Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 157.411.0/7-00

Autor: Prefeito Municipal de Mauá

Objeto de impugnação: Lei n. 3.931, de 09 de março de 2006.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Colendo Órgão Especial

 

 

O Prefeito Municipal de Mauá ajuizou a presente ação pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.931, de 09 de março de 2006, que concede isenção de IPTU aos imóveis localizados em vias ou logradouros públicos onde se realizam feiras-livres. O texto normativo, na integra, está reproduzido a fls. 26.

A causa de pedir consiste na iniciativa privativa do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo em se tratando de leis benéficas de natureza tributária, bem como no fato de ser inconstitucional lei de iniciativa da Câmara Municipal que diminui receitas e aumenta despesas sem a indicação da forma de custeio.

Farta jurisprudência desse Órgão Especial está reproduzida na inicial (fls. 08).

A liminar foi deferida pelo Nobre Desembargador Relator, Dr. Debatin Cardoso, conforme se vê da R. Decisão de fls. 36/38.

Citado, o Procurador-Geral do Estado, a fls. 47/49, alegou falta de interesse na defesa do ato impugnado, sob o argumento de que se trata de matéria exclusivamente local.

É o breve relatório.

 

A presente ação direta deve ser julgada procedente, apesar do enorme respeito que merece a orientação do Supremo Tribunal Federal que, reiteradamente, tem decidido pela inexistência de reserva de iniciativa em se tratando de lei tributária que dispõe sobre isenção, conforme se depreende do seguinte julgado:

        

       "A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara, especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo, ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado." (ADI 724-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 7-5-92, DJ de 27-4-01)

 

Ocorre que a inconstitucionalidade, no nosso sentir, não se fundamenta na reserva de iniciativa, conforme será demonstrado.

Vale registrar, de início, que nada impede que esse Órgão Especial julgue procedente a presente ação por causa de pedir diversa da exposta na inicial.

Como menciona Alfredo Buzaid[1], ao sintetizar os princípios ligados ao controle de constitucionalidade, “o tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei, salvo em litígio regularmente submetido ao seu conhecimento”.

Todavia, como consignou a eminente Ministra Ellen Gracie, ao relatar a ADI n. 2.396/MS[2], é possível ao “Supremo Tribunal, pelos fatos narrados na inicial, verificar a ocorrência de agressão a outros dispositivos constitucionais que não os indicados na inicial”.

Aliás, no julgamento da ADI-MC n. 2396/MS[3], o Pleno do Supremo, em acórdão também relatado pela Ministra Ellen Gracie, foi mais incisivo: “O Tribunal não está adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial”.

Portanto, pode-se proceder à verificação da ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e a Lei Maior paulista, sob outros aspectos. Vejamos.

 

1) A violação do princípio da separação de poderes

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[4].

Assim, um parlamentar tanto tem a iniciativa de projetos como pode propor a alteração nos projetos vindos do Executivo. Entretanto, ao insinuar-se na questão tributária - vital para a manutenção dos serviços públicos - a Câmara  deve  atentar a que  eventuais alterações devam  estar  em conformidade   com  o plano plurianual, a lei de  diretrizes orçamentárias  e  a proposta   orçamentária,  leis essas  de iniciativa exclusiva do Executivo, sendo que, especialmente a segunda 'disporá sobre as alterações na  legislação tributária'.

É evidente, portanto, que a concessão de benefícios a determinada categoria de pessoas acaba por interferir na administração municipal, reduzindo receitas, o que pode comprometer a atuação do Chefe do Poder Executivo.

Há sério risco em legitimar esse comportamento do legislador municipal, pois seria uma perigosa forma de permitir sua interferência nas finanças públicas e, indiretamente, na atuação do Poder Executivo.

Importante lembrar da lição de Alfredo Buzaid[5]: “O antagonismo que pode surgir entre as leis se afere não tanto pela hierarquia quanto pela usurpação ou abuso de poder”.

 

2) Da inconstitucionalidade por falta de prévio planejamento para as benesses tributárias

A Lei Municipal n. 3.931/2006, ora examinada, resultou de processo legislativo iniciado por vereador (fls. 18/19), sem que fosse apresentado qualquer estudo tributário específico. Aliás, sem qualquer tipo de planejamento orçamentário.

A atuação do legislador municipal, por isso, pode interferir diretamente na administração municipal, o que não pode ser aceito.

Assim sendo, manifesto-me pela procedência desta ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 3.931 do Município de Mauá.

                            São Paulo, 24 de abril de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça



[1] Da ação direta, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 22.

[2] Julgamento do Pleno do STF em 08/05/2003. Publicação: DJ de 1/8/2003, p. 100.

[3] Publicação: DJ de 14/12/2001, p. 23.

[4] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do Processo Legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.

[5] Da ação direta, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 46.