Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 156.145-0/5

Autor: Partido Progressista de Cordeirópolis-PP

Objeto de impugnação: Lei n.º 1.836, de 03 de maio de 1995, do Município de Corderópolis.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

                   Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Progressista de Cordeirópolis-PP contra a Lei n.º 1.836, de 03 de maio de 1995, daquele Município, que ‘Dispõe sobre o livre acesso dos Vereadores aos órgãos e repartições públicas’. A inicial menciona a violação do princípio da independência e harmonia entre os poderes, permitindo ademais, ao Chefe do executivo, nela se escudar para deixar de cumprir com sua obrigação constitucional e não responder de maneira completa boa parte dos requerimentos legislativos, notadamente quando estes pedem cópias de documentos.

 

                            Indeferida a liminar para a suspensão do ato normativo (fls. 55/57),  foi realizada a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, que declinou de defender o ato impugnado (fls. 65/67).

 

 

 

                   A norma em epígrafe apresenta o seguinte teor:

 

             Art. 1.º - No exercício de seu mandato, o Vereador terá livre acesso às repartições públicas municipais, podendo diligenciar pessoalmente junto aos órgãos da Administração Direta ou Indireta, devendo ser atendido pelos seus responsáveis na forma desta Lei.

 

    Art. 2.º - O Vereador poderá entrar, livremente, em qualquer dependência do órgão ou repartição pública, e terá acesso imediato a todo e qualquer documento, registro, processo administrativo, expediente e arquivo, que poderá examinar, vistoriar e copiar, no próprio local.

 

Art. 3.º - No caso do responsável não estar presente no momento da diligência, o Vereador deverá ser atendido por quem, respondendo pelo órgão, puder tornar viáveis os objetivos do Legislador.

 

Art. 4.º - A diligência pretendida pelo Vereador não poderá ser dificultada ou impedida em nenhuma hipótese, nem mesmo sob a alegação de ausência do responsável ou de outro servidor do órgão ou repartição.

 

Art. 5.º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 

                              Em resumo, é o que consta nos autos.

 

 

 

                   A Lei n.º 1.836/95, do Município de Cordeirópolis, é materialmente inconstitucional porque inexiste na ordem constitucional em vigor previsão de controle de atos peculiares à função executiva, pelo Legislativo, semelhante àquele que nela vem descrito. 

 

                   Como a fiscalização de atos do Executivo pelo Poder Legislativo tem repercussão direta no delicado sistema de relacionamento entre os Poderes, a  Constituição de 1988 tratou de definir o arquétipo a ser observado na organização municipal.  

 

                   Ocorre que, na atual Constituição, inexiste previsão de acesso imediato, em órgão ou repartição pública, a todo e qualquer documento, registro, processo administrativo, expediente e arquivo, tampouco autorização para examiná-los, vistoriá-los e copiá-los.

 

                   Na verdade, o poder de fiscalização da Câmara é exercido por intermédio de: pedidos de informação ao Prefeito, convocação de seus auxiliares diretos, investigação por comissão especial de inquérito e tomada e julgamento de contas da Administração.

 

                   Afora essas hipóteses, é defeso à Câmara instituir outros mecanismos de controle de atos do Executivo, nos moldes previstos na Lei n.º 1.836/95, que, como já se viu, não encontra parâmetro na Constituição. Daí a advertência de JOSE NILO DE CASTRO, verbis:       

   

             Não é, por outro lado, permitido à Câmara Municipal, poder detentor da função fundamental de fiscalização orçamentária, financeira, operacional e patrimonial do Município, ficar instituindo, aqui e alhures, mecanismos de controle outros que os previstos na Constituição Federal, reproduzidos na Estadual e inseridos na Lei Orgânica. Quer dizer: não se admite, e se repele, enfaticamente, porque o regime constitucional não elenca a hipótese, são os gestos e iniciativas da Câmara Municipal, com feição e perfil de permanente devassa, no Executivo, operada pelo Legislativo. Tanto o princípio da independência dos Poderes, quanto a sistemática do controle externo com a participação obrigatória do Tribunal de Contas ou Conselho de Contas Municipais.

                         .......................................

 

             Com efeito, nem os Estados-membros têm o poder de instituir outros mecanismos de controle da ação dos poderes no âmbito regional, e, com maior razão ainda os Municípios. Porquanto, não é despiciendo repetir a Constituição Federal é a sede própria em que se definem as atribuições fundamentais de cada poder e onde são delineados os instrumentos que se integram no sistema de freios e contrapesos, mediante o qual um poder limita a ação do outro (RDA 161/171).

 

             Porque não há regra paradigmária alguma a respeito, na Constituição da República, é que se revela à Câmara Municipal impossível juridicamente estabelecer outros mecanismos de fiscalização senão os já previstos na vigente ordem constitucional.” (‘Direito Municipal Positivo’, Del Rey, Belo Horizonte, 1991, pp. 97/98)

 

                  

 

 

                   Ademais, a prerrogativa conferida por essa lei aos Vereadores é inconciliável com o poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Executivo, que, como já teve a oportunidade de assentar o Supremo Tribunal Federal, ‘... é outorgado aos órgãos coletivos de cada Câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembléia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão." (ADI 3.046, rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, j. em 15/04/04, DJ de 28/05/04)

                    

                   Nessas circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade material da Lei n.º 1. 836, de 03 de maio de 1995, por ser ela incompatível com os arts. 5.º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

                  

 

                               São Paulo, 15 de maio de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça