Requerente: Prefeito do
Município de Mauá
Ementa: 1) Lei complementar n.
3.928, de 09 de março de 2006, do Município de Mauá, de iniciativa parlamentar
que proíbe a emissão de alvará de funcionamento a estabelecimentos comerciais
que explorem concomitantemente as atividades de mercado e abastecimento de
combustíveis no Município de Mauá. 2).
Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito
Municipal. 3)
Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, e 144,
da Constituição do Estado de São Paulo. 4)
Inconstitucionalidade reconhecida.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente,
Trata-se
de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Mauá, visando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei n. 3.928, de 09 de março de 2006, do mesmo
Município, que “Dispõe sobre a proibição de emissão de alvará de funcionamento
a estabelecimentos comerciais que explorem concomitantemente as atividades de
mercado e abastecimento de combustíveis no Município de Mauá e dá outras
providências”.
O
pedido liminar foi deferido, consoante decisão de fl.
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato (fls.40/42).
É
o relato do necessário.
O
pedido comporta acatamento.
Segundo
consta, a referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar (vereador
Paulo Eugênio Pereira Júnior). Encaminhado o respectivo autógrafo ao Prefeito,
o mesmo opôs veto total. Porém, este acabou sendo derrubado pela Câmara
Municipal, e o projeto foi promulgado por seu presidente.
O
gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do
Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios
para avaliar a conveniência e oportunidade da administração
pública.
Assim
sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender
dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.
A
legislação em exame determinou ao Executivo de que maneira deverá se conduzir
no exercício do poder de polícia quando defrontar-se com estabelecimento
comercial que explore concomitantemente as atividades de mercado e
abastecimento de combustíveis. Trata-se, evidentemente, de matéria referente à
administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que
atuará nesse campo com absoluta independência. A hipótese é de administração
ordinária, que se encontra fora do âmbito de atuação do Legislativo, seja para
fins de autorização, seja para a imposição de regras.
Sobre
isso, ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária
independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária
entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação
ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e
privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para
prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições
inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua
aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa,
sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do
prefeito. (em “Direito Municipal
Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).
Importante
destacar, que o poder de polícia administrativo deve ser exercido pela Administração
toda vez que o exercício da atividade individual atuar em prejuízo da
coletividade. Assim, o Executivo dispõe de meios até mesmo coercitivos, se o
caso, para coibir tais abusos.
Não
se pode aceitar, porém que o Legislativo, a pretexto de regulamentar esse
poder-dever da Administração interfira no exercício dessa atribuição.
Sobre
o tema, Hely Lopes Meirelles afirmou: “O objeto
do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade
individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a defesa nacional,
exigindo, por isso mesmo, regulamentação,
controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito a Administração
pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução
de atividades, como pode restringir o uso de bens que afetem a coletividade em
geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou se oponham aos objetivos
permanentes da Nação.” (Direito Municipal cit., p. 336).
Nesse
sentido caminhou o parecer elaborado pela Diretoria Jurídica da Câmara de
Vereadores de São José do Rio Preto, que alertando sobre a invasão na esfera de
poderes do Executivo, afirmou: “É atribuição da Prefeitura Municipal de São
José do Rio Preto, no seu âmbito expedir, fiscalizar e cassar as licenças e autorizações
concedidas no uso do
poder
de polícia administrativa bem como ordenar e fazer executar diretamente as
medidas restritivas de direito e aplicar as sanções correspondentes,
autorizadas em lei ou regulamentos” (fl. 50).
Além
disso, como se verá, a Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto
no artigo 24, § 2º, números 1 e 2, da Constituição do Estado de São Paulo, que
diz o seguinte:
“artigo 24 - A
iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão
da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
..........................................................................................
§ 2º - Compete,
exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham
sobre:
1 – criação e extinção de cargos, funções ou
empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da
respectiva remuneração;
2- criação e extinção das Secretarias de Estado
e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;
3- ...........
4-”.
Trata-se
de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de
observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da
Constituição do Estado.
Com
efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo
legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada
mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo
órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (cf.
Manoel
Gonçalves
Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp. 111/112).
E
o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma
repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem da
criação de funções na administração direta ou na atribuição de tarefas às
Secretarias Municipais, a iniciativa é privativa do chefe do Poder Executivo.
Isso porque, sendo a matéria referente à administração pública, é importante
que a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria. Para Manoel
Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto
fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão
de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu
interesse preponderante” (ob. cit., p. 204).
Desatendida
essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a
inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso, ensinou Hely
Lopes Meirelles que se “a Câmara,
desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao
Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam,
nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o
Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas
funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs.
544/545).
Concluo,
pois, pela afronta aos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, e 144, da Constituição
Bandeirante.
Nestes
termos, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar
inconstitucional a Lei n. 3.928, de 09 de março de 2006, do Município de Mauá.
São Paulo, 27 de novembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça