AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 160.032-0/4-00
Requerente :
Prefeito do Município de Franca
Requerida :
Câmara Municipal de Franca
Objeto :
Lei n.º 6.709, de 13 de novembro
de 2006
Ementa: Lei municipal de iniciativa parlamentar que dispõe
sobre obrigatoriedade de instalação de geradores de senha em pronto socorro.
Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública.
Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo
Órgão Especial
Senhor
Desembargador Relator
O
Prefeito Municipal de Franca propôs esta
ação direta objetivando a declaração
de inconstitucionalidade da Lei n.º 6.709, de 13 de novembro de 2006, que ''dispõe sobre a instalação de geradores de
senha para atendimento dos usuários do Pronto Socorro de referência, Dr. Janjão
e do Pronto Socorro Infantil Dr. Magid”. A Câmara Municipal não forneceu
suas informações e a D. Procuradoria-Geral do Estado não se manifestou sobre o
mérito (fls. 134/136). Houve o deferimento liminar do pedido (fls. 123/125).
Entendemos
que a ação deva ser julgada procedente.
Há
que se aduzir desde logo que a Lei em questão é de iniciativa de Vereador, tendo sido vetada pelo Executivo, veto este derrubado pela Câmara. Vislumbramos
afronta aos artigos 5.º, 47, incs. I e II, e 144, da Constituição do Estado de
São Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador,
além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
I - representar o Estado nas suas relações
jurídicas, políticas e administrativas;
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da administração
estadual;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição."(g.n.)
A
administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e
que tem na lei seu mais relevante
instrumento,[1]
participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2].
Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento
de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. Os
serviços públicos, o gerenciamento das vias públicas e eventuais benefícios a
determinadas classes de pessoas, ainda que se entenda louvável o intuito, não
podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida
ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.
A
referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar, e que acabou sendo
promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara Municipal (fls. 22/23), mesmo
diante do veto total apresentado pelo Prefeito Municipal. Enfatizamos que
também o gerenciamento das atividades administrativas no município é
competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e
recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração
pública. Assim sendo, por inserir vício
de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da
Constituição do Estado de São Paulo.
Com
efeito, a lei impugnada compele o órgão de gerenciamento da saúde a tarefa de
instalar geradores de senhas, sem que se saiba se essa é, efetivamente, a
medida mais adequada. Trata-se evidentemente de matéria referente à
administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que
atuará nesse campo com absoluta independência.
Sobre
o tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode
praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização
especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos
aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas
ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para
atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e
serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]
Demais
disso, a Constituição Estadual comete ao Executivo a tarefa de organizar a
Administração, vedando a geração de despesas não previstas por leis de
iniciativa parlamentar. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória
pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.
Resta
dizer que este Egrégio Tribunal de Justiça, na ADI nº 152.965-0/8-00, da
relatoria de V. Exa., julgada em 5 de março de 2008, assim decidiu:
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei nº. 6.509/06 do Município de Franca, dispondo sobre
a criação do Programa ‘Férias Ativas’, a ser desenvolvido no período de recesso
escolar e de férias nas escolas municipais. Norma de iniciativa parlamentar.
Matéria relativa à organização administrativa e execução de serviços públicos.
Atribuição exclusiva do Prefeito. Juízo de oportunidade e conveniência. Despesas
não previstas. Ofensa ao princípio da separação de poderes. Ação julgada
procedente.”
Assim
sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na
matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é
pela procedência da ação, para que
seja declarada inconstitucional a Lei
n.º 6.709, de 13 de novembro de 2006, do Município de Franca.
São Paulo, 22 de abril de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
[1] Christian Starck.
'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979,
pág.73.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo'
do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente
excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios
(investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração
normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.