AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo
nº158.602.0/6-00
Autor:
Prefeito Municipal de Ribeirão Preto
Objeto:
Lei Municipal 11.088, de 07 de fevereiro de 2007, de Ribeirão Preto.
Ementa: 1)Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Imposição
de providência (determinação de que veículos apreendidos sejam depositados em
local coberto). 2)Matéria reservada à gestão administrativa. Violação do
princípio da separação de poderes (art.5º, 47 II e XIV, 144 da Constituição
do Estado). 3)Inconstitucionalidade reconhecida. |
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Ribeirão
Preto, tendo como alvo a Lei Municipal 11.088, de 07 de fevereiro de 2007,
daquela cidade, argumentando no sentido de que: (a) tendo partido de iniciativa
parlamentar, a lei viola o princípio da separação de poderes; (b) o diploma não
indica os recursos orçamentários para fazer frente às despesas decorrentes da
proposta (art.5º, 25, 37, 47 II e III, 111, 144 da Constituição Paulista).
Foi deferida a liminar, determinando-se
a suspensão do ato normativo impugnado (fls.31/32).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do
Estado declinou da defesa do ato normativo (fls.41/42).
Foram requisitadas informações à Câmara
Municipal (fls.44), não prestadas, contudo, até o momento.
Este é o breve relato do que consta dos
autos.
1)Do ato normativo impugnado.
Eis o teor da Lei 11.088, de 07 de fevereiro de 2007,
de Ribeirão Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que prevê que “fica obrigatório que os veículos apreendidos
no Município de Ribeirão Preto, por motivos previstos em leis vigentes no País,
fiquem depositados em local coberto”:
“Art.1º. Fica obrigatório que os veículos apreendidos
no Município de Ribeirão Preto, por motivos previstos em leis vigentes no País,
fiquem depositados em local coberto.
Art.2º. Esta lei entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário”.
O projeto de lei foi vetado, mas o veto foi rejeitado pela Câmara.
Entretanto, referido diploma é
verticalmente incompatível com o nosso sistema constitucional, como será
demonstrado a seguir.
2)Quebra da regra da separação de
poderes.
A
lei em exame - fruto de iniciativa parlamentar - estabeleceu providências
concretas a cargo das autoridades de trânsito do Município, determinando que “veículos apreendidos no Município de
Ribeirão Preto, por motivos previstos em leis vigentes no País, fiquem
depositados em local coberto”. Deste modo, impôs ao Poder Executivo, ao
qual se vinculam as autoridades de trânsito, a adoção de medidas concretas para
o cumprimento da imposição contida no mencionado ato normativo.
Nesse
contexto, embora a lei não trate de matéria atinente à iniciativa reservada do
Chefe do Executivo, nos termos do art.24 §2º da Constituição Bandeirante, ela
se traduz em quebra da regra da separação de poderes, contida na Constituição
do Estado, nos art.5º, e 47 II e XIV, aplicáveis aos Municípios por força do
art.144 da referida Carta.
Em
primeiro lugar, com a devida vênia, não nos parece correto afirmar que a
hipótese examinada nestes autos seja de iniciativa reservada ao Chefe do Poder
Executivo.
As matérias cuja iniciativa legislativa
cabe apenas ao Executivo são expressamente previstas no art.24 da Constituição
Paulista, entre as quais não se encontra aquela tratada no ato normativo aqui
examinado.
Ademais, já pacificou o E. STF o
entendimento de que as hipóteses de iniciativa reservada, referindo-se a
direito estrito, devem ser interpretadas restritivamente (Nesse sentido, v.g.: MS 22.690, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06).
Entretanto, no caso ora analisado houve
violação do princípio da separação de poderes.
É
ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, acolheu iniciativa parlamentar, impondo ao Poder Executivo medidas
concretas relacionadas ao gerenciamento do serviço público.
Em que pese a relevante intenção do
parlamentar que apresentou originariamente referida propositura, o fato é que
ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é
inconstitucional.
Note-se que: (a) decidir onde deverão
ficar depositados os veículos apreendidos no Município é medida que envolve
simples deliberação da administração pública, sendo prescindível previsão legal
para a hipótese; (b) quando o legislador, a pretexto de legislar, assume o papel
do administrador, está a extrapolar no exercício de suas competências
constitucionais.
Referido diploma, na prática, criou
obrigação para a administração local, invadindo
a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o
planejamento, a direção, a organização e
a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura
ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem
declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar
que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20
de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de
ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio
constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade
declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal
de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de
Itapetininga, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção
distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos
aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências
Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara
Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se
reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa,
interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°,
25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI
134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Note-se também que, em outro caso em
que se discutia a ocorrência de quebra de separação de poderes (lei que
determinava a inserção de informações sobre serviços públicos em carnê de IPTU
-ADI 94.356-0/7, j. 18.06.2003, rel. des. Ruy Camilo) foi reconhecida a
inconstitucionalidade, valendo transcrever a ementa do referido julgado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal
5777 de 8 de março de 2002 que, nos dispositivos questionados (art.2º e incisos
e art.3º, § único), impõem ao Executivo o dever de fixar dias e horários para a
prestação de serviços públicos de coleta de lixo domiciliar e varrição de vias
públicas e ainda o de divulgar tais informações no carnê do IPTU e jornais
locais – matéria que diz respeito ao gerenciamento da prestação de serviços de
iniciativa exclusiva do Executivo. Ação procedente.”
Ademais,
em casos como o presente, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da
despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2,
38.977.0/0).
3)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal 11.088, de 07 de
fevereiro de 2007, de Ribeirão Preto.
São Paulo, 06 de maio de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de Justiça
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça