AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº. 158.294-0/9-00
Requerente: Prefeito Municipal de Valentim Gentil
Objeto: Lei Municipal nº. 1.832, de 11 de outubro de 2007,
de Valentim Gentil.
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal
que cria proibições à propaganda comercial escrita ou sonora e impõe
providências ao Executivo. 2) Lei de iniciativa de parlamentar. 2) Violação
do princípio da separação de poderes (art. 5º, 37, 47, inc. II e XIV da
Constituição do Estado de São Paulo). 3) Lei que restringe o âmbito de sua
proibição a “...pessoas de outros municípios”,
em ofensa aos princípios da impessoalidade e da razoabilidade, do art. 111 da
Constituição Estadual. 4) Inconstitucionalidade
reconhecida. |
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação
direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Valentim
Gentil, tendo como alvo a Lei Municipal nº 1.832, de 11 de outubro de 2007, com
fundamento nos seguintes argumentos: (a) violação do princípio da separação de
poderes, por tratar-se de iniciativa parlamentar; (b) criação de despesas sem
indicação da fonte de receita.
Foi
deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato impugnado (fl. 37).
O
Presidente da Câmara Municipal não prestou informações, embora tenha sido
notificado (fl.48).
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato
normativo (fls. 42/44).
É
a síntese do que consta dos presentes autos.
O Ato normativo impugnado
na presente ação, fruto de iniciativa parlamentar, traz a seguinte (e relevante)
peculiaridade: cria para a Administração Pública (através dos Órgãos mencionados)
o encargo de realizar “a fiscalização e
imposição de multa” além de padecer de excessiva generalidade e ausência de
tipicidade, ao considerar que “a
aplicação de multa deverá obedecer dispositivos contidos no código tributário
municipal, e caso não exista especificação correspondente, aplicar-se-á por
analogia o dispositivo que mais se aproximar”. (fl. 15)
Nesse
sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato
normativo em epígrafe, é visível que o legislador municipal invadiu a esfera de
atribuições do Chefe do Poder Executivo.
Ao
Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e
abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.
Atos
que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem
ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que
representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47
incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos
Municípios por força do art.144 da referida Carta.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio
da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31),
podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio
Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e
712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Mutatis
mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:
“Ao
executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as
atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que
lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a
Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma
pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de
incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0,
rel. Des. FONSECA TAVARES).
Um
último aspecto, relevante para o deslinde do caso merece destaque.
Em
casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da
despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2,
38.977.0/0), já que, de toda forma, foi determinada a obrigação de realizar
limpeza nos imóveis de sua propriedade, sempre que comunicado por escrito por
qualquer cidadão.
Demais
disso, ao dispor que a proibição incide apenas àqueles que veiculem
propagandas, mas que sejam de outros municípios, a lei afronta os princípios da
impessoalidade e da razoabilidade, ambos com berço constitucional estadual,
conforme o caput do artigo 111 da
Constituição Estadual.
Diante do exposto,
nosso parecer é no sentido da procedência
da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 1.832, de 11 de outubro de 2007, de Valentim Gentil.
São Paulo, 15 de junho de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça