Requerente: Prefeito Municipal de Sertãozinho
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Presidente,
Trata-se
de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Tietê, visando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei 2.933, de 03 de dezembro de 2007, do mesmo Município, que “Dispõe sobre
AUTORIZAÇÃO ao Poder Executivo Municipal para instituir o Programa de
Imunização Total de Vacinação para Crianças, contando com a aquisição pelo
município das vacinas que somente são adquiridas pelos cidadãos
O
pedido liminar foi deferido, consoante decisão de fls. 85/88. A Câmara
Municipal prestou informações às fls. 102/104,
pleiteando a improcedência do pedido. O Procurador-Geral do Estado foi
citado, mas não se manifestou (fl. 97/99).
É
o relato do necessário.
O
pedido merece ser julgado procedente.
Trata-se
de lei municipal, cuja origem é de autoria parlamentar.
Contudo,
esse ato normativo é integralmente inconstitucional.
O
gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do
Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios
para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública. Assim sendo, por inserir vício de iniciativa,
a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de
São Paulo.
Através
da legislação em exame, o Legislativo local impõe atividades administrativas ao
Executivo, não só instituindo o Programa de Imunização Total de Vacinação para
Crianças, contando com a aquisição pelo município das vacinas que somente são
adquiridas pelos cidadãos
Trata-se evidentemente de matéria referente à
administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito.
A
Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto no artigo 5º, 24, § 2º, números 1, 4, e §5º, 2, art. 25, art. 144 e 176, I da Constituição do Estado de São Paulo, que
diz o seguinte:
A
dicção de tais dispositivos é a seguinte:
'Art.
5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art.
24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
§
2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que
disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
2 - criação das Secretarias de Estado;
3 - organização da Procuradoria Geral do Estado e da
Defensoria Pública do Estado, observadas as normas gerais da União;
4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e
transferência de militares para a inatividade;
5 -fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar;
6 - criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e
de registros públicos (...)
§
5º - Não será admitido o aumento da
despesa prevista:
1 - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador,
ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º
e 2º; 2 - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da
Assembléia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Art.
25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa
pública será sancionado sem que dele
conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos
encargos.
Parágrafo
único - O disposto neste artigo não se aplica a créditos extraordinários (...)
Art.
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."
Art.
176 - São vedados:
I - o início de programas, projetos e atividades não
incluídos na lei orçamentária anual (...)'
Trata-se de questão relativa ao
processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos
Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado.
Com
efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo
legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada
mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (cf.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp.
111/112).
E
o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma
repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem da
criação de funções na administração direta, na atribuição de tarefas às
Secretarias Municipais e na fixação do regime jurídico dos servidores públicos,
a iniciativa é privativa
do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo a matéria referente à
administração pública, é importante que a ele se reserve a iniciativa de leis
que tratem dessa matéria. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada
está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias
confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob.
cit., p. 204).
Desatendida
essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a
inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do
Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá
ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que
sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o
Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas
funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça”
(em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).
Mas não é só. Há que se pensar na questão dos recursos a serem
utilizados para à instituição do Programa de Vacinação pretendido, o que
certamente depende de orçamento em cuja elaboração deverá ser objeto de dotação
específica.
A
Lei Municipal, portanto, ao instituir o
Programa de Vacinação em questão, deveria indicar os recursos disponíveis para
o cumprimento dessa obrigação.
Por não tê-lo feito, representa, novamente,
clara ingerência do Legislativo nas prerrogativas do Poder Executivo.
Registre-se que o
Legislativo não deliberou sobre um programa geral, pois criou, concretamente, atribuições ao Poder Executivo e determinou o
modo de execução.
Sendo
assim, também violou o art. 25 , da Lei
Maior paulista, que veda qualquer projeto de lei que implique a criação ou o
aumento de despesa pública sem que dele
conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
Concluo,
pois, pela afronta aos artigo 5º, 24, § 2º, números 1, 4, e §5º, 2, art. 25, art. 144 e 176, I da Constituição do Estado de São Paulo.
Nestes
termos, opino pela procedência do
pedido para
o fim de se declarar inconstitucional a Lei 2.933/2007, do Município de Tietê.
São Paulo, 15 de maio
de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça