AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº 148.321-0/5-00
Requerente: Prefeito
Municipal de Itapetininga
Objeto: Lei
Municipal nº 5.137, de 13 de abril de 2007, de Itapetininga
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator.
O Prefeito Municipal de Itapetininga pede a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.137, de 13 de abril
de 2007, que “dispõe sobre a abertura de
crédito adicional suplementar na dotação orçamentária da Câmara Municipal de
Itapetininga, no valor que especifica, e dá outras providências”. Segundo a
inicial, a Lei em questão afronta os artigos 5º, §§ 1º e 2º; 25 e seu parágrafo
único; 47, XVII; e174, §§ 2º e 6º e 176, I, da Constituição Estadual, porque subtrai
do Prefeito atribuições que lhe são privativas.
Presentes
os requisitos do fumus boni iuris
e do periculum in mora, a liminar foi
deferida (fls. 78/80).
Notificado, o Presidente da Câmara de
Vereadores de Itapetininga apresentou suas informações, dizendo tratar-se de
projeto de lei de iniciativa e aprovada por um grupo de vereadores aos quais
foi determinado o afastamento das funções, por ordem judicial (fls. 44/45). A
Procuradoria Geral do Estado não manifestou interesse no feito (fls. 92/94).
Em síntese, é o que consta dos autos.
Como se sabe, as funções de governo municipal
são divididas, incumbindo à Câmara as legislativas e ao prefeito as executivas.
Mas entre ambos não há qualquer subordinação administrativa ou política,
existindo, na verdade, entrosamento de funções e de atividades político-administrativas.
Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes,
princípio constitucional extensivo ao governo local (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito
Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 427 e 508). Em sua função
normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas
abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem
diferente da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração.
Ou seja, a Câmara edita normas gerais,
o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes (ob. cit., p. 429).
Em verdade, a lei aprovada constitui ato
concreto de administração, quer dizer, é lei apenas em sentido formal, pois não
encerra o conteúdo de uma norma abstrata ou teórica, instituída em caráter
permanente e de generalidade. As leis formais não se mostram regras jurídicas,
mas meros atos administrativos dos
poderes legislativos, indicando-se decisões particulares, tais como a lei orçamentária, as leis de autorização
ou as leis que concedem favores especiais a determinadas pessoas. São leis que
atendem a casos particulares, de natureza
por vezes executiva, ou reguladoras de situações especiais. São leis
impróprias (Cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Forense, Rio de
Janeiro, Vol. III, 1984, p. 67).
Tratando-se de ato de efeitos concretos, a
norma em exame só seria formalmente válida se o processo legislativo tivesse
sido desencadeado pelo Prefeito, não por iniciativa parlamentar, tal como se deu
neste caso. Isto porque, já se viu, compete ao Legislativo a edição de normas
gerais e abstratas e ao Executivo a prática de atos concretos de administração,
sendo vedado à Câmara chegar a prática administrativa. Em outras palavras, a
existência de leis meramente formais no ordenamento jurídico em vigor é
inquestionável. Contudo, a sua validade jurídico-normativa é condicionada à
observância de certas formalidades, dentre as quais, vale destacar, a
observância do princípio da iniciativa reservada instituído em favor do
Prefeito, quando o ato a ser praticado
situe-se na esfera de competência dessa autoridade executiva. Não há,
porém, considerando-se os argumentos acima reproduzidos, como incluir no rol
dos poderes implícitos da Câmara a competência para editar leis formais,
desvestidas dos atributos de generalidade e abstração, tampouco estender esses
poderes sobre área de atuação exclusiva do Poder Executivo, a quem compete a
gerência do Município, dentro daquilo que fixado na lei orçamentária. Essa a
razão pela qual a iniciativa da lei orçamentária é exclusiva do Executivo,
aliás, como já anotado na decisão que deferiu o pedido de liminar.
Parece-me evidente que a matéria sobre a qual
a Lei incidiu é própria da Administração Municipal, gerida com independência
pelo Prefeito, dependente da lei orçamentária aprovada. Quando a lei veicula
medida específica a ser adotada pela própria Câmara Municipal, alterando as
rubricas orçamentárias anteriormente aprovadas, acaba por interferir na
organização da administração, constituindo indevida ingerência na atuação do
Prefeito.
Também
deve ser dito que a Constituição Estadual é expressa em atribuir ao Chefe do
Executivo a iniciativa de lei orçamentária, como determina o artigo 174 e seus
parágrafos. No caso em exame, por iniciativa de vereador, a lei orçamentária
foi modificada, tornando-a inconstitucional também por essa razão.
Finalmente,
nesse diapasão, nota-se que a Câmara de Vereadores de Itapetininga editou lei modificando
o orçamento anteriormente aprovado. Com isso, subtraiu do Chefe do Executivo o
exercício de funções governamentais privativas. Desatendida esta exclusividade,
o vício de iniciativa aparece com força suficiente para opor a Lei ao artigo
5º, da Constituição do Estado de São Paulo, que consagra o princípio da
independência e harmonia entre os Poderes.
Também
deixou a lei inquinada de indicar os recursos disponíveis, para fazer frente à
nova destinação das verbas, obviamente por considerar que de outras rubricas
foram retirados os recursos necessários à abertura de crédito adicional,
infringindo o art. 25 da Constituição Estadual.
Com estes argumentos, pronuncio-me pela
procedência do pedido, confirmando-se a liminar deferida, no sentido da
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.137, de 13 de
abril de 2007, de Itapetininga, de Ribeirão Preto, adotando-se as medidas necessárias à
suspensão de sua eficácia.
São Paulo, 5 de maio de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
Procurador de Justiça,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça