Parecer
Autos nº. 0587649-97.2010.8.26.0000
Requerente: Mesa Diretora da Câmara Municipal de Rosana
Objeto: inconstitucionalidade da expressão “advogado”, contida na redação do § 1º do art. 8º da Lei Municipal nº 361/97, do Município de Rosana
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Mesa Diretora da Câmara Municipal de Rosana. Alegada acumulação de cargos por advogados do Município, com violação ao art. 115, inc. XVIII, da Constituição Estadual. Acumulação de cargos não verificada. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Mesa Diretora da Câmara
Municipal de Rosana, tendo por objeto a expressão “advogado” contida na redação
do § 1º do art. 8º da Lei Municipal nº 361/97, do Município de Rosana.
A
autora alega que a impugnada norma cria espaço para que os advogados do
município exerçam acumulação de cargos, com infringência ao art. 115, XVIII, da
Constituição Estadual.
O
pedido de liminar foi indeferido (fls. 63).
O Prefeito
Municipal prestou informações (fls. 77/84), em defesa da norma impugnada,
aduzindo a inocorrência da apontada acumulação.
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 74/75).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A parte
impugnada da Lei nº 361/97 do Município de Rosana assim dispõe:
“Art. 8º (...)
§ 1º - Fica permitida a contratação de médicos, dentistas e
advogados para jornada de trabalho de até 08 (oito) horas diárias.”
Com
tal redação, entendeu a requerente que os advogados, que até então eram
contratados para jornada de 04 (quatro) horas, ao exercerem a jornada de 08
(oito) horas, passaram a acumular dois cargos de advogado.
No
entanto, tal entendimento não procede.
Ocorre
que a norma impugnada tão somente permitiu a contratação de servidores para
jornada de trabalho de oito horas, quando antes era de quatro.
Disso
não é lícita a conclusão de que o servidor, contratado para jornada de oito
horas, estará cumulando dois cargos de idênticas atribuições.
Mesmo
que a jornada seja duplicada, não acarretará a acumulação de cargos. O cargo é o mesmo, no caso de advogado, com
jornada aumentada.
Nem
se diga que a Administração não poderia aumentar ou até dobrar a jornada de
trabalho.
Os entes políticos têm autonomia para instituir o regime jurídico de seus servidores e, por critérios de conveniência e oportunidade, alterá-los.
Os servidores públicos, aliás, não têm direito adquirido sobre o regime jurídico vigente ao tempo da nomeação, consoante pacífica jurisprudência do STF:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte se consolidou no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. O vínculo entre o servidor e a Administração é de direito público, definido em lei, sendo inviável invocar esse postulado para tornar imutável o regime jurídico, ao contrário do que ocorre com vínculos de natureza contratual, de direito privado, este sim protegido contra modificações posteriores da lei. 2. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 287261/MG, Relatora Minª. ELLEN GRACIE. Julgado em 28/06/2005)
Desse modo, desde que o Legislador observe o limite constitucional (art. 7º, inc. XIII c.c. o art. 39, § 3º), nada obsta que aumente, como aconteceu no ato normativo em estudo, a carga horária semanal de determinado cargo, no caso de advogado, sem que isso acarrete a alegada acumulação.
Por fim, no caso em exame, da simples leitura da
norma impugnada, não se pode afirmar a sua inconstitucionalidade.
Em casos assim, mostrar-se-ia adequado investigar no
plano da aplicação concreta da norma, se estaria ou não havendo
acumulação de cargos, efetivamente.
Se a avaliação necessária depende do exame de
questões de fato, então o melhor caminho seria o controle difuso da
constitucionalidade da lei.
Isso decorre do entendimento que tem prevalecido na
doutrina e na jurisprudência, no sentido de que no processo objetivo a única
avaliação admissível é aquela referente à questão de direito, no confronto
direto entre a lei e o texto constitucional.
No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada.
Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato (v.g. conveniência ou não da solução adotada pelo legislador, partindo de premissas situadas no contexto fático) não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).
A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita
pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF:
“A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de
instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na
Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o
exame ‘in
abstracto’ do ato estatal impugnado seja
realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do
texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode
e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia
análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a
partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o
reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-
Aqui, mais uma vez, torna-se necessário, como premissa para a solução da hipótese apresentada, apreciar o problema sob adequada perspectiva: deve-se levar em conta o papel que o ordenamento jurídico pátrio reserva à ação direta de inconstitucionalidade, como mecanismo de controle da compatibilidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais com relação à Constituição.
A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.
No processo objetivo a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídica (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional). Em relação a ela, a aferição de fatos pode figurar, apenas, como um dado adstrito ao problema de prognose da aplicação da norma no plano concreto. Não se passa, entretanto, do exame da norma para o exame do fato.
Este é o adequado sentido para a compreensão do que foi afirmado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, juntamente com Ives Gandra da Silva Martins, em sede doutrinária, no sentido da admissão, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, da “verificação de fatos e prognoses legislativos” (Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 281).
Em outras palavras, não se pode confundir exame de fatos do processo legislativo, ou a análise de prognose sobre fatos relativos à aplicação futura da norma com o exame de quaestionis facti (fatos controversos).
Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).
Tal linha de raciocínio afasta, assim, a viabilidade de realização de prova pericial ou testemunhal, no curso da ação direta de inconstitucionalidade, para fins de aferição das funções efetivamente realizadas pelos ocupantes de determinados cargos. A cognição a realizar para a resposta a tais indagações extravasaria do simples confronto entre a lei e a Constituição.
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta.
São Paulo, 27 de julho de
2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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