Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 157.725.0/0-00

Autor: Prefeito Municipal de Balbinos

Objeto de impugnação: Emenda Modificativa n. 01/2007 à Lei Municipal n. 1.106/07

 

 

 

 

 

 

Ementa:

 

1) Emenda Modificativa n. 01/2007 à Lei Municipal n. 1.106/07, do município de Balbinos, de autoria parlamentar, que dispõe sobre diretrizes orçamentárias;

 

2) Alteração do projeto de lei relativo às diretrizes orçamentárias fora dos parâmetros permitidos constitucionalmente;

 

3) Emenda que gera despesas e indica recursos provenientes de anulação de despesa que incide sobre dotação para pessoal e seus encargos;

 

4) Violação ao art. 175, § 1º, “2”, “a”, da Constituição Estadual;

 

5) Parecer pela procedência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator:

 

 

O Prefeito Municipal de Balbinos formulou a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade parcial decorrente da Emenda Modificativa n. 01/2007 à Lei Municipal n. 1.106/07.

A Lei Municipal n. 1.106/07 dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para elaboração e execução da lei orçamentária do município de Balbinos para o exercício financeiro de 2008.

A proposta de emenda modificativa está reproduzida a fls. 102/103, e consistiu em “modificar o programa, prioridade, indicador de medida e meta física do Anexo V – Planejamento Orçamentário – LDO”.

Foi alterado o programa referente ao “Processo Legislativo”, o que importou em aumento de despesa.

Nos termos do art. 2º da Emenda Modificativa, previu-se que “o aumento de despesa será coberto com a anulação parcial do programa, prioridade, indicador de medida e meta física no Anexo V”. Foi alterado o programa referente à “Coord. E Art. Político- Administrativa”.

A Justificativa foi “proporcionar condições adequadas para o desenvolvimento das funções inerentes ao Poder Legislativo” (fls. 102).

A inicial da presente ação direta argumentou, em síntese, que:

 - O Executivo municipal remeteu à Câmara Municipal o Projeto de Lei n. 12/2007, que resultou na Lei n. 1.106, de 5 de novembro de 2007, dispondo sobre as diretrizes orçamentárias para elaboração e execução da lei orçamentária do município de Balbinos, para o exercício financeiro de 2008;

- Em se tratando de Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a apresentação de emendas ao projeto pressupõe compatibilidade com o plano plurianual e que importem em recursos que sejam extraídos e/ou provenientes de anulação de despesas;

- A Câmara Municipal, porém, procedeu a execução de emenda ao projeto de lei do Executivo de forma ilegal e irregular, pois a emenda importou em extração de recursos da área de dotações para pessoal e seus encargos;

- O objetivo foi aumentar consideravelmente o orçamento da própria Câmara Municipal;

- A publicação da lei foi fora do prazo;

- O Prefeito Municipal vetou a Emenda Modificativa n. 01/2007, porém, houve rejeição do veto parcial pela Câmara.

Como parâmetro para o controle de constitucionalidade, a inicial indicou o art. 166, § 3º, I e II, “a”, da Constituição Federal, e o art. 175 da Constituição Estadual.

A Emenda Modificativa n. 01/07 à Lei n. 1.106/07 teve a vigência e a eficácia suspensas por força da decisão interlocutória de fls. 193/195, subscrita pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. PENTEADO NAVARRO.

A fls. 358/360 estão as informações da Câmara Municipal.

Devidamente citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 410/412.

É o breve relato.

A presente ação direta é procedente, pois a Emenda Modificativa impugnada, de fato, extrapolou os limites estabelecidos pela Constituição do Estado de São Paulo. Vejamos.

Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual, e que assim dispõe:

Artigo 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na idéia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que “o princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

Como conseqüência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes “consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

Também por decorrência do citado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina: “É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).

(...)

A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

 Assim, se em princípio a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por tangenciarem assuntos de natureza eminentemente administrativa e, concomitantemente, direitos de terceiros ou o próprio exercício dos poderes estatais, são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo.

Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes conclusões: a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada competência; b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; c) há matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma do Poder Executivo. A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da iniciativa legislativa:

“Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).

Perfilhando essa orientação centrada, como dito, no princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual determina em matéria orçamentária – igualmente aplicável no âmbito municipal (art. 144, Constituição Estadual) – que:

Art. 174. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão, com observância dos preceitos correspondentes da Constituição Federal:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º. A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes, objetivos e metas da administração pública estadual para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública estadual, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de momento.

(...)

§ 5º. A matéria do projeto das leis a que se refere o ‘caput’ deste artigo será organizada e compatibilizada em todos os seus aspectos setoriais e regionais pelo órgão central de planejamento do Estado.

(...)

§ 9º. Cabe à lei complementar, com observância da legislação federal:

1 - dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;

2 - estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.

Art. 175. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas emendas, serão apreciados pela Assembléia Legislativa.

§ 1º. As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem serão admitidas desde que:

1 - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

2 - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Municípios;

3 - sejam relacionadas:

a) com correção de erros ou omissões;

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.

§ 2º. As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.

§ 3º. O Governador poderá enviar mensagem ao Legislativo para propor modificações nos projetos a que se refere este artigo, enquanto não iniciada, na Comissão competente, a votação da parte cuja alteração é proposta.

§ 4º. Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.

Portanto, irradia-se do princípio da separação de poderes a própria técnica jurídica de freios e contrapesos com a previsão de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo em matéria administrativa e orçamentária. É o que consta, no plano federal, dos arts. 61, § 1º, II, e, e 165, da Constituição Federal, reproduzidos pelos arts. 24, § 2º, 2, e 174, da Constituição do Estado de São Paulo.

No aspecto orçamentário, não por coincidência o art. 174 da Constituição Bandeirante reproduz o art. 165 da Constituição Brasileira, e Hely Lopes Meirelles complementa sua opinião asseverando a privatividade da iniciativa legislativa na matéria: “A iniciativa e elaboração do projeto de lei orçamentária anual cabem privativamente ao Executivo, que deverá enviá-lo, no prazo legal, ao Legislativo, com todos os requisitos indicados na Constituição da República” (ob. cit., pp. 485-486).

Neste sentido, reverbera a jurisprudência:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Inciso V, do § 3º, do art. 120, da Constituição do Estado de Santa Catarina, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14. Alegação de afronta aos arts. 2º, 61, § 1º, II, alínea b; 165, § 2º; 166, § 3º, I e § 4º; e 167, IV, da Constituição Federal. 3. Competência exclusiva do Poder Executivo iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais. Precedentes: ADIN 103 e ADIN 550. 4. Relevantes os fundamentos da inicial e conveniente a suspensão da vigência da norma impugnada. 5. Medida liminar deferida, para suspender, até decisão final da ação direta, a vigência do inciso V do § 3º do art. 120, da Constituição do Estado de Santa Catarina, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 10.11.1997” (STF, ADI-MC 1.759-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 12-03-1998, v.u. DJ 06-04-2001, p. 66).

Ora, no quadro constitucional vigente não há dúvida que ao Chefe do Poder Executivo é conferida a iniciativa legislativa reservada em matéria orçamentária, abrangendo inclusive a disciplina do processo orçamentário em todas as suas fases.

Além disso, no caso em tela, também o poder de emendar o projeto de lei do executivo é condicionado por parâmetros constitucionais, de tal forma que, além de serem compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, há necessidade de que indiquem os recursos necessários. Esses, por sua vez, só são admitidos se provenientes de anulação de despesa. Não é só. Mesmo que sejam provenientes de anulação de despesa, não podem incidir sobre dotações para pessoal e seus encargos.

Assim, considerando que a Emenda impugnada provocou modificação referente ao “Processo Legislativo”, com aumento de despesa e, além disso, atingiu dotações para pessoal e seus encargos, fato não negado pela própria Câmara Municipal, em suas informações, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Emenda Modificativa n. 01/2007 à Lei Municipal n. 1.106/07, do município de Balbinos.

São Paulo, 2 de abril de 2009.

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

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