AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº 158.462-0/6-00
Autor: Prefeito Municipal de Amparo
Objeto: Lei nº 3.268, de 18 de maio de 2007, de Amparo.
Ementa: 1)Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
Municipal que proíbe o uso de palavras estrangeiras na identificação de
produtos e/ou serviços destinados à venda, sem a respectiva tradução em
português. 2) Proibição extensiva a exposição, ofertas, promoções, anúncios e
apresentação dos produtos. 3) Cometimento à regulamentação a tarefa de
definir as penalidades cabíveis. 4) Competência da União para legislar sobre
direito comercial e propaganda comercial (art. 22, incs. I e XXIX da CF/88). 5)
Confronto com competência do Município para tratar, por lei, de assuntos de
interesse local, para suplementar no que couber a legislação dos demais entes
federativos (art.30 I e II CF/88). 6) Interpretação dos dispositivos
constitucionais à luz do princípio da predominância do interesse, que
inspirou a solução constitucional. 7) Diploma que, mais que não observar
dispositivos da Constituição Federal, desrespeita o princípio da repartição
constitucional de competências (e por isso o próprio princípio federativo),
aplicável aos Municípios por força do art.144 da CE. 8) Ofensa ao princípio
da legalidade. (art. 111 da CE). 9) Inconstitucionalidade
reconhecida. |
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação
direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Amparo, tendo
como alvo a Lei nº 3.268, de 18 de maio de 2007, de Amparo, que “dispõe sobre o
uso de estrangeirismo nas ofertas e apresentação de produtos e serviços”.
Aduz
o autor que foi violada a competência privativa da União para legislar sobre defesa
do consumidor, não se tratando de matéria do peculiar interesse dos municípios.
Diz ainda que a lei inquinada ofende ao princípio da razoabilidade, além de
invadir a esfera própria do Executivo.
Foi
deferida a liminar (fls. 30/33), vindo aos autos informações prestadas pela
Presidência da Câmara Municipal (fls. 39/41). O Senhor Procurador-Geral do
Estado, citado, declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 60/62).
Este
é o breve relato do que consta dos autos.
1) Do ato normativo
impugnado.
A Lei 3.268, de 18
de maio de 2007, de Amparo “dispõe sobre
o uso de estrangeirismo nas ofertas e apresentação de produtos e serviços”,
como consta da respectiva ementa, contendo 4 artigos (cópia fls. 27).
Entretanto,
como será visto a seguir, referido diploma é verticalmente incompatível com o
texto da Constituição Estadual.
2)Violação ao
princípio da repartição constitucional de competências.
O
legislador municipal ao editar ato normativo que tangencia a competência do
legislador federal, não causa pura e simplesmente uma violação de uma norma
contida na Constituição Federal, mas sim, de modo patente e direto, um
princípio constitucional latente na Lei Maior, qual seja, o princípio da
repartição constitucional de competências, expressão do pacto federativo
assentado na Constituição de 1988, extraível dos art.1º e 18 da Lei Maior, bem
como de outros dispositivos constitucionais que indicam as matérias atribuídas
às competências administrativas e legislativas de cada ente da Federação.
É
assente na doutrina que a competência legislativa, em nosso sistema
constitucional, é definida pelo critério da predominância do interesse.
É
a clássica lição de José Afonso da Silva, para quem “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as
entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse,
segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante
interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e
assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os
assuntos de interesse local (...).”[1]
Note-se,
a propósito, que não se trata de invocar norma da Constituição Federal como
parâmetro para o controle da constitucionalidade de lei municipal pelo E.
Tribunal de Justiça. Isso, de fato, não seria possível, pois significaria
usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
Entretanto,
a repartição constitucional de competências é princípio estabelecido pela CF/88
(art.1º e 18), pois reflete um dos aspectos mais relevantes do pacto
federativo, ao definir os limites da autonomia dos entes que integram a
Federação brasileira. Isso decorre claramente da interpretação sistemática da
Constituição Federal.
Daí
que, violando-se um princípio constitucional (pacto federativo – repartição
constitucional de competências), o que se tem é a ofensa ao art.144 da
Constituição Paulista.
Relevante
notar que em decisão recente, quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em
21.08.07, rel. Des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese
acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei
municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido
pela Constituição Federal), sendo relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador
Walter de Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:
“(...)
Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o
princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios
Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental
da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado
a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a
conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na
Constituição Federal.
Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se organizarem,
devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes
editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa,
invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao
princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do
Estado (...)” (trecho do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme, no
julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
No
caso ora em exame, o legislador municipal, de fato, legislou sobre direito
comercial e propaganda comercial, matérias cuja competência legislativa é
privativa da União, nos termos do art.22, I e XXIX da CF/88.
Com
a devida venia a entendimento diverso,
não é apropriada a argumentação no sentido de que, na hipótese, o legislador
municipal teria simplesmente, e de forma legítima, regulado sobre a proteção
dos consumidores, com fundamento na competência prevista no art. 30, incs. I e
II da CF/88, que assegura aos Municípios a possibilidade de “legislar sobre assuntos de interesse local” e
“suplementar a legislação federal ou
estadual no que couber”.
Tal
competência municipal deve ser compreendida dentro da perspectiva de
predominância de interesse, elemento central na repartição constitucional de
competências. Em outras palavras, é correto concluir que determinada matéria
pode, de fato, ser alvo, concomitantemente, de legislação federal e municipal,
mas desde que nesta última sejam abordados aspectos essencialmente locais.
No
caso em exame, é possível afirmar que estão inseridos na competência privativa
do legislador federal para regular a matéria atinente a direito comercial e
propaganda comercial, podendo-se dizer que também se insere na competência
comum da União e dos Estados (art. 24, inc. V, da CF). Resta claro que ao
Município não é dado legislar sobre esse tema, reservado apenas à União ou,
quando muito, aos Estados também, obviamente observados os parágrafos do artigo
24.
Todas
as regras constitucionais que tratam da questão da repartição de competências
na Federação brasileira não podem ser lidas sem a sua compreensão sistemática e
finalista, ou seja, tendo como pano de fundo a idéia de que o princípio que
inspira a Lei Maior, no particular, é o da predominância do interesse.
E
assim, mais que violar dispositivos da Constituição Federal, a lei em exame
transgrediu o próprio princípio da repartição constitucional de competências,
aplicável ao caso por força do art.144 da Constituição do Estado.
Entendimento
diverso, com a devida venia, significa contrariar o disposto nos art. 22, incs.
I e XXIX e 30 I, II da Constituição Federal, conferindo-lhes sentido diverso
daquele que verdadeiramente ostenta.
3) Ofensa ao princípio
da legalidade.
A
Lei 3.268, de 18 de maio de 2007, de Amparo, também ofende ao princípio da
legalidade, fixado no artigo 111 da Constituição Estadual, igualmente regra
obrigatória para os Municípios por força do artigo 144 da mesma Carta.
Com
efeito, o artigo 3º da Lei 3.268, de 18 de maio de 2007, de Amparo assim
dispõe:
“Art. 3º - Esta Lei
será regulamentada pelo poder executivo em 60 (sessenta dias) dias,
oportunidade em que se definirá as penalidades cabíveis para as eventuais
infrações.”
Como
se nota, a lei não define as sanções para o caso de descumprimento, deixando a
tarefa para o decreto regulamentador. É sabido que o decreto não pode prever
penalidades não definidas previamente na lei. No caso concreto, como a própria
lei assim previu, nunca haverá cumprimento ao princípio da legalidade pela Administração
Pública, ensejando a inconstitucionalidade da norma sob exame também sob esse
aspecto.
4. Conclusão
Diante do exposto,
nosso parecer é no sentido da procedência
da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei 3.268,
de 18 de maio de 2007, de Amparo.
São Paulo, 30 de abril de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ªed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.478.