AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº. 157.885-0/9-00
Requerente: Prefeito Municipal de Amparo
Objeto: Lei Municipal nº. 3.310, de 17 de outubro de 2007,
de Amparo.
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
Municipal instituidora de programa de coleta de substâncias gordurosas e
impõe providências ao Executivo. 2) Lei de iniciativa de parlamentar. 2)
Violação do princípio da separação de poderes art. 5º e 144, caput, da
Constituição do Estado de São Paulo. 3) Lei que cria despesas sem indicar a
fonte de custeio e sem constar do orçamento – art. 25; e art. 176, inc. I da
Constituição do Estado de São Paulo 4) Inconstitucionalidade
reconhecida. |
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta
de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Amparo, tendo
como alvo a Lei Municipal nº 3.310, de 17 de outubro de 2007, com fundamento
nos seguintes argumentos: (a) violação do princípio da separação de poderes,
por tratar-se de iniciativa parlamentar; (b) criação de despesas sem indicação
da fonte de receita e sem constar do orçamento.
Foi
deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato impugnado (fls. 59/61).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 75/121).
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato
normativo (fls. 70/71).
É
a síntese do que consta dos presentes autos.
O Ato normativo
impugnado na presente ação, fruto de iniciativa parlamentar e com veto
derrubado, traz a seguinte (e relevante) peculiaridade: cria para a
Administração Pública (através dos Órgãos mencionados) o encargo de realizar “criar o serviço de coleta de substâncias
gordurosas...”. (fl. 03), além de obrigar a Prefeitura a instalar coletores
lacrados, dando-lhes o destino ecologicamente
correto.
Nesse
sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato
normativo em epígrafe, é visível que o legislador municipal invadiu a esfera de
atribuições do Chefe do Poder Executivo.
Ao
Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e
abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.
Atos
que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem
ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que
representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, da Constituição do
Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida
Carta.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio
da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31),
podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário”[1]
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Mutatis
mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:
“Ao
executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as
atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que
lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a
Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma
pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de
incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0,
rel. Des. FONSECA TAVARES).
Um
último aspecto, relevante para o deslinde do caso merece destaque.
Em
casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade
de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência
de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da despesa criada (ADINs
ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0), já que, de toda
forma, foi determinada a obrigação de dar destino ecologicamente correto aos
dejetos coletados, circunstância que certamente implicará gastos por parte do
Executivo.
Por
fim, resta dizer que há clara afronta ao disposto no art. 176, inc. I, da
Constituição Estadual, que veda o início de programas que não estejam incluídos
no orçamento. O caso dos autos se encaixa como luva na vedação, merecendo
pronta correção pelo Órgão controlador da constitucionalidade das leis.
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência
da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 3.310, de 17 de outubro de 2007, de Amparo.
São Paulo, 17 de junho de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712.