Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos n. 158.753.0/4-00

Autor: Prefeito Municipal de Bebedouro

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 3.228, de 5 de novembro de 2002, do Município de Bebedouro

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Colendo Órgão Especial

 

O Prefeito Municipal de Bebedouro propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.228, de 5 de novembro de 2002, do Município de Bebedouro, que dispõe sobre a criação do programa “INTEGRAR” de atividades físico-recreativas destinado às pessoas com necessidades especiais.

Cópia do texto normativo está a fls. 30 dos autos.

A inicial indica a violação dos arts. 25 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Em resumo, a inicial debate-se pela violação do princípio da separação dos poderes e pela ofensa ao art. 25 da Constituição paulista, no que concerne à geração de despesas.

A liminar foi denegada (fls. 132/133), pois, como destacou o Nobre Desembargador Relator, Dr. Henrique Nelson Calandra, a lei foi promulgada em 2002 e ainda não foi regulamentada pelo Poder Executivo.

Notificada, a Câmara Municipal prestou informações (fls. 145/164) e sustentou a constitucionalidade da lei.

O Procurador-Geral do Estado, por sua vez, defendeu a exegese segundo a qual a sua intervenção nos feitos desta natureza não é obrigatória, mas sim condicionada à verificação prévia da existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada (fls. 141/143).

É o breve relato.

O pedido de declaração de inconstitucionalidade é procedente.

A lei municipal impugnada revela inconstitucionalidade, além de outros motivos, ao criar o PROGRAMA INTEGRAR e dispor sobre como e onde serão ministradas as atividades (art. 4º); ao determinar avaliação periódica dos alunos (art. 5º); ao definir o envolvimento de órgãos municipais no planejamento do projeto (art. 6º); ao determinar a contratação de professor e a aquisição de materiais (art. 9º).

A lei municipal ora questionada, de iniciativa parlamentar (fls. 149), afeta a administração do patrimônio público municipal.

Ocorre que essa lei acaba por impor ao Poder Executivo condutas administrativas concretas, invadindo esfera de competência privativa do Prefeito e, em conseqüência, é inconstitucional.

Além disso, ofende o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo, que veda a elaboração legislativa que implique a criação ou o aumento de despesa pública sem que dela conste a indicação dos recursos disponíveis.

À evidência que a lei municipal questionada, embora contenha proposta louvável, peca pelo excesso de comprometer a administração dos bens municipais, sobretudo porque dispõe sobre a utilização de repartições municipais, de funcionários municipais, além de estabelecer formas de ação dos órgãos públicos municipais.

Assim, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

Na organização político-administrativa brasileira, o governo municipal apresenta funções divididas. O Prefeito é o responsável pela função administrativa, que compreende, dentre outras coisas, o planejamento, a organização e a direção de serviços públicos, enquanto que a função básica da Câmara é a legislativa, ou seja, a edição de normas gerais e abstratas de conduta, que devem pautar toda atuação administrativa. 

Como essas atribuições foram preestabelecidas pela Constituição, de modo a prevenir conflitos, qualquer tentativa de um Poder de exercer as atribuições de outro Poder tipifica nítida violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Ao editar lei impondo ações concretas aos órgãos municipais, a Câmara de Vereadores invadiu a esfera de atribuições próprias do Poder Executivo, a quem compete avaliar a conveniência e a oportunidade da adoção dessas medidas, donde caracterizada a violação do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

Ora, à vista do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º), a Câmara não está autorizada a dispor sobre a ação concreta dos órgãos públicos municipais, providência que depende da apresentação de projeto de lei que é de iniciativa reservada ao Prefeito.              

Em face do exposto, opino pela procedência da presente ação, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.228, de 5 de novembro de 2002, do Município de Bebedouro. 

                            São Paulo, 16 de maio de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça