipótese analisada, criou obrigações de cunho administrativo para a Administração Pública local, além de retirar-lhe a discricionariedade na gestão administrativa do Município.

Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando quea Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara   estabelece   regra  para a Administração; a Prefeitura a executa,

                                                                                                       convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).

 

           

            Não bastasse o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art. 25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.

Diante do exposto, opino pela procedência da presente ação, para que se declare a inconstitucionalidade da Lei n. 6.190, de 14 de janeiro de 2005, do Município de Marília.

 

São Paulo, 17 de maio de 2011.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-geral de Justiça

Jurídico

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