AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo
nº160.027-0/1-00
Autor:
Prefeito Municipal de Franca
Objeto:
Lei Municipal 6505, de 13 de fevereiro de 2006, de Franca.
Ementa: 1)Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Isenção do
recolhimento de taxa, para fins de inscrição em concurso público, para
pessoas de baixa renda familiar e portadores de necessidades especiais.
2)Matéria reservada à gestão administrativa. Violação do princípio da
separação de poderes (art.5º, 47 II, 144 da Constituição do Estado). 3)Inconstitucionalidade reconhecida. |
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Relator
Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade tendo como alvo a Lei Municipal 6505, de 13 de fevereiro
de 2006, de Franca, tendo como fundamentos: (a) iniciativa reservada do Chefe
do Executivo para edição de leis tributárias benéficas; (b) violação do
princípio da separação de poderes.
Foi deferida a liminar, determinando-se
a suspensão do ato normativo impugnado (fls.122/123).
Citado o Senhor Procurador-Geral do
Estado, declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls.131/133).
A Presidência da Câmara Municipal
prestou informações (fls.136/143), sustentando a validade da lei questionada
nesta ação direta.
Este é o breve relato do que consta dos
autos.
1)Do ato normativo impugnado.
A
Lei Municipal 6505, de 13 de fevereiro de 2006 de Franca, de iniciativa
parlamentar, que conforme respectiva rubrica, “dispõe sobre a isenção da taxa de inscrição nos concursos públicos,
realizados pela Prefeitura Municipal de Franca, aos candidatos de baixa renda
familiar ou portadores de necessidades especiais”, tem a seguinte redação:
“Art.1º. Ficam
isentos do pagamento da taxa de inscrição nos concursos públicos realizados
pela Prefeitura Municipal de Franca os candidatos que comprovarem o
preenchimento de, pelo menos, um dos seguintes requisitos:
I – renda
familiar igual ou inferior ao valor correspondente a catorze Unidades fiscais
do Município de Franca (UFMF) por pessoa;
II – ser portador de necessidades especiais.
Art.2º. É
necessário que o candidato apresente no ato da inscrição, conforme o caso:
I –
comprovação de renda familiar;
II – laudo
médico comprovando ser portador de necessidades especiais.
Art.3º. A
informação sobre isenção de que trata esta lei deverá constar,
obrigatoriamente, do respectivo edital de concurso público a ser efetivado,
assim como nos avisos, instruções e demais procedimentos relativos ao ato.
Art.4º. Esta
lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.”
Contudo, o ato normativo é verticalmente incompatível
com a nossa sistemática constitucional, como será demonstrado a seguir.
2)Violação do princípio da separação de
poderes.
Em primeiro lugar, com a devida vênia,
não nos parecer correto afirmar que a hipótese examinada nestes autos – lei de
iniciativa parlamentar que concede isenção do recolhimento de taxa para fins de
inscrição em concurso público – seja de iniciativa reservada ao Chefe do Poder
Executivo.
As matérias cuja iniciativa legislativa
cabe apenas ao Executivo são expressamente previstas no art.24 da Constituição
Paulista, entre as quais não se encontra aquela tratada no ato normativo aqui
examinado.
Ademais, já pacificou o E. STF o entendimento
de que as hipóteses de iniciativa reservada, como se referem a direito estrito,
devem ser interpretadas restritivamente (Nesse sentido, v.g.: MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97,
DJ de 7-12-06).
Entretanto, no caso em exame houve
violação do princípio da separação de poderes, que decorre dos art.5º caput, 47 II, e 144 da Constituição do
Estado de São Paulo.
É
ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, acolheu iniciativa parlamentar concedendo benefício de isenção de
recolhimento de taxa para inscrição em concurso público a determinado grupo de
pessoas (pessoas de baixa renda e portadores de necessidades especiais).
Em que pese a positiva intenção do
parlamentar que apresentou originariamente referida propositura, o fato é que
ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é
inconstitucional.
Referido diploma, na prática, criou
programa assistencial, invadindo a esfera
da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração;
a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em
atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o
Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que
deve existir entre os poderes estatais.
Ademais,
em casos como o presente, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da
despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2,
38.977.0/0).
3)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da presente ação direta,
com a declaração da
inconstitucionalidade da Lei Municipal 6505, de 13 de fevereiro de 2006, de
Franca.
São Paulo, 03 de abril de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de Justiça
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça