AÇÃO   DIRETA  DE  INCONSTITUCIONALIDADE  N.º  158.714-0/7-00

Requerente   :    Prefeito do Município de Catanduva

Requerida     :    Câmara Municipal de Catanduva

Objeto           :    Lei n. 4.507, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

  Senhor Desembargador Relator

 

 

 

 

     

                                                               RELATÓRIO

 

 

                                                            O Prefeito Municipal de Catanduva propôs a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade  da Lei n. 4.507, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva “ dispõe sobre disponibilizar às escolas públicas municipais cadeiras de rodas”  ato – de iniciativa parlamentar foi promulgada         pelo      Presidente da Câmara Municipal do Município de Catanduva. Entende  o autor que referido ato está eivado pelo vício de iniciativa, na medida em que interfere diretamente nas leis que são de iniciativa do Poder Executivo, já que a matéria diz respeito à gestão administrativa, malferindo a  Constituição   do   Estado de São Paulo, em especial aos artigos 5.º , 25 e 144. Foi deferida a medida liminar, fls. 21/22.  O Presidente da  Câmara  Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da lei impugnada, fls. 30/31.  A  Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se pela falta de interesse nos autos, fls.59/61.

 

 

                                                          MANIFESTAÇÃO

 

 

 

                                                            Entendo que a ação é     procedente,   sendo inconstitucional a Lei n. 4.507, de 17 de dezembro de 2007, “dispõe sobre disponibilizar às Escolas Públicas Municipais cadeiras de rodas”.

 

                                                            Com efeito, a lei impugnada possui a seguinte redação:

 

                                                            Artigo 1º - Todas as escolas públicas municipais e as munipalizadas situadas no Município de Catanduva deverão manter cadeiras de rodas à disposição dos alunos portadores de defciência física e/ou impossibilitados de se locomover devidamente.

 

 

 

 

                                                            Parágrafo Único- A cadeira de rodas destina-se a deslocamentos de deficiente físico ou de pessoa que estiver temporariamente impossibilitada de caminhar dentro do perímetro interno da escola.

 

                                                            Art. 2º - A Secretaria Municipal de Educação elaborará estudos no sentido de implantar o que determina o “caput” do art. 1º, inclusive fixando o número de cadeiras a serem disponibilizadas em cada escola.

 

                                                            Art. 3º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

 

 

                                                            Referido dispositivo  é  inconstitucional  por contrariar os artigos  5.º,    25 e  144, da  Constituição do Estado de São Paulo. 

 

                                                            A dicção de tais dispositivos é a seguinte:

 

                                                       'Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

      

                                                     Art. 25 – Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos     

 

 

 

 

                                                     Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."

 

 

                                                Anoto, de início, que a lei é inconstitucional, ofendendo o artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, diante da invasão, pela conduta do Poder Legislativo, de competência exclusiva do Poder Executivo.

 

                                               São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                               O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, pode o prefeito ter qualquer atuação voltada para a “conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 520).

 

 

 

 

 

                                                            Se deve o prefeito organizar o município, fixando as tarefas que deverão ser desempenhadas pelo funcionalismo públicos e se tais atos se inserem na condução ordinária da Administração, não é possível que a Câmara Municipal interfira em sua competência, como é o caso presente.

 

                                 Sobre isso, ensina Hely Lopes Meirelles:

 

            “Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.  (em “Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).

 

                                                            Ademais, além de invadir a esfera privativa do Poder Executivo no tocante à Administração ordinária do município, a lei em tela também interfere na direção superior da administração municipal, atribuindo função a ser cumprida — fiscalização das escolas para seu fiel cumprimento —, criando despesa sem a receita respectiva.

 

 

                                               .

                                                O tema da organização da estrutura administrativa deve ser, necessariamente, de iniciativa do Poder Executivo, que tem interesse preponderante em sua organização. E este exercício independe de qualquer autorização legislativa, pois é inerente à atividade do administrador, voltado para a execução ordinária dos serviços públicos.

                                                            A não ser assim adentraria o Poder Legislativo na esfera de atribuições do Poder Executivo, o que não se coaduna com o princípio da harmonia e independência entre os poderes.

 

                                                            No caso em tela pretendeu a Câmara Municipal impor conduta a ser seguida pelo Poder Executivo, interferindo na sua estrutura, direção e organização e criando despesa sem indicar receita.

                               Considerando que o chefe do Poder Executivo deve planejar e planificar sua atividade segundo os objetivos e os recursos previstos nas leis do sistema orçamentário, daí se justificando a iniciativa privativa na elaboração e apresentação de projetos de leis como       o    caso presente. Não se admite, pois, que a Câmara Municipal                                                                                          possa impor atribuição à secretaria municipal sem a previsão dos recursos para tanto, ofendendo, assim, o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

                                                Sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu que:


 

 

                    “Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 6.555, de 14 de junho de 2005, do Município de Jundiaí, que impõe a proibição de fumar em estabelecimentos que especifica. Lei de iniciativa de vereador – Promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal – Matéria afeta à administração ordinária – Competência reservada ao Poder Executivo – Violação dos princípios da independência e harmonia  dos poderes e da iniciativa legislativa – Ação procedente.” (ADIn nº 126.005-0/2, Rel. Denser de Sá, j. 26.07.06).

 

 

                                                Conclui-se, portanto, que houve supressão de atribuição reservada do Chefe do Poder Executivo com a conseqüente imposição de normas que ofende diretamente sua iniciativa legislativa, com a imposição de despesa sem a previsão de receita, aliás, não prevista na lei orçamentária anual, com infringência aos artigos 5º, caput,  25,  e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                                            Nestes termos, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei 4.507, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva.

 

 

São Paulo, 27 de maio de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça