AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Processo nº 152.959.0/0-00

Requerente: Prefeito Municipal de Franca

Objeto: Lei nº 6.388, de 8 de agosto de 2005

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

 

 

                                                         Trata-se de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Franca, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei 6.388, de 8 de agosto de 2005, do mesmo Município, que “Cria o Programa Municipal de Proximidade, que garante transporte de familiares para visita a adolescentes internados em unidades privativas de liberdade”.

 

                                                         O pedido liminar foi deferido, consoante demonstra a decisão de fl. 210. Citado, o Procurador-Geral do Estado não enfrentou o mérito da demanda, por versar matéria de interesse local (fls. 223/225). A Câmara Municipal prestou informações às fls. 227/234, na qual afirma ser incabível o controle concentrado entre lei municipal e a Constituição Federal. No mérito, pleiteou a improcedência do pedido.

 

                                                         É o relato do necessário.

                                                          

                                                         A matéria preliminar merece ser rejeitada. Realmente, o sistema constitucional não permite se faça o controle concentrado de normas municipais diretamente com a Constituição da República – art. 125, § 2º. No caso em exame isso não está ocorrendo.

 

                                                         Segundo consta da inicial, o requerente alega haver crise de constitucionalidade entre a legislação local e a Constituição Estadual – fl. 04. Logo, não há qualquer irregularidade que esteja a impedir o julgamento do mérito da presente demanda. Pelo contrário, a postulação encontra-se em plena consonância com o sistema de controle direto de normas, tal como prevê os arts. 125, § 2º, da CF e 74, VI, da CE.

 

                                                         No mérito, o pedido merece ser julgado procedente.

 

                                                         Segundo constou da vestibular, referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar. Após ser aprovado pela Câmara Municipal, o mesmo foi encaminhado ao Prefeito que o vetou. Porém, esse veto foi derrubado na Câmara Municipal, e a promulgação foi levada a termo pelo Vereador-Presidente.                                                                                                                   

                                                         Ocorre que, o gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                                         Através dessa legislação foi criado o “Programa Municipal de Proximidade”, com o objetivo de garantir o transporte de familiares para visita a adolescentes internados em unidades privativas da liberdade (art. 1º). Além disso, o legislador definiu atribuições a órgãos municipais (§§ 1º e 2º do art. 1º). Trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência do Executivo.

 

                                                         Sobre esse tema ensina Hely Lopes Meirelles:

“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[1]

                                                        

                                                         Além disso, a Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto no artigo 24, § 2º, números 1 e 2, da Constituição do Estado de São Paulo, que diz o seguinte:

artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma  e nos casos previstos nesta Constituição.

..........................................................................................

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

2-  criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no artigo 47, XIX.”

 

                                                         Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado.

 

                                                         Com efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos.[2]

 

                                                         E o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma repetida da Constituição Federal – arts. 61, § 1º, II, a e e) prevê que, na edição de leis que tratem da criação de Secretarias Municipais e órgãos na administração direta, incluídas suas funções, a matéria é privativa do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo o tema referente à administração pública, é importante que a ele se reserve a iniciativa de normas que tratem do assunto. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante.”[3]

 

                                                         Desatendida essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa, como leciona Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça[4]

 

                                                         Resta dizer que este Egrégio Tribunal de Justiça, na ADI nº 152.965-0/8-00, da relatoria do eminente Desembargador PENTEADO NAVARRO, julgada em 5 de março de 2008, assim decidiu:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº. 6.509/06 do Município de Franca, dispondo sobre a criação do Programa ‘Férias Ativas’, a ser desenvolvido no período de recesso escolar e de férias nas escolas municipais. Norma de iniciativa parlamentar. Matéria relativa à organização administrativa e execução de serviços públicos. Atribuição exclusiva do Prefeito. Juízo de oportunidade e conveniência. Despesas não previstas. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação julgada procedente.”

 

                                                         Concluo, pois, pela afronta aos arts. 5º; 24, § 2º, 1, 2; 47, II e 144, da Constituição Bandeirante.

 

                                                         Nestes termos, rejeitada a matéria preliminar suscitada pela Câmara de Vereadores, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei 6.388/05, do Município de Franca.

São Paulo, 14 de abril de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

Procurador de Justiça,

no exercício de função delegada pelo

Procurador-Geral de Justiça



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 9ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, pág 519.

[2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva, 1997, pág. 111.

[3] Op. cit. pág. 204.

[4]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 7ª ed, São Paulo: Malheiros, 1990, pág. 544.