Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos n. 157.956.0/3-00

Autor: Prefeito Municipal de Miguelópolis

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 2.822, de 5 de dezembro de 2007, do Município de Miguelópolis.

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Colendo Órgão Especial

 

 

O Prefeito Municipal de Miguelópolis propôs a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.822, de 5 de dezembro de 2007, que cria o programa especial de fornecimento de medicamentos para pessoas idosas e dá outras providências. 

Entende o autor ser o ato normativo contrário à Constituição do Estado de São Paulo, em especial ao artigo 25. 

Foram requisitadas informações à Câmara  Municipal (fls. 37), que não as prestou.

A Procuradoria-Geral do Estado foi citada, e deixou de manifestar-se no que tange ao mérito (fls. 42/44).

É uma breve síntese.

A ação é procedente.

A lei cria o Programa Especial de Fornecimento de Medicamentos a pessoas idosas e determina ao Poder Executivo a sua regulamentação no prazo de trinta dias (art. 1º c/c o art. 5º).

Dispõe, ainda, que o poder público, através do município deverá providenciar e fornecer o medicamento o mais rápido possível num prazo de (3) três dias no máximo, mesmo que esse medicamento não esteja disponível em postos de saúde (art. 4º).

De observar que a lei sindicada é de iniciativa parlamentar e recebeu veto do Poder Executivo que, no entanto, acabou rejeitado.

Por isso, é possível concluir pela inconstitucionalidade se a lei for contrastada com os arts. 5º, 25, 47 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, que estabelecem:

Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 25. Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Art. 47. Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

A lei municipal, ao determinar a criação do Fundo Especial de Fornecimento de Medicamentos, bem como determinar ao executivo a sua regulamentação e, ainda, obrigar o Poder Público a fornecer medicamentos em três dias, interfere na administração do município.

Ao Prefeito, por exercer funções de governo, compete o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (cf. José Afonso da Silva, “O Prefeito e o Município”, 1977, págs. 134/143), de tal forma que a lei municipal, de iniciativa parlamentar, não pode determinar como vai se dar referida administração.

Há flagrante violação, portanto, ao princípio da separação de poderes, mesmo porque, na sempre atual lição de Hely Lopes Meirelles, “a atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções”.

Mas não é só. Há que se pensar na questão dos recursos a serem destinados ao Fundo Especial criado pela lei municipal, o que certamente depende de orçamento em cuja elaboração deverá ser objeto de dotação específica.

A Lei Municipal, portanto, ao criar o Fundo Especial, deveria indicar os recursos disponíveis para o cumprimento dessa obrigação. Por não tê-lo feito, representa clara ingerência do Legislativo nas prerrogativas do Poder Executivo.

Registre-se que o Legislativo não deliberou sobre um programa geral, pois criou, concretamente, atribuições ao Poder Executivo e determinou o modo de execução.

Sendo assim, também violou o art. 25 da Lei Maior paulista, que veda qualquer projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Assim, apesar da nobreza da Lei Municipal n. 2.822, de 5 de dezembro de 2007, do Município de Miguelópolis, é de ser declarada a sua inconstitucionalidade.

                            São Paulo, 28 de abril de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça