Autos n. 158.718.0/5-00
Autor: Prefeito Municipal
de Balbinos
Objeto de impugnação: Emenda Modificativa n. 02/2007 à Lei Municipal n. 1.110/08
Ementa:
1) Emenda Modificativa n. 02/2007, de autoria parlamentar, à Lei
Municipal n. 1.110/08, do município de Balbinos, que estima a receita e fixa a
despesa do município para o exercício de 2008;
2) Alteração do projeto de lei relativo às diretrizes
orçamentárias fora dos parâmetros permitidos constitucionalmente;
3) Emenda que gera despesas e indica recursos provenientes de
anulação de despesa que incide sobre dotação para pessoal e seus encargos;
4) Violação ao art. 175, § 1º, “
5) Parecer pela procedência.
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator:
O
Prefeito Municipal de Balbinos formulou a presente ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade parcial decorrente da Emenda Modificativa
n. 02/2007 à Lei Municipal n. 1.110/08.
A
Lei Municipal n. 1.110/08 estima a receita e fixa a despesa do município de
Balbinos para o exercício de 2008.
A
emenda modificativa, sob a justificativa de proporcionar condições adequadas
para o desenvolvimento das funções inerentes ao Poder Legislativo, acabou por
alterar o art. 2º da Lei Municipal n. 1.110/08, e importou na elevação do valor
do programa “Processo Legislativo” e a consequente redução do programa
“Coordenação e Articulação Político-Administrativa”.
A
inicial da presente ação direta argumentou, em síntese, que:
- O Executivo municipal remeteu à Câmara
Municipal o Projeto de Lei n. 21/2007, que resultou na Lei n. 1.110? 2007, estimando
a receita e fixando a despesa do município de Balbinos, para o exercício
financeiro de 2008;
-
Em se tratando de Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a apresentação de
emendas ao projeto pressupõe compatibilidade com o plano plurianual e que
importem em recursos que sejam extraídos e/ou provenientes de anulação de
despesas;
-
A Câmara Municipal, porém, procedeu a execução de emenda ao projeto de lei do
Executivo de forma ilegal e irregular, pois a emenda importou em extração de
recursos da área de dotações para pessoal e seus encargos;
-
O objetivo foi aumentar consideravelmente o orçamento da própria Câmara
Municipal;
-
A publicação da lei foi fora do prazo;
-
O Prefeito Municipal vetou a Emenda Modificativa n. 02/2007, porém, houve
rejeição do veto parcial pela Câmara.
Como
parâmetro para o controle de constitucionalidade, a inicial indicou o art. 166,
§ 3º, I e II, “a”, da Constituição Federal, e o art. 175 da Constituição
Estadual.
A
Emenda Modificativa n. 02/07 à Lei n. 1.110/08 teve a vigência e a eficácia
suspensas por força da decisão interlocutória de fls. 158/158v., subscrita pelo
Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. SOUZA NERY.
A
fls. 358/360 estão as informações da Câmara Municipal.
Devidamente
citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 410/412.
É
o breve relato.
A
presente ação direta é procedente, pois a Emenda Modificativa impugnada, de
fato, extrapolou os limites estabelecidos pela Constituição do Estado de São
Paulo. Vejamos.
Postulado
básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes,
constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de
observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma
Carta Estadual, e que assim dispõe:
Artigo
5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Este
dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na
idéia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes
que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas
de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é
fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que “o princípio da separação
dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada)
significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho
harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão
(poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em
caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou
pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de
competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).
Como
conseqüência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual,
perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder
competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder
Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como,
por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a
separação ou divisão de poderes “consiste um confiar cada uma das funções
governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes
(...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização
funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma
função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da
especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente
independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José
Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros,
2006, 2ª ed., p. 44).
Também
por decorrência do citado princípio da separação de poderes, e à vista dos
mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e
disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a participação do Poder
Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina: “É a esse arranjo,
mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial
de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os
ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios
recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances),
tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).
(...)
A
distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a
determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através
da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação,
isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em
funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão
admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não
é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas
exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que
a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua
natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito
Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
Assim, se em princípio a competência normativa
é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por tangenciarem assuntos de
natureza eminentemente administrativa e, concomitantemente, direitos de
terceiros ou o próprio exercício dos poderes estatais, são reservadas à
iniciativa legislativa do Poder Executivo.
Esse
desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra
do art. 144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes
conclusões: a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser
exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada
competência; b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa
legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; c) há
matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade
consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma
do Poder Executivo. A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória
da iniciativa legislativa:
“Leis
de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as
que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente à
iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre
as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no
âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo:
Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).
Perfilhando
essa orientação centrada, como dito, no princípio da separação dos poderes, a
Constituição Estadual determina em matéria orçamentária – igualmente aplicável
no âmbito municipal (art. 144, Constituição Estadual) – que:
Art.
174. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão, com observância dos
preceitos correspondentes da Constituição Federal:
I
- o plano plurianual;
II
- as diretrizes orçamentárias;
III
- os orçamentos anuais.
§
1º. A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública estadual para as despesas de capital
e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
continuada.
§
2º. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da
administração pública estadual, incluindo as despesas de capital para o
exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária
anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a
política de aplicação das agências financeiras oficiais de momento.
(...)
§
5º. A matéria do projeto das leis a que se refere o ‘caput’ deste artigo será
organizada e compatibilizada em todos os seus aspectos setoriais e regionais
pelo órgão central de planejamento do Estado.
(...)
§
9º. Cabe à lei complementar, com observância da legislação federal:
1
- dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a
organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei
orçamentária anual;
2
- estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta
e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.
Art.
175. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes
orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais, bem como suas
emendas, serão apreciados pela Assembléia Legislativa.
§
1º. As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o
modifiquem serão admitidas desde que:
1
- sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
2
- indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de
anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a)
dotações para pessoal e seus encargos;
b)
serviço da dívida;
c)
transferências tributárias constitucionais para Municípios;
3
- sejam relacionadas:
a)
com correção de erros ou omissões;
b)
com os dispositivos do texto do projeto de lei.
§
2º. As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser
aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual.
§
3º. O Governador poderá enviar mensagem ao Legislativo para propor modificações
nos projetos a que se refere este artigo, enquanto não iniciada, na Comissão
competente, a votação da parte cuja alteração é proposta.
§
4º. Aplicam-se aos projetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o
disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.
Portanto,
irradia-se do princípio da separação de poderes a própria técnica jurídica de
freios e contrapesos com a previsão de iniciativa legislativa reservada ao
Chefe do Poder Executivo em matéria administrativa e orçamentária. É o que
consta, no plano federal, dos arts. 61, § 1º, II, e, e 165, da Constituição
Federal, reproduzidos pelos arts. 24, § 2º, 2, e 174, da Constituição do Estado
de São Paulo.
No
aspecto orçamentário, não por coincidência o art. 174 da Constituição
Bandeirante reproduz o art. 165 da Constituição Brasileira, e Hely Lopes
Meirelles complementa sua opinião asseverando a privatividade da iniciativa
legislativa na matéria: “A iniciativa e elaboração do projeto de lei
orçamentária anual cabem privativamente ao Executivo, que deverá enviá-lo, no
prazo legal, ao Legislativo, com todos os requisitos indicados na Constituição
da República” (ob. cit., pp. 485-486).
Neste
sentido, reverbera a jurisprudência:
“Ação direta de
inconstitucionalidade. 2. Inciso V, do § 3º, do art. 120, da Constituição do
Estado de Santa Catarina, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 14.
Alegação de afronta aos arts. 2º, 61, § 1º, II, alínea b; 165, § 2º; 166, § 3º,
I e § 4º; e 167, IV, da Constituição Federal. 3. Competência exclusiva do Poder
Executivo iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano
Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais. Precedentes:
ADIN 103 e ADIN 550. 4. Relevantes os fundamentos da inicial e conveniente a
suspensão da vigência da norma impugnada. 5. Medida liminar deferida, para
suspender, até decisão final da ação direta, a vigência do inciso V do § 3º do
art. 120, da Constituição do Estado de Santa Catarina, na redação dada pela
Emenda Constitucional nº 14, de 10.11.1997” (STF, ADI-MC 1.759-SC, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Néri da Silveira, 12-03-1998, v.u. DJ 06-04-2001, p. 66).
Ora,
no quadro constitucional vigente não há dúvida que ao Chefe do Poder Executivo
é conferida a iniciativa legislativa reservada em matéria orçamentária,
abrangendo inclusive a disciplina do processo orçamentário em todas as suas
fases.
Além
disso, no caso em tela, também o poder de emendar o projeto de lei do executivo
é condicionado por parâmetros constitucionais, de tal forma que, além de serem compatíveis
com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, há necessidade
de que indiquem os recursos necessários. Esses, por sua vez, só são admitidos se
provenientes de anulação de despesa. Não é só. Mesmo que sejam provenientes de
anulação de despesa, não podem incidir sobre dotações para pessoal e seus
encargos.
Assim,
considerando que a Emenda impugnada provocou modificação referente ao “Processo
Legislativo”, com aumento de despesa e, além disso, atingiu dotações para
pessoal e seus encargos, fato não negado pela própria Câmara Municipal, em suas
informações, aguardo o julgamento de procedência da presente ação
direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da Emenda
Modificativa n. 02/2007 à Lei Municipal n. 1.110/08, do município de Balbinos.
São Paulo, 2 de abril de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
/md