AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
REQUERENTE:
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE AMPARO
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Relator:
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 3.265, promulgada pela Câmara
Municipal em 07 de maio de 2007 e publicada em 18 de maio de 2007, Município de Amparo, que disciplina o comércio
de artigos de conveniência em farmácias e drogarias de modo a proporcionar
segurança e higiene do consumidor, por ofensa aos artigos 24, inciso XII e 30,
inciso II, da Constituição Federal e artigos 5º, caput e 144, caput, Constituição
do Estado.
Inferida
a liminar (fls. 36/37), a Câmara Municipal, em suas informações, sustenta a
constitucionalidade da lei em análise, porque a atribuição de legislar sobre referida
matéria não se insere na matéria reservada ao Poder Executivo (fls. 51 /52).
Manifestação
do Procurador-Geral do Estado a fls. 45/47.
É
a síntese necessária.
A Câmara
Municipal de Amparo houve bem por editar, na data de 07 de maio de 2007,
a Lei de n° 3.265, que “autoriza as
farmácias e drogarias a comercializar os artigos que especifica”.
Conforme
se depreende do expediente em anexo, o Senhor Prefeito Municipal chegou a vetar
a iniciativa do Legislativo local, porém sua decisão foi rejeitada pelo
Plenário, passando aquele diploma legal, portanto, a ter plena eficácia
jurídica.
Ocorre
que mencionada lei contém dispositivos que ferem a Constituição Federal e a
Constituição do Estado de São Paulo, motivo pelo qual se faz necessária a
declaração de inconstitucionalidade destes, de sorte a afastar a possibilidade
de lesão ao patrimônio jurídico dos cidadãos daquele município.
A
Lei n° 03.265/2007 do Município de Amparo autoriza a comercialização em
farmácias e drogarias, de produtos estranhos à sua atividade-fim, acabando por
invadir seara legislativa alheia.
Com
efeito, dispõe o art. 1° do texto legal ora em comento que os estabelecimentos
comerciais anteriormente mencionados poderão ter em suas prateleiras os
seguintes produtos:
“I- filmes fotográficos;
II- leite em pó;
III- pilhas;
IV- meias elásticas;
V- cola;
VI- cartões
telefônicos;
VII- cosméticos;
VIII- isqueiros;
IX- água mineral;
X- produtos de higiene pessoal;
XI- bebidas lácteas;
XII- produtos dietéticos;
XIII- repelentes elétricos;
XIV- cereais matinais;
XV- balas, doces e barras de cereais;
XVI- mel;
XVII- produtos ortopédicos;
XVIII- artigos para bebê;
XIV- produtos de higienização de ambientes;
Do
que se pode depreender do citado artigo de lei, e dos seguintes, que com ele
têm ligação umbilical, a Lei n° 3.265/07 acabou por ofender o sistema de
competências atribuído pela Constituição Federal, notadamente em face do
determinam os arts. 1°, caput, 24,
XII, 25, caput e § 1° e 37, caput, e, conseqüentemente, os arts. 1°,
111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
De
fato, não obstante tenha o art. 23, II, do Texto Maior conferido
competência material (ou de execução) a todos os entes federados para cuidar da
saúde, é certo que restringiu a competência legislativa quanto a esta matéria,
atribuindo-a de forma concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal.
Consignou
o art. 24, XII, da Carta Magna que os mencionados entes federados que detêm a
competência legislativa concorrente poderão editar normas sobre “proteção e
defesa da saúde”, aí certamente incluídas as iniciativas referentes à
vigilância sanitária.
E, em sede de competência concorrente, não
podemos olvidar que a União é a detentora da possibilidade de editar normas de
caráter geral (art. 24, § 1°, CF), que somente será transferida aos Estados de
forma ampla em caso de inexistência de lei federal a tratar da matéria (art.
24, § 3°, CF). A competência conferida à União para tratar de norma gerais não
exclui a competência dos Estados, que a exercem de forma suplementar, e,
evidentemente, não podendo se chocar com as regras contidas na legislação de
âmbito nacional (art. 24, § 2°, CF).
Aos
Municípios, portanto, restaria apenas “suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber” (art. 30, II, CF), pois, precipuamente, não lhe
competente legislar sobre “proteção e defesa da saúde”, mas sim, e tão-só,
executar as políticas estabelecidas pelos demais entes (art. 23, II, CF).
Apenas
para argumentar, a norma geral da União existe, e está consubstanciada na Lei
Federal n° 9.782, de
E
a citada agência de regulação, normatização, controle e fiscalização na área de
vigilância sanitária baixou norma impondo que “é vedado à farmácia e drogaria
.... expor a venda produtos alheios aos conceitos de medicamento, cosmético,
produto para a saúde e acessórios, alimento para fins especiais, alimento com
alegação de propriedade funcional e alimento com alegação de propriedades de
saúde” (item 5.4.2 da Resolução n° 328, de
A
autoridade competente para normatizar acerca dos produtos que podem e não podem
ser comercializados em farmácia e drogarias é a ANVISA, e esta já havia, há
anos, se pronunciado justamente em sentido contrário ao que fez o Poder
Legislativa de Amparo, ao arrepio da Constituição Federal, diga-se de passagem.
Não resta
dúvida, diante desse quadro, que
a Lei n° 3. 265/2007 invadiu a seara da União, que possui a competência para
estabelecer normas gerais, tal como a editada, e com isto quebrou a harmonia entre as esferas de
competência dispostas pelo constituinte na Carta de Regência, e o pacto
federativo instituído em seu art. 1°,
caput.
Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior anotam que “o federalismo
brasileiro reúne em seu interior quatro entidades federativas – a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios -, todas dotadas de autonomia,
assim entendida a capacidade de autodeterminação dentro de um rol de
competências constitucionalmente definidas”. Consignam, ainda, que “cada uma
das esferas federativas possui um rol próprio de competências, que, salvo
hipótese de delegação, deve exercer com exclusão das demais”.[1]
A
repartição de competências é a marca indelével da federação, sem a qual não se
sustenta sua estrutura, pois, se cada um dos entes federados passar a exercer
as competências atribuídas aos demais, haverá um choque de gestão que
enfraquecerá até a morte esta forma de Estado.
O
constitucionalista português Jorge Miranda alerta que “em cada federação, se
pode não ter havido historicamente um acto constitutivo, pelo menos ele tem de
ser pressuposto (entenda-se ou não como acto-união). Mas, formada a federação,
doravante é a Constituição federal – obra de um poder constituinte distinto do
de cada um dos Estados federados, embora resultante da sua intervenção – que
contém o fundamento de validade e de eficácia do ordenamento jurídico
federativo; e é ele que define a competência
das competências[2]
(ao passo que na confederação, subsiste sempre, e só, o respectivo pacto
confederal).[3]
Para
arrematar, lembraríamos as palavras de José Afonso da Silva, para quem “a repartição de competências entre a União
e os Estados-membros constitui o fulcro do Estado Federal”.[4]
Portanto,
ao legislar sobre normas gerais de proteção e defesa da saúde, afastando-se do
princípio da legalidade insculpido no art. 37, “caput”, da Lei Maior, princípio
este repetido no art. 111 da Carta Estadual, violou o legislador municipal os arts.
1° e 144 da Constituição Paulista, por atentar contra o Estado Federativo
brasileiro (arts. 1°, caput e 25, caput e § 1°, CF).
É
neste sentido, inclusive, o posicionamento deste Colendo Órgão Especial do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em caso análogo, assim
decidiu:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei que autoriza farmácias e
drogarias a comercializarem artigos diversos. Inconstitucionalidade configurada
tanto frente à Constituição Federal, quanto frente à Constituição Estadual” (ADIN
n° 110.607.0/8-00 – Comarca de Cajuru – Rel. Des. Vallim Bellochi – j.
Isto posto, pronuncio-me pela procedência do pedido, no sentido da
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 3.265, de 07 de maio de 2007, do
Município de Amparo, adotando-se as medidas necessárias à suspensão de sua
eficácia.
São
Paulo, 06 de maio de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
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