Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Ação Direta de Inconstitucionalidade 156.895.0/7-00

Requerente: Sindbol – Sindicato das Associações de Futebol Profissional do Estado de São Paulo

Requeridos: Prefeito Municipal de São Paulo e Câmara Municipal de São Paulo

 

 

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 11.256/92 do Município de São Paulo.

Isenção a infantes e idosos do ingresso em jogos e competições realizados no Estádio Paulo Machado de Carvalho (‘Pacaembu’). Legitimidade ativa do sindicato de associações de futebol profissional.

Inexistência de indevida interferência estatal na órbita privada pela instituição de benefício social sem a necessária fonte de compensação, na medida em que a lei local legisla sobre o acesso gratuito de certa categoria de pessoas (infantes e idosos) em bem público de uso especial, integrante do patrimônio do Município, e utilizado pelos associados da entidade sindical autora em suas competições de acesso público.

Evidente exercício da autonomia municipal pela disciplina do uso e do acesso a bem público de uso especial, atendendo às prescrições constitucionais reservadas ao poder público no amparo e apoio à cultura, ao lazer e ao desporto”.

 

 

 

Egrégio Tribunal,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.       Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 11.256, de 06 de outubro de 1992, do Município de São Paulo, que isenta de pagamento de ingresso, no Estádio Paulo Machado de Carvalho, em jogos oficiais e amistosos, crianças abaixo de doze anos e adultos maiores de sessenta anos de idade por ofensa aos arts. 152, 157, 177, 217, 218, 259, 260, 262 a 267, 277, 278, III, e IV, da Constituição Estadual e ao art. 30, I e II, da Constituição Federal.

 

2.       A douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse na lide (fls. 244/246). O Prefeito de São Paulo alegou a improcedência da ação referindo-se a precedente (ADI 124.396-0/0) e argüiu ausência de conexão, impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade ativa (fls. 252/285). A Câmara Municipal secundou as preliminares e, no mérito, solicitou a improcedência da ação, merecendo destaque sua alegação de que a isenção concedida refere-se a estádio municipal (fls. 287/308).

 

3.       É o relatório.

 

4.       Filio-me ao entendimento exposto nas informações recusando a conexão porque, para além de sua impossibilidade em virtude de processos julgados (Súmula 235, Superior Tribunal de Justiça), a liturgia de processo objetivo de controle de constitucionalidade não se apropria integralmente dos institutos processuais ordinários de demandas subjetivas.

 

5.       Todavia, não assiste razão às preliminares argüidas. Não é possível acusar impossibilidade jurídica do pedido com base em prescrições normativas infraconstitucionais na medida em que o processo objetivo de controle de constitucionalidade põe em confronto norma infraconstitucional local e norma constitucional estadual. A solução desta lide não transita pela eventual análise de leis federais que eventualmente desautorizam a pretensão.

 

6.       No tocante à ilegitimidade ativa, a leitura do estatuto da entidade sindical revela que ela é um sindicato de associações desportivas (em termos mais prosaicos, um sindicato de clubes de futebol), e não uma associação de associações, e sua legitimidade é reconhecida por este colendo Tribunal (ADI 124.401-0/5-00, Rel. Des. Denser de Sá, v.u., 14-02-2007; ADI 124.402-0/0, Rel. Des. Denser de Sá, v.u., 25-10-2006) por ser entidade sindical de atuação estadual.

 

7.       E, no mérito, perfilho a orientação também exposta em precedente (ADI 124.396-0/0-00) analisado pela Procuradoria-Geral de Justiça, na medida em que naquele processo em que se discutia isenção a infantes e idosos instituída por lei do Município de Santo André em competições e jogos realizados em estádio administrado pela Municipalidade.

 

8.       Esse argumento fulmina o núcleo da tese suscitada pelo sindicato autor, consistente na indevida interferência estatal na órbita privada pela instituição de benefício social sem a necessária fonte de compensação, na medida em que a lei do Município de São Paulo questionada nesta sede legisla sobre o acesso gratuito de certa categoria de pessoas (infantes e idosos) em bem público de uso especial (o Estádio Paulo Machado de Carvalho, também conhecido como “Pacaembu”) integrante do patrimônio do Município e que é utilizado pelos associados da entidade sindical autora em suas competições de acesso público.

 

9.       Ora, tratando-se do evidente exercício da autonomia municipal pela disciplina do uso e do acesso a bem público de uso especial, afigura-se legítima a disposição normativa sob o ângulo material e formal, atendendo, no mais, às prescrições constitucionais reservadas ao poder público no amparo e apoio à cultura, ao lazer e ao desporto.

 

10.      Cuida-se da competência do município em legislar sobre preços ou tarifas públicas a serem praticadas no âmbito de seu território, sobre seus bens e serviços. Obviamente que os Municípios têm competência para legislar sobre o assunto preço ou tarifa pública, principalmente no que tange ao uso de seus bens. Ora, os arts. 23, V, e 30, I, III e VI, da Constituição Federal, permitem aos municípios tanto criar e arrecadar os tributos de sua competência, quanto na gestão administrativa e financeira dos bens, serviços e outras receitas e recursos públicos, fixar os preços públicos pertinentes admitidos por legislação específica. 

 

11.      Por outro lado, anote-se que o Supremo Tribunal Federal proclamou a constitucionalidade de lei estadual que confere benefício de cunho social em promoções culturais, artísticas, esportivas de natureza privada, conforme se verifica do seguinte aresto:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente” (RT 852/146).

 

12.      Face ao exposto, opino pela rejeição das preliminares e pela improcedência da ação.

 

         São Paulo, 08 de maio de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça