Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos n. 158.720.0/4-00

Autor: Prefeito Municipal de Catanduva

Objeto de impugnação: Lei Ordinária Municipal n. 4.505, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Colendo Órgão Especial

 

O Prefeito Municipal de Catanduva propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Ordinária Municipal n. 4.505, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva, cujo art. 1º assegura gratuidade no transporte coletivo urbano do município aos prestadores do serviço militar (tiro de guerra), indicando, na inicial, a violação dos arts. 5º, 25, 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Em resumo, a inicial debate-se pela violação do princípio da separação dos poderes; pelo vício de iniciativa; pela ofensa ao art. 25 da Constituição paulista, no que concerne à geração de despesas; pela ofensa ao princípio da igualdade.

Ao despachar a inicial (fls. 25/26), o Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator deferiu a liminar postulada, em face da presença dos requisitos legais do fumus boni iuris e periculum in mora, suspendendo, com efeito ex nunc, a eficácia da lei questionada.

Notificada, a Câmara Municipal prestou informações (fls. 31/75) e sustentou a constitucionalidade da lei.

Notificado, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese segundo a qual a sua intervenção nos feitos desta natureza não é obrigatória, mas sim condicionada à verificação prévia da existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada.

Essa a breve síntese dos autos.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade é procedente.

A lei municipal ora questionada obriga o Executivo a conceder gratuidade do transporte coletivo urbano para os atiradores do Tiro de Guerra.

Essa lei, como se vê, impõe ao Poder Executivo condutas administrativas concretas, invadindo esfera de competência privativa do Prefeito e, em conseqüência, é inconstitucional.

Além disso, ofende o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo, que veda a elaboração legislativa que implique a criação ou o aumento de despesa pública sem que dela conste a indicação dos recursos disponíveis.

À evidência que a lei municipal questionada, dispondo sobre a gratuidade do transporte coletivo urbano para os Atiradores do Tiro de Guerra, interfere em atribuição de caráter técnico – contábil, com reflexos no planejamento e orçamento públicos, próprios da atividade Executiva.

Assim, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

De observa, ainda, que a Lei n. 4.505/2007 também afrontou os princípios da isonomia material e proporcionalidade (art. 111 da Constituição do Estado), pois, de forma irrazoável, previu benefício a determinada categoria, onerando os cofres públicos com despesas públicas sem previsão de receita.

Qual a razão plausível para somente os "prestadores de serviço militar” serem beneficiados com a isenção?

Nota-se, claramente, que a lei em apreço estabelece preferência em favor de alguns e nesse contexto fica claro que a intenção do legislador local foi a de favorecer pessoas; o ato normativo em exame possui destinatários certos.

Diante dessa particularidade presente na lei municipal em apreço, torna-se flagrante a violação do princípio da impessoalidade, que não é senão manifestação típica do princípio da igualdade (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, ob. cit., p. 68). Contudo, olvidou-se o legislador de que a Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, Malheiros, São Paulo, 1995, 3.ª ed., p. 10).

Em excelente artigo sobre o princípio da igualdade, Fábio Konder Comparato anota que “a força desse princípio impõe-se não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a Constituição consagra a igualdade, ela está proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois, de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.” (Cf. “Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica”, Editora Revista dos Tribunais, ano 87, v. 750, abril de 1998, pp. 11/19)

Esclarece o indigitado jurista que esse vício de inconstitucional desigualdade da própria lei pode ocorrer de duas formas. Haverá, de modo absoluto, uma infração ao princípio de igualdade, quando a lei for editada, explícita ou implicitamente, para regular um só caso individual. Diversamente, a desigualdade será relativa, quando a lei determinar, de modo arbitrário, a diferenciação ou a identificação de situações jurídicas, vale dizer, quando tratar desigualmente os iguais ou igualmente os desiguais (ob. e loc. cits.).

. Na esteira desse raciocínio, torna-se forçoso reconhecer que a lei em exame também é incompatível com o princípio da razoabilidade, que pressupõe a adequação entre meios e fins, porquanto o critério eleito pelo legislador, além de ofensivo à isonomia, não guarda nenhuma relação de pertinência lógica ou jurídica com o regime isonômico.

Em face do exposto, opino pela procedência da presente ação, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Ordinária Municipal n. 4.505, de 17 de dezembro de 2007, do Município de Catanduva, tornando, assim, definitiva a liminar inicialmente concedida. 

São Paulo, 9 de  abril de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

Procurador de Justiça no exercício de função

delegada pelo Procurador-Geral de Justiça