Ação Direta de Inconstitucionalidade

(Parecer do Ministério Público Estadual)

Processo n.º 155.886-0/9-00

Requerente: Prefeito Municipal de Buritama

Objeto de impugnação: Arts. 119,I;120;334;335, I, II, III, IV; 336 e parágrafo único; 337;338 e parágrafo único; 339 e parágrafo único; 360, I, II; 361, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e, parágrafo único; 362, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, a,b,c,d,e,f,g,h, IX, X, XI, XII, XIII, 363 e parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Buritama.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

                1.- Cuida-se de ação proposta pelo Prefeito Municipal de Vargem Grande  Paulista na qual se questiona a validade jurídico-constitucional dos Arts.  119,I;120;334;335, I, II, III, IV; 336 e parágrafo único; 337;338 e parágrafo único; 339 e parágrafo único; 360, I, II; 361, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e, parágrafo único; 362, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, a,b,c,d,e,f,g,h, IX, X, XI, XII, XIII, 363 e parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Buritama,  em face do art. 49 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Sustenta o requerente, em resumo, que os dispositivos legais impugnados, ao dispor que a Câmara Municipal poderá disciplinar ou mesmo fixar os crimes de responsabilidade e as infrações político administrativas, seu processo e julgamento dos Prefeitos e Vereadores, afrontou o artigo da Constituição Estadual referido e, principalmente  imiscuiu-se a legislar sobre matéria de competência exclusiva da União, a teor dos arts. 15, caput, 22, I e XIII e 24, XI, da Constituição Federal. 2.- Ao despachar a inicial, o Excelentíssimo Desembargador Relator suspendeu liminarmente, com efeito ‘ex nunc’, a vigência e a eficácia apenas do art. 337 e dos incisos V e VII do art. 362, do Regimento Interno da Câmara dos Vereadores de Buritama, até o final julgamento desta ação (fls.131/132). 3.- Notificada, a Câmara de Vereadores do Município de Buritama, interpôs embargos de declaração, em face da decisão de fls. 131/132, (fls. 137/140) os quais foram rejeitados,fls. 151. 4.- O Senhor Procurador Geral do Estado, apesar de citado, não manifestou interesse na presente ação, fls. 161/163.

 

                             Em resumo, é o que consta nos autos.

 

                E a presente ação deverá ser julgada procedente,  para a suspensão definitiva dos  efeitos dos dispositivos legais mencionados na inicial, do Regimento Interno do Município de Buritama.

 

                 O objeto preponderante a ser analisado no  caso presente não é a interferência ilegítima do Legislativo local na esfera de atribuições de outro Poder; antes, indaga-se se é possível aos Municípios definir hipóteses de infrações político-administrativas de seus Prefeitos e estabelecer o procedimento segundo o qual as sanções devem ser apuradas e aplicadas.

 

             A resposta é imediata: os Municípios não dispõem de competência para legislar sobre essa matéria, que é privativa da União (Constituição Federal, artigos 15, caput, 22, I e XIII, e 24, XI), incumbindo-lhe tão somente observar as prescrições emanadas no Decreto-Lei nº 201/67, recepcionado pela nova ordem constitucional.  Foi assim que assentou, em mais de uma ocasião, o Supremo Tribunal Federal (HC n.° 69.850-6/RS, DJ 27.5.94, HC n° 70.671-PI, j. em 13.4.1994, DJU de 19.5.1994, p. 13.993, apud Tito Costa, em Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, São Paulo, RT, 1998, p. 30).

 

             Na mesma linha, José Nilo de Castro preleciona que os crimes de responsabilidade dos Prefeitos, que não são ilícitos penais, mas infrações político-administrativas –e não apenas administrativas–, não podem ser tratados na revelação primária –nem secundária–, pelas Câmaras Municipais, nem pelas Assembléias Legislativas, como o não são, tratando-se da responsabilização de Governadores, e, sim, pela União, porque se cogita de sanção, de punição, de pena que é política, que se adstringe e tem a ver com a cidadania, e não sanção administrativa atípica, que tem a ver com os servidores públicos, sua atividade própria, de que trata o Direito Administrativo. De direito político (aquisição, suspensão, perda, seu exercício), como da cidadania, é que a questão aqui cogita e sobre esta matéria só a União pode legislar (artigos 15, caput, e 22, 1, XIII, da Constituição Federal). Falece, conseqüentemente, ao Município poder constitucional decorrente, diversamente do que se verifica com os Estados federados. A autonomia do Município é limitada, ante a supremacia tanto do Estado quanto e sobretudo da União(cf. Direito Municipal Positivo, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 359).

 

              É possível afirmar, com segurança, que compete privativamente à União legislar sobre direito penal e processual (artigo 22, inciso I, CF). E embora não especifique a Carta Magna (artigos 21 e 22) a competência da União para legislar sobre infrações político-administrativas, o constituinte define genericamente os crimes de responsabilidade do Presidente da República, remetendo para posterior lei especial –de competência da União– a definição específica destes crimes e o estabelecimento de normas de processo e julgamento (artigo 85, incisos I a VII, e parágrafo único).

 

             A Constituição do Estado de São Paulo também prevê exemplificativamente crimes de responsabilidade do Governador, dispondo que a definição desses crimes, assim como o seu processo e julgamento, serão estabelecidos em lei especial (artigo 48, incisos I a VII, e parágrafo único).

 

              Por outro lado, a responsabilidade dos Prefeitos Municipais está disciplinada pelo Decreto-lei n° 201, de 27 de fevereiro de 1967, diploma complexo em cujo conteúdo se integram normas de Direito Penal de Direito Processual e que a Constituição Federal recepcionou (assim decidiu esse Colendo Tribunal de Justiça, como em RT 611/353, RJTJSP 98/411, como o Supremo Tribunal Federal, em  RTJ 153/592).

 

             No âmbito do Decreto-lei n° 201/67, o delito de responsabilidade dos Prefeitos perdeu a natureza de infração político-administrativa para conceituar-se como autêntico ilícito penal. Este aspecto aparece claro na decisão da Suprema Corte acima transcrita, em que se destaca que os verdadeiros crimes de responsabilidade são aqueles previstos no artigo 4° do Decreto-lei n° 201/67.  Assim também: o art. 1º, do DL 201/67 tipifica crimes comuns ou funcionais praticados por Prefeitos Municipais, ainda que impropriamente nomeados como “crimes de responsabilidade”, e são julgados pelo Poder Judiciário. Revisão da jurisprudência do STF, a partir do julgamento do HC 70.671-1-PI. O art.4° do mesmo Decreto-lei refere-se ao que denomina expressamente de “infrações político-administrativas”, também chamadas de “crimes de responsabilidade” ou “crimes políticos”, e são julgadas pela Câmara dos Vereadores: nada mais é do que o impeachment. O art. 29, X, da Constituição (redação da EC 1/92) determina o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; ao assim dizer, está se referindo, apenas, aos crimes comuns e derroga, em parte, o art. 2°, do DL 201/67, que atribuía esta competência ao juiz singular (STF, HC, Rel. Min. Maurício Corrêa, RT 726/586).

 

             Em resumo, a tipificação destes delitos é de competência da União. Exercida esta tarefa legislativa pelo Município, a inconstitucionalidade do ato normativo é inafastável, por afronta aos artigos 48, parágrafo único, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, a despeito de suspensa liminarmente a eficácia do art. 48, por decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Adin n. 2.220-2 – Relatora a Ministra Ellen Grace.

            

             Esse mesmo Colendo Tribunal, em casos análogos, assim se pronunciou:

 

Vale ressaltar, consoante no-lo observa o douto parecer, que o poder constituinte decorrente, outorgado aos Estados Membros da Federação, não foi estendido aos Municípios, consoante os artigos 25 e 29 da Lei Magna. Por outro lado, a Constituição Federal deixou bem nítidos os contornos das autonomias estaduais e municipais, sendo que, quanto a estas últimas, devem estar elas conformadas, dentro dos princípios informadores oriundos da lei. Nessa ordem de idéias, a tipificação e o ordenamento das infrações político-administrativas, são matérias que se inserem na competência da União, vedado ao Município fazê-lo, como é o caso do diploma atacado, editado pela Câmara de Pirapozinho (ADIn n° 23.178-0/0, Rel. Des. Nélson Fonseca).

 

Ação direta de inconstitucionalidade - Artigos 64 e 65 da Lei Orgânica do Município de Americana e 245 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Americana - Tipificação de infrações político-administrativas que não é da competência do Município - Câmara Municipal que extravasou os limites de sua competência legislativa, a que, por força de lei, está adstrita, posto que o artigo 4° do Decreto-lei 201, recepcionado pela Constituição de 1988, cuida das infrações político-administrativas dos Prefeitos, sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato (ADIn n° 32.203-0/6, j.l 1.6.97, Rel. Des. Mohamed Amaro).

 

             É exatamente nestes termos que os Municípios não têm competência para definir infrações penais comuns ou de responsabilidade da autoridade executiva municipal e fixar regras peculiares ao seu processo e julgamento. Destarte, o Prefeito Municipal só pode ser processado por crime de responsabilidade (ou infração político-administrativa) previsto em lei federal, como se extrai dos artigos 85, parágrafo único, e 22, I, da Constituição Federal.

             Com os argumentos anteriores, verifica-se que o teor dos  dispositivos contestados demonstram a ocorrência de indevida invasão de competência substancial da esfera privativa da União pelo Município, o que aponta para a procedência desta ação.                                                      

                Em face do exposto, aguardo o julgamento de procedência desta ação direta - confirmando, assim, a liminar inicialmente deferida – a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos Arts. 119,I;120;334;335, I, II, III, IV; 336 e parágrafo único; 337;338 e parágrafo único; 339 e parágrafo único; 360, I, II; 361, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII e, parágrafo único; 362, I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, a,b,c,d,e,f,g,h, IX, X, XI, XII, XIII, 363 e parágrafo único, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Buritama,    por afronta aos arts. 144 e 297, da  Carta Política Bandeirante.

 

São Paulo, 24 de junho de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça