Requerente: Prefeito Municipal de Franca
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator,
Trata-se
de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Franca, visando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei 6.388, de 8 de agosto de 2005, do mesmo Município,
que “Cria o Programa Municipal de Proximidade, que garante transporte de
familiares para visita a adolescentes internados em unidades privativas de liberdade”.
O
pedido liminar foi deferido, consoante demonstra a decisão de fl. 210. Citado,
o Procurador-Geral do Estado não enfrentou o mérito da demanda, por versar
matéria de interesse local (fls. 223/225). A Câmara Municipal prestou
informações às fls. 227/234, na qual afirma ser incabível o controle
concentrado entre lei municipal e a Constituição Federal. No mérito, pleiteou a
improcedência do pedido.
É
o relato do necessário.
A
matéria preliminar merece ser rejeitada. Realmente, o sistema constitucional
não permite se faça o controle concentrado de normas municipais diretamente com
a Constituição da República – art. 125, § 2º. No caso em exame isso não está
ocorrendo.
Segundo
consta da inicial, o requerente alega haver crise de constitucionalidade entre
a legislação local e a Constituição Estadual – fl. 04. Logo, não há qualquer
irregularidade que esteja a impedir o julgamento do mérito da presente demanda.
Pelo contrário, a postulação encontra-se em plena consonância com o sistema de
controle direto de normas, tal como prevê os arts. 125, § 2º, da CF e 74, VI,
da CE.
No
mérito, o pedido merece ser julgado procedente.
Segundo
constou da vestibular, referida lei originou-se de projeto de autoria
parlamentar. Após ser aprovado pela Câmara Municipal, o mesmo foi encaminhado
ao Prefeito que o vetou. Porém, esse veto foi derrubado na Câmara Municipal, e a
promulgação foi levada a termo pelo Vereador-Presidente.
Ocorre
que, o gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é
competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e
recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração
pública. Assim sendo, por inserir vício
de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da
Constituição do Estado de São Paulo.
Através
dessa legislação foi criado o “Programa Municipal de Proximidade”, com o
objetivo de garantir o transporte de familiares para visita a adolescentes
internados em unidades privativas da liberdade (art. 1º). Além disso, o
legislador definiu atribuições a órgãos municipais (§§ 1º e 2º do art. 1º).
Trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja
gestão é de competência do Executivo.
Sobre
esse tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de
administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara.
Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à
conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços
públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e
privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para
prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições
inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua
aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa,
sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do
prefeito.”[1]
Além
disso, a Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto no artigo 24,
§ 2º, números 1 e 2, da Constituição do Estado de São Paulo, que diz o
seguinte:
“artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a
qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado,
ao Tribunal de Justiça, ao Procurador Geral de Justiça e aos cidadãos, na
forma e nos casos previstos nesta Constituição.
..........................................................................................
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a
iniciativa das leis que disponham sobre:
1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
2- criação e extinção
das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o
disposto no artigo 47, XIX.”
Trata-se
de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de
observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da
Constituição do Estado.
Com
efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo
legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada
mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo
órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre
esses mesmos órgãos.[2]
E
o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma
repetida da Constituição Federal – arts. 61, § 1º, II, a e e) prevê que, na
edição de leis que tratem da criação de Secretarias Municipais e órgãos na
administração direta, incluídas suas funções, a matéria é privativa do chefe do
Poder Executivo. Isso porque, sendo o tema referente à administração pública, é
importante que a ele se reserve a iniciativa de normas que tratem do assunto.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o
aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a
decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou
de seu interesse preponderante.”[3]
Desatendida
essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a
inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa, como leciona Hely Lopes
Meirelles que se “a Câmara, desatendendo
à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre
tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas
e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o
Legislativo as exerça”[4]
Resta
dizer que este Egrégio Tribunal de Justiça, na ADI nº 152.965-0/8-00, da
relatoria do eminente Desembargador PENTEADO NAVARRO, julgada em 5 de
março de 2008, assim decidiu:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº. 6.509/06 do
Município de Franca, dispondo sobre a criação do Programa ‘Férias Ativas’, a
ser desenvolvido no período de recesso escolar e de férias nas escolas
municipais. Norma de iniciativa parlamentar. Matéria relativa à organização
administrativa e execução de serviços públicos. Atribuição exclusiva do
Prefeito. Juízo de oportunidade e conveniência. Despesas não previstas. Ofensa
ao princípio da separação de poderes. Ação julgada procedente.”
Concluo,
pois, pela afronta aos arts. 5º; 24, § 2º, 1, 2; 47, II e 144, da Constituição
Bandeirante.
Nestes
termos, rejeitada a matéria preliminar suscitada pela Câmara de Vereadores, opino
pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei 6.388/05,
do Município de Franca.
São Paulo, 14
de abril de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
Procurador de Justiça,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça