Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo n. 156. 787.0/4-00

 

Requerente:  Prefeito Municipal de Presidente Venceslau

Requerido  :   Presidente da Câmara Municipal de Presidente Venceslau

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

 

 

 

1.                    Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.604, de 08 de outubro de 2007, de Presidente Venceslau, que dispõe sobre a concessão de meia entrada aos estudantes matriculados regularmente em Instituições de Ensino fundamental, médio e superior das redes pública e/ou particular, em locais de diversão, de espetáculos teatrais, musicais e circenses, em casa de exibição cinematográfica, praças esportivas e similares das áreas de esporte, cultura e lazer, no Município de Presidente Venceslau.

 

                       Deferida a liminar (fls. 20), o Procurador-Geral do Estado se pronunciou a fls. 29/31, tendo o requerido deixado de prestar informações, fls. 33.

 

                       É a síntese necessária.

 

 

2.                    O pedido comporta acatamento.

 

                       O texto da espécie normativa impugnada é o seguinte:

 

“Art. 1º- Fica assegurado aos estudantes matriculados regularmente em Instituição de Ensino fundamental, médio e superior das redes pública e/ou particular, o pagamento de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em locais de diversão, de espetáculos teatrais, musicais e circenses, em casa de exibição cinematográfica, praças esportivas e similares das áreas de esporte, cultura e lazer, no município de Presidente Venceslau de conformidade da presente Lei.

 

Parágrafo único - Consideram-se casas de diversões, para efeito da presente lei, qualquer local que proporcione entretenimento e lazer.

 

Art.2º- Para benefício da presente Lei, os estudantes deverão apresentar documento de identificação estudantil expedido pelo correspondente estabelecimento de ensino e/ou pela associação estudantil e/ou pela agremiação estudantil a que pertençam.

 

§ 1º - É obrigatória a disponibilização de ingressos no valor de meia-entrada, no local do evento e em todos os postos de venda.

 

§2º - Na falta de ingresso de meia-entrada, o ingresso comum deverá ser colocado à venda no valor de meia-entrada, para os estudantes beneficiados pela presente Lei.

 

Art. 3º - O descumprimento desta Lei incidirá em multa de 100 (cem) UFMs aos responsáveis pelos eventos.

 

Art. 4º - Esta Lei deve ser afixada nos locais de vendas de ingresso dos eventos, bem como, na portaria de entrada em local visível para o conhecimento dos estudantes.

 

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

 

 

                        Como se vê, dita espécie normativa impõe aos empresários que atuam no ramo de cinemas, cineclubes, eventos esportivos, culturais, de diversão, espetáculos circenses, teatrais e musicais que passem a cobrar o correspondente a 50% (cinqüenta por cento) do valor normal dos ingressos, dos estudantes matriculados regularmente em Instituições de Ensino fundamental, médio e superior das redes pública e/ou particular, mediante a exibição de documento de identificação estudantil.

                      

                        A Constituição Federal, em capítulo dedicado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso, exige que a família, a sociedade e o Estado amparem as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade.

                       A uma primeira vista parece que a idéia do legislador de São Paulo caminhou nesse sentido, pois ao permitir que tais pessoas possam desfrutar daquelas atividades culturais, mediante o pagamento de metade do valor normal cobrado do público, inseriu-os em mais uma modalidade cultural e de lazer.

 

                       Contudo, o tema não pode ser tratado como mero interesse local.

                       A competência legislativa do município é suplementar à da União e dos Estados, consoante dispõe o artigo 30, I e II, da Carta Federal.

 

                       Sobre o tema, Alexandre de Moraes afirma que “a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local”.[1]

 

                       O exercício dessa competência legislativa tem fundamento no próprio artigo 24, IX, da Constituição Federal.

 

                       Aliás, em parecer da lavra do Dr. Geraldo Brindeiro, à época Procurador-Geral da República, ao enfrentar tema semelhante na Ação Direta de Inconstitucionalidade em curso perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de eliminar a Lei nº 7.844/92, do Estado de São Paulo, assim se posicionou:[2]

 

“Com efeito, vislumbra-se que a finalidade maior da norma em exame enquadra-se na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar sobre “educação, cultura, ensino e desporto”, disposta no inciso IX do art. 24 da Carta Magna, e não sobre direito econômico (art. 24, inciso I, CF), como pretende a impetrante, na medida em que o Estado de São Paulo não visa estabelecer qualquer mecanismo de tabelamento de preços uma vez que a sua fixação é absolutamente livre.

Além do mais, o que a norma impugnada faz, na verdade, atendendo plenamente à sua função social, é viabilizar o acesso de estudantes a eventos culturais, por meio de um desconto obrigatório, impondo-se, assim, um tratamento diferenciado ao estudante. Nesse contexto, o desconto a que se refere a lei paulista está voltado para a inclusão social do educando, o acesso às fontes de cultura, às manifestações desportivas e ao lazer, essenciais para o processo de formação do cidadão e desenvolvimento da cidadania.

Tem-se, assim, que inerente a esse direito à cultura reconhecido pela Constituição da República encontra-se o acesso às suas fontes, como observa o Ilustre Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 19ª edição, pág. 316).”[3]

 

                       Como se vê, o tema está intrinsecamente ligado à difusão da cultura. Consoante prevê o artigo 215, da Constituição Federal, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

 

                       E, nos termos do artigo 144, da Carta Paulista, os municípios têm autonomia legislativa, mas ficam compelidos a atender os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual.

 

                       Esse Colendo Órgão Especial tem reiteradamente aplicado tal dispositivo como suporte exclusivo e necessário para a eliminação de regras que hostilizam o texto fundamental federal.

 

                       Nesse sentido, caminhou decisão relatada pelo eminente Desembargador Oliveira Ribeiro, em parte aqui transcrita: “Além disso, é de se ver que em abono do propósito declaratório da inconstitucionalidade do artigo discrepante, a Constituição do Estado de São Paulo, sem repetir expressamente a fixação de ‘quorum’ de dois terços previsto na Constituição da República, não deixou de especificar o seu entendimento no sentido de impor observância desta exigência, fazendo-o com clareza posto que de modo indireto.                                                

 

                       Eis o texto do seu artigo 144: ‘Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.[4]

 

                       Em assim sendo, a lei examinada é inconstitucional, por afronta ao artigo 144, da Constituição Bandeirante.

 

3.                    Nestes termos,  opino pela procedência do pedido  para o fim de ser declarada inconstitucional a Lei  nº 2. 604, de 05 de novembro de 2007, do Município de Presidente Venceslau .    

 

                       São Paulo, 13 de abril de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes –

Procurador de Justiça no exercício

de função delegada pelo Procurador-Geral de Justiça

                                  

 



[1] Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 743

[2] Adin 1.950, rel. Min. Eros Grau, julgada improcedente em 14.11.2005, conforme informação obtida no site do STF em 12/4/06.

[3] Parecer do Procurador-Geral da República oferecido na Adin nº 1.950-3/600-SP, promovida pela Confederação Nacional do Comércio – CNC.

[4] Adin nº 097.085-0/1-00, Rel. Des. Oliveira Ribeiro, j. 10/3/2004.