AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
REQUERENTE:
PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT)
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Relator:
O Partido dos Trabalhadores (PT),
partido político com representação na Câmara Municipal de Araras, propôs esta
ação direta, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Resolução n.
01, de 12 de fevereiro de 2003, que acrescentou o parágrafo 3º ao art.162, da
Resolução n. 4, de 18 de dezembro de 1990 - Regimento Interno da Câmara Municipal
de Araras, ante patente vício
formal, em
contrariedade
ao artigo 21, V e 27, da Constituição Estadual, bem como o art. 74, caput
e parágrafo único, 83, 84, 97, 163,
175 e o inciso VII do art. 219 do Regimento Interno da Câmara Municipal
de Araras, , isso porque no processo legislativo da mencionada resolução, particularmente em
relação ao quorum, não foi obedecido o inciso VII do art. 219 do Regimento
Interno da Câmara Municipal de Araras, além do que o citado diploma legal, fere
a competência própria das Comissões Permanentes, mais propriamente dito, da
Comissão de Justiça e Redação, que tem por finalidade opinar sobre a legalidade
e constitucionalidade, sendo que esta deve ser ouvida sempre em primeiro lugar às
demais Comissões Permanentes, consoante art. 97 do Regimento Interno. Alega,
também, que a figura do “ante - projeto”
previsto na resolução impugnada não se enquadra no Regimento Interno,
consistindo usurpação de função, à prática de ato inerente à atividade legislativa,
qual seja, a apreciação de proposições legislativas, podendo arquivá-las, à
revelia das Comissões Permanentes e dos demais parlamentares, por parte do
Secretário Jurídico, cujo provimento do cargo é em comissão, através de
nomeação do chefe do Poder Executivo Municipal.
A
liminar foi indeferida (fl. 332/333), requisitando-se informações da Câmara
Municipal, a qual defendeu a constitucionalidade da resolução atacada, fls
346/354. Determinou-se ainda a citação do Exmo. Sr. Procurador Geral do Estado,
fls. 343.
1. Entendo que a ação
direta é
procedente.
A Câmara
Municipal de Araras houve bem por editar, na data de 12 de fevereiro de
2003, a Resolução n. 01, que acrescentou o § 3º ao art. 162, da Resolução n.
04, de 18 de dezembro de 1990 _ Regimento Interno da Câmara Municipal de
Araras.
Ocorre que mencionada resolução fere a
Constituição do Estado de São Paulo, bem como o Regimento Interno da
Câmara Municipal de Araras motivo pelo qual se faz necessária a declaração de
inconstitucionalidade desta.
Com efeito, dispõe a Resolução
n. 01, de 12 de fevereiro de 2003:
“Art.
1º - Acrescenta o §3º ao art. 162, do Regimento Interno com a seguinte redação:
§3º
- os projetos de lei, de Resolução e de Decreto Legislativo, serão apresentados
como ante-projeto, para análise da Secretaria Jurídica e, estando legal e
constitucional, terão prosseguimento regimental”
Art.
2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.”
O ato normativo imputa-se contrariedade aos
artigos 5.º, 21, 27 e 144 ,
da Constituição do Estado de São Paulo, bem como, dos art. 74, caput e parágrafo único, 83, 84, 95, caput e parágrafo único, 97, 98,
163, 175 e o inciso VII do art. 219 do
Regimento Interno da Câmara Municipal de Araras. A dicção de tais dispositivos
é a seguinte:
"Art.
5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Art.
21- O processo legislativo compreende a elaboração de:
(...)
V-
resolução;
Art.
27- O Regimento Interno da Assembléia Legislativa disciplinará os casos de
decreto legislativo e de resolução, cuja elaboração, redação, alteração e
consolidação, serão feitas com observância das mesmas normas técnicas relativas
às leis.
Art.
144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
Art.
74- Compete às Comissões de Justiça e Redação manifestar-se sobre todos os
assuntos entregues à sua apreciação, quanto ao seu aspecto constitucional,
legal e quanto ao seu aspecto gramatical e lógico, com conclusão de mérito.
Parágrafo
Único - A Comissão de Justiça e Redação emitirá parecer sobre todos os
processos que tramitarem pela Câmara, ressalvados a proposta orçamentária e o
parecer do Tribunal de Contas;
Art.
83 – Apresentado e recebido um projeto, será ele tido pelo Secretário, no
Expediente, ressalvado os casos previstos nesse Regimento, artigos 156, 173 e
§§;
Art.
84- Ao Presidente da Câmara compete, dentro do prazo improrrogável de 3 (três)
dias, a contar da data da leitura das proposições no Expediente, encaminhá-las
às Comissões Permanentes que, por sua natureza devam opinar sobre o assunto;
Art.
95 – Parecer é o pronunciamento da Comissão Permanente sobre qualquer matéria
sujeita ao seu estudo.
Parágrafo
Único - O parecer será escrito e constará de 3 (três) partes:
I-exposição
da matéria em exame;
II-
conclusão do relator:
a.
com sua opinião sobre a legalidade ou ilegalidade, a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade total ou parcial do projeto, se pertencer à Comissão de
Justiça e Redação.
b.
com sua opinião sobre a conveniência e oportunidade da aprovação ou rejeição
total ou parcial da matéria, se pertencer a alguma das demais Comissões.
III-
decisão da Comissão, com a assinatura dos membros que votaram a favor ou
contra, e o oferecimento, se for o caso de substitutivos ou emendas.
Art.
97- Concluindo a Comissão de Justiça e Redação pela ilegalidade ou
inconstitucionalidade de uma proposição, está será arquivada;
Art. 98 – A proposição que receber parecer
contrário, quanto ao mérito de todo as
Comissões Permanentes a que for distribuída, será tida como rejeitada;
Art.
163 – Todas as proposituras serão apresentadas e protocoladas na
Secretaria Administrativa, com a exceção
das emendas, substitutivos e pareceres;
Art.
175 – A Câmara exerce sua função Legislativa por meio de :
I-
Projetos de lei;
II-
Projetos de Decreto Legislativo;
III-
Projetos de Resolução;
(...)
Art.
219- Dependerão do voto favorável de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara:
(...)
VIII-
alteração e reforma do Regimento Interno;
Na
ordem constitucional vigente, os Municípios foram dotados de autonomia administrativa
e normativa - na conformidade dos arts. 18, 29, caput, e 30, I a VII, da
Constituição Federal, e do art. 144 da Constituição Paulista -, e podem
legislar sobre os assuntos que sejam de interesse local.
É bem de ver, contudo, que a autonomia
consagrada aos Municípios não se confunde com soberania, pois a própria
Constituição - que é a fonte da qual promana todo o poder estatal - impõe
limites a sua atuação, ao exigir obediência aos princípios estabelecidos nela
própria e na Constituição do respectivo Estado, conforme reza o seu art. 29, ‘verbis’:“O
Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício
mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na
Constituição do respectivo Estado...”.
Dentre os princípios constitucionais
estaduais cuja observância é obrigatória pelos Municípios inclui-se o da separação
dos poderes, estabelecido no art.5º e respectivo §1º da Constituição
Bandeirante, que prevê que os Poderes Executivo e Legislativo são independentes
e harmônicos entre si, bem como que é vedada a qualquer dos Poderes a delegação
de atribuições.
Referido princípio, no entanto, foi
violado, pela Resolução impugnada, na medida em que citado diploma legal não só
condicionou a apresentação inicial dos projetos de lei, de Resolução e de
Decreto Legislativo, na forma de ante- projeto, bem como, estabeleceu que a
análise inicial dos mesmos cabe a Secretaria Jurídica e, estando legal e
constitucional, terão prosseguimento regimental.
Como
se pode observar, referido diploma legal, não só possibilita à Secretaria
Jurídica a análise inicial dos projetos de lei, de Resolução e de Decreto
Legislativo, mas também, o arquivamento dos mesmos, caso a citada Secretaria
Jurídica, os julgue ilegal e inconstitucional.
O que fez o legislador, nesse
passo, foi atribuir função legislativa a
órgão do Poder Executivo e retirá-la do Poder Legislativo.
Note-se
que a Resolução questionada, além de criar a figura do ante- projeto que não é
prevista no Regimento Interno da Câmara Municipal de Araras, feriu a competência própria da Comissão de
Justiça e Redação, que tem por finalidade manifestar-se
sobre todos os assuntos entregues à sua apreciação quanto ao seu aspecto
constitucional, legal e quanto ao seu aspecto gramatical e lógico, com exclusão
do mérito, emitindo parecer sobre todos
os processos que tramitarem pela Câmara, ressalvados a proposta orçamentária e
o parecer do Tribunal de Contas (art. 74, caput
e parágrafo único) .
Observe-se,
também, caber a Comissão de Justiça e Redação o arquivamento de uma proposição,
quando esta concluir pela ilegalidade ou inconstitucionalidade da mesma. (art.
97 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Araras).
Não
pode o legislador delegar suas atribuições constitucionais ao administrador
público, nem o contrário. Cada qual tem sua própria esfera de atuação, sendo
que o plexo de competências que dela decorre, na sistemática constitucional, é
indelegável.
Ao
Legislador cabe editar leis. Ao Executivo cabe realizar a gestão
administrativa, o que se verifica por meio de atos de planejamento, direção, e
execução das atividades da Administração Municipal. Ultrapassados tais limites,
tem-se a invasão da esfera constitucional de competências de um poder por outro
É inteiramente aplicável, nesse
passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, para quem “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar.
Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra
para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal,
genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O
Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta
sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes,
princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante”. Sintetiza, ademais,
que “todo
ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda
deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do
Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito municipal
brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Descabe ao Legislativo tomar a
iniciativa de, por via de lei, interferir na administração ordinária do
Município, em face do modelo adotado pela Constituição Federal para a relação
entre os Poderes. Não há, nesse modelo,
previsão de autorização legislativa para que o Executivo pratique seus atos
bilaterais de administração ordinária,
que estão submetidos apenas ao controle externo da prestação anual de contas. E
essa regra se aplica tanto aos Estados-membros como aos Municípios, uma vez que
ela se insere nos fundamentos do princípio da separação entre os Poderes, que
são de observância obrigatória por todos os entes federados.
Exsurge,
assim, o primeiro vício de inconstitucionalidade da Resolução em tela, na medida em que revela-se
a interferência indevida do Poder Executivo em
atribuição da competência exclusiva do Legislativo.
Só pelo que foi apontado até agora, a Resolução
em tela já contém vício suficiente para justificar a sua exclusão do
ordenamento jurídico do Município de Araras.
Mas afora
isso, há outro vício a macular a Resolução em tela, como ser verá a seguir.
É
que a resolução impugnada que alterou o Regimento Interno, foi aprovada e promulgada, valendo-se de quorum comprovadamente inferior àquele
previsto, no inciso VIII do art. 219, do Regimento Interno( dois terços).
Isto
porque a votação do aludido Projeto de Resolução- Processo n. 478/02, que
resultou na Resolução combatida, obteve 10 (dez) votos favoráveis a 06 (seis)
votos contrários, contando a Câmara Municipal de Araras com 17 (dezessete)
Vereadores, não obteve o quorum de
2/3 (dois terços), determinado pelo dispositivo legal anteriormente mencionado.
Sendo
assim, nenhuma resolução pode ser aprovada em sessão na qual não seja observado
o quorum mínimono Regimento Interno da Câmara Municipal, motivo pelo qual,
também, é manifestamente inconstitucional a Resolução impugnada.
Como
muito bem ressaltado na ADIN nº. 149.362-0/9-00, relatada pelo Des. PENTEADO
NAVARRO, julgada em 19 de dezembro de 2007:
“Em outras palavras, a Câmara não tem o
privilégio de desatender impunemente à Constituição, às leis de organização do Município,
às normas da Administração local e ao seu próprio
regimento, transpondo os limites da legalidade.”
Isto
posto, pronuncio-me pela procedência do pedido, no sentido da declaração de
inconstitucionalidade da Resolução n. 01 de 12 de fevereiro de 2003, que
acrescentou o parágrafo 3º ao art. 162, da Resolução n. 04, de 18 de dezembro
de 1990 – Regimento Interno da Câmara Municipal de Araras, adotando-se as
medidas necessárias à suspensão de sua eficácia.
São
Paulo, 06 de maio de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
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