AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

Autos n. 159.730-0/7-00

Requerente: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Lei Municipal n. 6.956, de 21 de novembro de 2007, de Jundiaí.

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

 

 

 

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo como alvo a Lei Municipal n. 6.956, de 21 de novembro de 2007, do referido Município.

 

         Foi concedida a liminar para a suspensão do ato normativo (fls.19/20), sendo apresentadas informações pelo Presidente da Câmara Municipal (fls. 33/34).

 

         O Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 29/31).

 

         É o breve relato.

 

 

 

 

         A ação direta é procedente.

 

         A Lei Municipal n. 6.956, de 21 de novembro de 2007, de Jundiaí, cujo teor está reproduzido na íntegra a fls. 17, dispõe sobre a obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais e mistos da cidade”, tem a seguinte redação:

 

Art.1º. Em todo condomínio comercial e misto (comercial e residencial),composto de no mínimo 50 (cinqüenta) unidades, dotado de elevador, mesmo automatizado, haverá o ascensorista respectivo.

§ 1º Consideram-se unidades: salas, lojas e apartamentos.

§ 2º O ascensorista terá habilitação profissional prévia.

Art. 2º Ao infrator desta lei aplicar-se-ão as sanções previstas no regulamento desta.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

 

 

         Alega o autor da ação direta, em síntese, que a iniciativa do processo legislativo foi de vereador, com violação da regra de separação de Poderes, bem como a indevida criação de despesa sem indicação da fonte de receita.

 

         É manifesta a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado.

 

         O ato normativo impugnado no caso em exame cria para a Administração Pública Municipal, ou seja, para o Poder Executivo, a obrigação de realizar serviços de fiscalização de suas disposições, determinando, ademais, providências específicas a adotar, no sentido antes exposto. Em outras palavras, a lei estabelece os parâmetros a serem seguidos no exercício de parcela do poder de polícia a cargo do Município.

 

         Para seu cumprimento, deste modo, providências concretas deverão ser adotadas na esfera da Administração Municipal.

 

         Deste modo, tratando-se de diploma de iniciativa do Poder Legislativo, que cria obrigações, e estabelece condutas e procedimentos a serem adotados por órgãos da Administração Municipal, interfere, não há como negar, na esfera da gestão administrativa, que envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução dos atos de governo.

 

         Daí a violação ao princípio contido no art.5º da Constituição do Estado de São Paulo, que reproduz a regra do art.2º da Constituição Federal.

 

         Não bastasse tal conclusão, em casos como o presente esse Colendo Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade da norma com fundamento no art.25 da Constituição do Estado. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

 

         A inconstitucionalidade também decorre da violação ao art. 144 da Lei Maior paulista, que determina aos municípios o necessário respeito aos princípios estabelecidos na Constituição Federal.

 

            É ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

 

         O legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, impondo ao Poder Executivo a implementação de serviços de fiscalização.

 

         Em que pese a relevante intenção do parlamentar que apresentou originariamente referida propositura, o fato é que ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional.

 

         Referido diploma, na prática, criou obrigação para a administração local, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

 

         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

         Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

 

         Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme a ementa do julgado a seguir transcrita:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9.882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).

 

         Diante do exposto, o parecer é no sentido da declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 6.956, de 21 de novembro de 2007, de Jundiaí.

 

São Paulo, 25 de abril de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça