AÇÃO   DIRETA  DE  INCONSTITUCIONALIDADE  N.º  155.998-0/0-00

Requerente   :    Diretório Municipal do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB

Requerido     :    Presidente da Câmara Municipal de Pedrinhas Paulista

Objeto           :    Lei nº 657, de 23 de junho de 2007, do Município de Pedrinhas Paulista

 

 

Ementa: Lei municipal de iniciativa do Prefeito Municipal. Abertura de crédito adicional suplementar. Sessão extraordinária da Câmara Municipal aberta com a presença de 4 vereadores, quórum inferior a metade dos integrantes da Casa. Aprovação da lei ordinária na Sessão. Inconstitucionalidade formal reconhecida.

 

 

 

                                                         Des. PAULO TRAVAIN,

 

 

                                                         O Diretório Municipal do PMDB de Pedrinhas Paulista (fls. 22/24) propôs esta ação direta, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 657, de 23 de junho de 2007, do Município de Pedrinhas Paulista, ante patente vício formal, em contrariedade ao artigo 23 da Constituição Estadual, bem como artigos 41 e 43 da Lei Orgânica e 47 da Constituição Federal, isso porque no processo legislativo, particularmente em relação ao quorum, não foi obedecido o artigo 242, § 2º do Regimento Interno da Câmara Municipal de Pedrinhas Paulista.

 

                                                         Alega que a lei inquinada foi apresentada, discutida e votada em sessão extraordinária realizada em 19.7.07, cuja abertura se deu com apenas 4 dos 9 vereadores que compõe a Casa, juntada prova do alegado (fl. 44).

 

                                                         A liminar foi deferida (fl. 250), requisitando-se informações da Câmara Municipal. Determinou-se ainda a citação do Exmo. Sr. Procurador Geral do Estado.

 

                                                         A Câmara Municipal de Pedrinhas Paulista apresentou suas informações (fls. 256/280), alegando em preliminar a falta de interesse de agir pela perda do objeto ante a natureza da lei inquinada, a impossibilidade jurídica do pedido pela ausência de norma da Constituição Estadual a servir de paradigma, não servindo para tanto a norma da Constituição Federal ou norma municipal. Sustenta não ter sido desrespeitado o Regimento Interno da Câmara Municipal.

 

                                                         Finalmente, o Requerente apresenta fato novo, consistente na edição dos Decretos nºs. 770/07 (fls. 290/292) e 774/07 (fls. 293/295), fundados na Lei nº 657/2007, cujos efeitos foram suspensos pela liminar. Assim, diz que os decretos acabaram por remanejar verbas orçamentárias sem autorização legal, em desrespeito à decisão. Diz que inclusive foi remanejada pela via de decreto verba do FUNDEB, tudo visando dar cobertura aos gastos já efetuados com base na lei inquinada.

 

PRELIMINARMENTE

 

                                                         Embora determinado no despacho de fl. 250, até o momento não se efetivou a citação do Exmo. Sr. Procurador Geral do Estado, providência imprescindível ao deslinde da ação.

 

                                                         Além disso, entendemos necessário citar o Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Pedrinhas Paulista, não só porque é de sua iniciativa e sanção a lei cuja declaração de inconstitucionalidade se busca, mas também pela solução que proporemos abaixo em relação aos Decretos 770/07 e 774/07.

 

                                                         Ainda em preliminar, requeremos que a petição de fls. 285/288 seja recebida como aditamento da inicial, com a conseqüente cientificação da Câmara Municipal de Pedrinhas Paulista.

 

Sobre o pedido de extensão da liminar

 

                                                         De fato, o relatado pelo Requerente é de acentuada gravidade. Isso porque foram editados decretos que acabam por fazer aquilo que a lei ordinária cujos efeitos foram suspensos autorizava. Desse modo, mais do que abrir crédito suplementar por lei formalmente inconstitucional, houve remanejamento de verbas por decreto, justamente aquilo que se pretendia ver obstado pela suspensão liminar da Lei nº 657/2007.

 

                                                         Daí ser o caso de estender de imediato os efeitos da medida liminar, para alcançar o Decreto nº 770/07 e o Decreto nº 774/07, além das demais providências que abaixo elencamos.

 

                                                         Caso assim não seja entendido, requeremos que a petição de fls. 285/288 seja recebida com Reclamação, ante o patente descumprimento da liminar, procedendo-se da forma descrita no artigo 659 do Regimento Interno do E. Tribunal de Justiça.

 

Sobre as prejudiciais de mérito da Câmara

 

                                                         Sem prejuízo dessas providências, desde logo oferecemos parecer, considerando o tempo decorrido desde a propositura da ação.

 

                                                         Sobre a prejudicial de ausência superveniente do interesse de agir, entendemos não deva ser acolhida, pois o fato da lei esgotar seus efeitos temporais não quer dizer que seus efeitos jurídicos também tenham se esgotado.

 

                                                         Além disso, a edição dos Decretos nºs 770/07 e 774/07, revela que a questão não se esgota no encerramento do ano civil, como quer fazer crer a Câmara Municipal. Portanto, não há se falar em perda superveniente do interesse de agir, merecendo rejeição a preliminar.

 

                                                         No que diz respeito à impossibilidade jurídica do pedido, igualmente não vemos procedência. Isso porque se verdadeiro é que não se faz o controle da constitucionalidade de leis municipais sem paradigma na Constituição Estadual, não menos verdade é que no caso concreto há parâmetro sim na Carta Paulista, além das disposições da Constituição Federal e do Regimento Interno da Câmara Municipal, de modo ser possível juridicamente o pedido, como abaixo se verá.

 

Quanto ao mérito

 

                                                         No que diz respeito ao mérito, necessário dizer que a Constituição Estadual traz disposição expressa sobre o quorum mínimo para aprovação de leis, a exemplo do artigo 47 da Constituição Federal. Trata-se da seguinte norma:

“Artigo 10 – A Assembléia Legislativa funcionará em sessões públicas, presente, pelo menos, um quarto de seus membros.

§ 1º - Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações da Assembléia Legislativa e de suas Comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.”

 

                                                         Essa disposição estabelece o quorum mínimo para deliberações, salvo aquelas expressamente ressalvadas, como as leis complementares e emendas à própria Constituição, que não é o caso aqui tratado. A rigor, essa norma seria até desnecessária, pois inconcebível numa democracia aprovar lei sem que a maioria dos representantes do povo da Casa esteja presente. De toda forma, há previsão na Constituição Estadual e, de resto, também na Constituição Federal.

 

                                                         Obviamente que tal disposição, se por mais não fosse, é de observância cogente pelos municípios ante o disposto na Constituição Estadual:

“Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

 

                                                         Sendo assim, nenhuma lei municipal pode ser aprovada em sessão na qual não seja observado o quorum mínimo fixado na Constituição Estadual, motivo pelo qual é manifestamente inconstitucional a Lei Municipal nº 657/07, porquanto comprovado que aprovada em sessão aberta com a presença de apenas 4 dos 9 edis que compõe a Casa de Leis Municipal. A prova está na ata juntada à fls. 44/46, revelando a presença dos Vereadores: (1) Emerson da Cruz Souza, (2) Ana Maria Barbosa Gonçalves, (3) Antonio Marcos de Souza e (4) Sueli Aparecida de Souza Nardi. De resto, a própria Câmara Municipal não nega a presença de apenas 4 Edis.

 

                                                         Como muito bem ressaltado na ADIN nº. 149.362-0/9-00, relatada pelo Des. PENTEADO NAVARRO, julgada em 19 de dezembro de 2007:

“Em outras palavras, a Câmara não tem o privilégio de desatender impunemente à Constituição, às leis de organização do Município, às normas da Administração local e ao seu próprio regimento, transpondo os limites da legalidade.”

 

                                                         Portanto, há ofensa ao § 1º do artigo 10 e ao artigo 144, ambos da Carta Bandeirante.

 

                                                         Ressalte-se que regulamentando essa inconstitucional lei, foi expedido num primeiro momento o Decreto nº 749, de 23 de junho de 2007 (fls. 55/56), posteriormente revogado de modo expresso pelo Decreto nº 770, de 10 de dezembro de 2007. Óbvio que se já estavam suspensos os efeitos da lei inquinada, naturalmente o mesmo se observaria em relação ao primeiro decreto regulamentador.

 

                                                         Todavia, na esteira da primeira ilegalidade outra se cometeu, exigindo pronta reparação judicial. Trata-se dos Decretos nº 770, de 10 de dezembro de 2007, e nº 774, de 11 de dezembro de 2007, ambos do Município de Pedrinhas Paulista (fls. 290/295), merecendo a aplicação da declaração de inconstitucionalidade por arrastamento. É que o fundamento de validade dos decretos é justamente a suspensão dos efeitos da Lei nº 657, de 23 de julho de 2007, aliás, como expressamente está reconhecido na ementa do primeiro. Abrindo crédito suplementar no orçamento programa, nada mais fizeram os decretos que repetir o conteúdo da lei inquinada, agora de forma ainda mais grave porque mediante ato unilateral do Executivo, sem nenhuma participação dos representantes do povo.

 

                                                         Canotilho traz lição que, mutatis mutandi, se ajusta ao caso examinado:

“...está em saber se a invalidade da lei delegante implicará invalidade da lei delegada (fala-se aqui de invalidade conseqüencial ou sucessiva. O decreto-lei autorizado fundado sobre uma lei de autorização inconstitucional é também um acto legislativo inconstitucional, embora seja discutível se a declaração de inconstitucionalidade da lei de autorização opera automaticamente a invalidade do decreto-lei autorizado. Assim, se a lei de autorização é aprovada pela AR em reunião de comissão ou comissões parlamentares e não em plenáio, ou se a lei de delegação não fixa qualquer prazo para o exercício de autorização legislativa, o decreto-lei é afectado pelos vícios da inconstitucionalidade da lei delegante, Todavia, como se trata, apesar de tudo, de um acto legislativo autónomo, é necessária a declaração expressa da inconstitucio-nalidade do próprio decreto-lei autorizado.”[1]

 

                                                         No mesmo sentido está Jorge Miranda, para quem “...o decreto-lei ou decreto legislativo autorizado que então for emanado será também, conseqüentemente, inconstitucional.”[2] E segue o mesmo autor em outra passagem: “Assim como ele permite responder positivamente ao problema simétrico: chamado a apreciar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de uma norma que se funda noutra norma legal (por exemplo, a norma de um decreto-lei autorizado, o qual pressupõe lei de autorização), ele pode também apreciar esta segunda norma.[3]

 

                                                         Entre nós, Gilmar Ferreira Mendes defende a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento, fazendo-o nos seguintes termos:

“A dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos emq ue estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É o que a doutrina denomina de  declaração de inconstitucionalidade conseqüente ou por arrastamento.

Assim, mesmo diante do assentado entendimento de que o autor deve impugnar não apenas as partes inconstitucionais da lei, mas todo o sistema normativo no qual elas estejam inseridas, sob pena de a ação não ser conhecida, o Supremo Tribunal Federal tem flexibilizado o princípios do pedido para declarar a inconstitucio-nalidade por arrastamento de outros dispositivos em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispostivos inconstitucionais expressamente impugnados.”[4]

 

                                                         Com efeito, sendo julgado procedente o pedido desta ação, declarando-se inconstitucional a Lei nº 657/07, mister o reconhecimento da inconstitucionalidade do Decreto nº 770/07 e do Decreto nº 774/07, dado que fundados justamente na lei inquinada. É caso de “declaração consenqüencial ou por arrastamento (...) em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90” (conforme ADI 3645/PR, rel. Min. ELLEN GRACIE, julgada em 31/5/06, Tribunal Pleno, publicado no DJ de 01.09.06, pág. 16 e na LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, pág. 75-91).

 

                                                         Também neste Egrégio Tribunal de Justiça há precente sobre a matéria, conforme AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI n° 135 086-0/1-00, relatada pelo Des. JARBAS MAZZONI, julgada em 07 de novembro de 2007, nos seguintes termos:

“Evidente que o texto do inciso, conforme irrepreensível passagem do judicioso parecer da Procuradoria-Geral de Justiça – ora adotada como razões de decidir - "... é claramente indissociável dos dispositivos impugnados na petição inicial. A eliminação destes últimos do ordenamento jurídico, porém, não surtiria nenhum efeito, se permanecesse vigente este inciso XIV do art. 12, bastante, por si só, para que subsista a necessidade de prévia autorização da Câmara para celebração de todo e qualquer convênio ou consórcio. Para que a decisão proferida nesta ação direta alcance seus objetivos, é necessário estender seus efeitos à expressão posta em destaque.”

 

                                                         Como se nota, a doutrina e a jurisprudência são uníssonas em relação à possibilidade-necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por arrastamento, como é o caso sub exame.

 

                                                         Resta dizer que vislumbramos prática distanciada da lei, inclusive em relação ao FUNDEB, cujo regramento jurídico é específico, todavia, por cautela, aguardaremos o desfecho da causa para tomarmos providências outras que se fizerem necessárias, sem prejuízo da iniciativa dos requerentes.

 

                                                         Nessa linha de pensamento, o parecer é:

1) pela citação do Exmo. Sr. Procurador Geral do Estado;

2) pelo recebimento da petição de fls. 285/289 como emenda à inicial ou, alternativamente, como Reclamação;

2) pela citação do Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Pedrinhas Paulista;

3) pela cientificação da Câmara Municipal de Pedrinhas Paulista;

4) o deferimento da extensão da liminar concedida, para atingir o Decreto 770/07;

5) pela rejeição das matérias prejudiciais de mérito argüidas pela Câmara Municipal;

6) pela procedência do pedido, com o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº 657, de 23 de julho de 2007 e do Decreto nº 770, de 10 de dezembro de 2007, ambos de Pedrinhas Paulista, ante o disposto no § 1º do artigo 10 e artigo 144, ambos da Constituição Estadual.

São Paulo, 27 de abril de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça



[1] CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, pág. 868.

[2] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editores, 2004, tomo V, pág. 323.

[3] Op. cit., tomo VI, pág. 242.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 1183.