AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

 

Processo número 157.720-0/7-00

Requerente: Prefeito Municipal de Sertãozinho

Objeto: Lei número 4.200, de 26 de agosto de 2004

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente,

 

 

 

                                               Trata-se de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Tietê, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei 2.933, de 03 de dezembro de 2007,  do mesmo Município, que “Dispõe sobre AUTORIZAÇÃO ao Poder Executivo Municipal para instituir o Programa de Imunização Total de Vacinação para Crianças, contando com a aquisição pelo município das vacinas que somente são adquiridas pelos cidadãos em Clínica Particulares”. A inicial menciona a violação do princípio da independência e harmonia entre os poderes, contraria o interesse público e cria despesas sem indicação de recursos para atender aos encargos dele decorrentes, tudo de forma a afrontar a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Município de Tietê, a Lei de Responsabilidade e os artigos 25, 47, II e XIV, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo

 

                                              O pedido liminar foi deferido, consoante decisão de fls. 85/88. A Câmara Municipal prestou informações às fls. 102/104,  pleiteando a improcedência do pedido. O Procurador-Geral do Estado foi citado, mas não se manifestou (fl. 97/99).

 

                                               É o relato do necessário.

                  

                                               O pedido merece ser julgado procedente.

 

                                               Trata-se de lei municipal, cuja origem é de autoria parlamentar.

 

 

 

 

 

                                               Contudo, esse ato normativo é integralmente inconstitucional.

 

                                               O gerenciamento da prestação de serviços públicos no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                               Através da legislação em exame, o Legislativo local impõe atividades administrativas ao Executivo, não só instituindo o Programa de Imunização Total de Vacinação para Crianças, contando com a aquisição pelo município das vacinas que somente são adquiridas pelos cidadãos em Clínicas Particulares (art. 1º e 2º ), como estipulando quais as providências que deverá tomar, para a concretização desse programa (arts. 3º e 4º).

 

 

 

 

 

                                              Trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito.

 

                                               A Lei Municipal é inconstitucional por afrontar o disposto no artigo 5º,  24, § 2º, números 1,  4, e §5º, 2, art. 25, art. 144 e 176, I  da Constituição do Estado de São Paulo, que diz o seguinte:

 

 

                                               A dicção de tais dispositivos é a seguinte:

 

 

                                         'Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

   

 

                                         Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

 

                                         § 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

2 - criação das Secretarias de Estado;

3 - organização da Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública do Estado, observadas as normas gerais da União;

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;

5 -fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar;

6 - criação, alteração ou supressão de cartórios notariais e de registros públicos (...)

 

                                         § 5º - Não será  admitido o aumento da despesa prevista:

1 - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174,  §§ 1º e 2º; 2 - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público.

 

                                         Art. 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será  sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

 

 

                                         Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica a créditos extraordinários (...)

 

                                         Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."

 

 

                                         Art. 176 - São vedados:

I - o início de programas, projetos e atividades não incluídos na lei orçamentária anual (...)'

                           

 

     

 

 

                                               Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado.

 

                                               Com efeito, as regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização      do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp. 111/112).

 

                                               E o processo legislativo estabelecido pela Constituição do Estado (em norma repetida da Constituição Federal) prevê que, na criação de leis que tratem da criação de funções na administração direta, na atribuição de tarefas às Secretarias Municipais e na fixação do regime jurídico dos servidores públicos, a iniciativa   é    privativa do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo a matéria referente à administração pública, é importante que a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob. cit., p. 204). 

 

                                               Desatendida essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa. Sobre isso,       ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).

 

 

 

                                                Mas não é só. Há que se pensar na questão dos recursos a serem utilizados para à instituição do Programa de Vacinação pretendido, o que certamente depende de orçamento em cuja elaboração deverá ser objeto de dotação específica.

 

                                               A Lei Municipal, portanto, ao instituir  o Programa de Vacinação em questão, deveria indicar os recursos disponíveis para o cumprimento dessa obrigação.

 

                                               Por não tê-lo feito, representa, novamente, clara ingerência do Legislativo nas prerrogativas do Poder Executivo.

 

                                                Registre-se que o Legislativo não deliberou sobre um programa geral, pois criou, concretamente, atribuições ao Poder Executivo e determinou o modo de execução.

 

 

 

 

                                               Sendo assim, também violou o art. 25  , da Lei Maior paulista, que veda qualquer projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

 

                                               Concluo, pois, pela afronta aos  artigo 5º,  24, § 2º, números 1,  4, e §5º, 2, art. 25, art. 144 e 176, I  da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                               Nestes termos, opino pela procedência       do         pedido    para o fim de se declarar inconstitucional a Lei 2.933/2007, do Município de Tietê.

 

 

São Paulo, 15 de maio de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça