Processo n.º 159.528-0/7-01
Autor: Prefeito
Municipal de Itapeva
Objeto de impugnação: art. 5º e seus incisos, da Lei n.º 2.128/04, de 14 de maio de
2004, do Município de Itapeva.
Colendo Órgão Especial:
Cuida-se de ação proposta pelo Prefeito Municipal
de Itapeva na qual se questiona a validade jurídico-constitucional do art. 5º e seus incisos, da Lei n.º 2.128/04,
de 14 de maio de 2004, do Município de Itapeva, em face dos arts. 5, 24, §2º, n. 1 e 4, 25,
47, inciso XI e 169, da Constituição do
Estado de São Paulo. Ao despachar a
inicial, o Excelentíssimo Desembargador Relator indeferiu o pedido de medida liminar (fls.92/94). Notificada, a Câmara de Itapetininga prestou
informações nos termos regimentais (fls.300/302), defendendo a sua competência
legislativa plena para disciplinar os assuntos de interesse local (CF., art.
30, I), alegando que o móvel da edição da norma está em sintonia com as
disposições legais. O Procurador-Geral do Estado foi citado, e deixou de
defender o ato impugnado, afirmando que o seu conteúdo é de interesse local, fls.
284/286.
Em resumo, é o que consta nos autos.
A presente
ação deve ser julgada procedente.
A Lei Complementar n. 2.128, de 14 de maio de
2004, que “Aprova o Plano Municipal de Educação e dá providências” é
de origem do Poder Executivo. No entanto, por força da emenda n. 004/04, o art. 5º e seus incisos, da referida lei,
passaram a ter a seguinte redação:
“Art.5º -Fica assegurado através de acordo coletivo a ser celebrado
entre os Sindicatos da Categoria, as seguintes garantias:
I-
Estabilidade de emprego para todos os profissionais PEB II
aprovados em concurso público de processo seletivo por 05 (cinco) anos.
II-
Estabilidade de emprego para os Vice- Diretores aprovados em
concurso público de processo seletivo por 05 (cinco) anos.
III-
Estabilidade de emprego para os Professores Auxiliares PEB I aprovados
em concurso público de processo seletivo por 05 (cinco) anos;
IV-
Estabilidade de emprego para os Professores contratados PEB I E
PEB II aprovados em concurso público de processo seletivo por 05 (cinco) anos.
V-
Estabilidade de emprego para todos os servidores concursados.
Vislumbramos afronta aos artigos 5.º, 24, §
2º , 1 e 4, 25, 47, incs. I e II, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo
a saber:
"Art. 5º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 24 - A iniciativa
das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da
Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição (...)
§ 2º - Compete,
exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham
sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
(...)
4 - servidores públicos do Estado, seu
regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis,
reforma e transferência de militares para a inatividade;
(...)
Art. 25 - Nenhum
projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será
sancionado sem que dele conste a
indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.
Art. 47 - Compete
privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta
Constituição:
I - representar o Estado nas suas
relações jurídicas, políticas e administrativas;
II - exercer, com o
auxílio dos Secretários de Estado, a
direção superior da administração estadual;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição."(g.n.)
O
ordenamento jurídico brasileiro, como se sabe, dispõe que o governo municipal é
de funções divididas. As funções administrativas foram conferidas ao Prefeito,
enquanto que as funções legislativas são de competência da Câmara. Administrar
significa aplicar a lei ao caso concreto. Assim, no exercício de suas funções,
o Prefeito é obrigado a observar as normas gerais e abstratas editadas pela
Câmara, em atenção ao princípio da legalidade, a que está pautada toda atuação
administrativa, na forma do art. 111 da Carta Paulista.
Esse
mecanismo de repartição de funções, incorporado ao nosso ordenamento
constitucional, e que teve como principal idealizador o filósofo Montesquieu,
impede a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência
revelou conduzir ao absolutismo[1].
Daí ser vedado à Câmara interferir na prática de atos que são de competência
privativa do Prefeito, assim como a recíproca é verdadeira.
Tamanho
significado apresenta esse sistema de separação das funções estatais, em nosso
ordenamento jurídico, que a própria Constituição, no seu art. 60, § 4.º, inciso
III, cuidou de incorporá-lo ao seu núcleo intangível, ao dispor expressamente
que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
aboli-lo.”
As
regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm
como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o
mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos,
estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos
órgãos (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed.
Saraiva, pp. 111/112).
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada
está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias
confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (ob.
cit., p. 204).
Desatendida
essa exclusividade, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.
Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses
projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las,
por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos
afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar
prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode
delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (em “Direito Municipal
Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs. 544/545).
Esse modelo constitucional é de
observância obrigatória pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da
Constituição Estadual.
O regime
jurídico dos serviços e servidores públicos deve sempre ser regulado por lei
cuja iniciativa é reservada ao Poder Executivo, que tem a incumbência de
planejar, organizar, dirigir e executar os serviços públicos municipais.
A emenda n.004/04, de iniciativa
parlamentar, que ensejou a redação do art. 5º e seus incisos, da Lei n.
2.128/04, do Município de Itapeva, delineou conduta concreta afeta só à
Administração, vale dizer, tratou de regras relativas ao regime jurídico de
servidores públicos municipais, cuja legitimidade só é afeta ao Poder
Executivo, como acima mencionado. As imposições à Administração constantes do
art. 5º e seus incisos da lei inquinada, cuja origem foi do parlamento,
traduzem irremediável ofensa aos princípios da harmonia e independência entre
os poderes, exigindo sua retirado do mundo jurídico pela via eleita pelo
requerente.
Cumpre acrescentar que o preenchimento
da vaga de Vice-Diretor não é precedida da realização de concurso público, pois
trata-se de cargo de provimento em comissão.
Daí porque, não ser possível a garantia
da estabilidade por 05 (cinco) anos prevista no inciso II, do art. 5º da
referida lei.
Por fim, ao garantir a estabilidade aos
Professores e Vice-Diretores por 05 (cinco) anos o art. 5º e seus incisos, da
Lei n. 2. 128/04, criaram despesas ao erário público, sem indicar os recursos disponíveis.
Com efeito, é
nítida a violação dos artigos
5.º, 24,
§ 2º , 1 e 4, 25, 47, incs. I e II, e 144, da Constituição do Estado de
São Paulo.
Em
face do exposto, aguardo o julgamento de procedência desta ação
direta - a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 5º e seus incisos, da Lei n.º 2.128/04,
de 14 de maio de 2004, do Município de Itapeva.
São
Paulo, 11 de setembro de 2008.
MAURÍCIO AGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no
exercício de função delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] Em sua magistral obra “Esprit des lois”, Montesquieu formulou a seguinte advertência: “tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executá-las e o de julgar.”