AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Processo nº 157. 410-0/2-00

Requerente: Prefeito do Município de Mauá

Objeto: Lei n. 3.928, de 09 de março de 2006, do Município de Mauá

 

Ementa: 1) Lei complementar n. 3.928, de 09 de março de 2006, do Município de Mauá, de iniciativa parlamentar que proíbe a emissão de alvará de funcionamento a estabelecimentos comerciais que explorem concomitantemente as atividades de mercado e abastecimento de combustíveis no Município de Mauá. 2). Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. 3)   Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. 4)  Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente,

 

 

                                               Trata-se de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Mauá, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 3.928, de 09 de março de 2006, do mesmo Município, que “Dispõe sobre a proibição de emissão de alvará de funcionamento a estabelecimentos comerciais que explorem concomitantemente as atividades de mercado e abastecimento de combustíveis no Município de Mauá e dá outras providências”.

 

 

                                               O pedido liminar foi deferido, consoante decisão de fl. 25. A Câmara Municipal prestou informações às fls. 49/53, e limitou-se a relatar as fases do processo legislativo que deu origem à legislação impugnada.

 

                                              Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato (fls.40/42).

 

                                               É o relato do necessário.

 

                                               O pedido comporta acatamento.

 

                                               Segundo consta, a referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar (vereador Paulo Eugênio Pereira Júnior). Encaminhado o respectivo autógrafo ao Prefeito, o mesmo opôs veto total. Porém, este acabou sendo derrubado pela Câmara Municipal, e o projeto foi promulgado por seu presidente.

                                               O gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar      a conveniência e oportunidade da administração pública. 

 

 

Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                               A legislação em exame determinou ao Executivo de que maneira deverá se conduzir no exercício do poder de polícia quando defrontar-se com estabelecimento comercial que explore concomitantemente as atividades de mercado e abastecimento de combustíveis. Trata-se, evidentemente, de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que atuará nesse campo com absoluta independência. A hipótese é de administração ordinária, que se encontra fora do âmbito de atuação do Legislativo, seja para fins de autorização, seja para a imposição de regras.

 

                                               Sobre isso, ensina Hely Lopes Meirelles:

 

                  “Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara.     Por  atos de administração ordinária

 

 

 

entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.  (em “Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).

 

                                               Importante destacar, que o poder de polícia administrativo deve ser exercido pela Administração toda vez que o exercício da atividade individual atuar em prejuízo da coletividade. Assim, o Executivo dispõe de meios até mesmo coercitivos, se o caso, para coibir tais abusos.

 

 

 

                                               Não se pode aceitar, porém que o Legislativo, a pretexto de regulamentar esse poder-dever da Administração interfira no exercício dessa atribuição.

 

                                               Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles afirmou: “O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a defesa nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito a Administração pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode restringir o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou se oponham aos objetivos permanentes da Nação.” (Direito Municipal cit., p. 336).

 

                                               Nesse sentido caminhou o parecer elaborado pela Diretoria Jurídica da Câmara de Vereadores de São José do Rio Preto, que alertando sobre a invasão na esfera de poderes do Executivo, afirmou: “É atribuição da Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto, no seu âmbito expedir, fiscalizar e cassar as licenças e autorizações concedidas no uso do

 

 

 

poder de polícia administrativa bem como ordenar e fazer executar diretamente as medidas restritivas de direito e aplicar as sanções correspondentes, autorizadas em lei ou regulamentos” (fl. 50).

 

                                               Além disso, como se verá, a Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto no artigo 24, § 2º, números 1 e 2, da Constituição do Estado de São Paulo, que diz o seguinte:

 

artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma  e nos casos previstos nesta Constituição.

..........................................................................................

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

 

 

 

1 –  criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

 

2-  criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;

                            3- ...........

4-”.

 

                                               Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado.

 

                                               Com efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações          recíprocas entre esses mesmos órgãos (cf. Manoel

 

 

 

Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp. 111/112).

 

                                               E o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem da criação de funções na administração direta ou na atribuição de tarefas às Secretarias Municipais, a iniciativa é privativa do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo a matéria referente à administração pública, é importante que a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob. cit., p. 204). 

 

                                               Desatendida essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos,       votar e aprovar leis sobre tais

 

 

 

 matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).

 

                                               Concluo, pois, pela afronta aos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, e 144, da Constituição Bandeirante.

 

                                               Nestes termos, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei n. 3.928, de 09 de março de 2006, do Município de Mauá.

 

São Paulo, 27 de novembro de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça