AÇÃO   DIRETA  DE  INCONSTITUCIONALIDADE  N.º  160.033-0/9-00

Requerente   :    Prefeito do Município de Franca

Requerida     :    Câmara Municipal de Franca

Objeto           :    Lei n.º  6.907, de 20 de agosto de 2007

 

 

 

Ementa: Lei municipal de iniciativa parlamentar que dispõe sobre obrigatoriedade de instalação de placas em repartições públicas, informando sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

 

 

                                                         O Prefeito Municipal de Franca propôs esta ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 6.907, de 20 de agosto de 2007, que ''dispõe sobre a afixação de placas nas repartições públicas municipais, informativa do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA”. A Câmara Municipal forneceu suas informações (fls. 131/137) e a D. Procuradoria-Geral do Estado não se manifestou sobre o mérito (fls. 146/148). Houve o deferimento liminar do pedido (fl. 127).

 

                                                         Entendemos que a ação deva ser julgada procedente.

                                                           

                                                         Há que se aduzir desde logo que a Lei em questão é de iniciativa de Vereador, tendo sido vetada pelo Executivo, veto este derrubado pela Câmara. Vislumbramos afronta aos artigos 5.º, 47, incs. I e II, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo a saber:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

I - representar o Estado nas suas relações jurídicas, políticas e administrativas;

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."(g.n.)

 

                                                         A administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1] participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. As informações determinadas na lei, embora possam trazer eventuais benefícios a determinadas classes de pessoas e ainda que se entenda louvável o intuito, não podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.

 

                                                         A referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar, e que acabou sendo promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara Municipal (fls. 23/58), mesmo diante do veto total apresentado pelo Prefeito Municipal. Enfatizamos que também o gerenciamento das atividades administrativas no município é competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                                         Com efeito, a lei impugnada compele a Prefeitura a afixar placas informando da vigência do estatuto da Criança e do Adolescente, providência desnecessária e inócua, na medida em que o respeito aos ditames dessa lei, e de resto, de todas as demais, é obrigação de todos num Estado de Direito. Ademais, se fosse necessário afixar placas informando da vigência de cada uma das leis, certamente faltaria espaço. Fosse o caso, seria do Executivo a iniciativa da providência, por se tratar de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito, que atuará nesse campo com absoluta independência.

 

                                                         Sobre o tema ensina Hely Lopes Meirelles:

“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]

 

                                                         Demais disso, a Constituição Estadual comete ao Executivo a tarefa de organizar a Administração, vedando a geração de despesas não previstas por leis de iniciativa parlamentar. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.

 

                                                         Assim sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é pela procedência da ação, para que seja declarada inconstitucional a Lei n.º 6.907, de 20 de agosto de 2007, do Município de Franca.

São Paulo, 22 de maio de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça



[1] Christian Starck.  'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979, pág.73.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indiriz­zo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Po­der governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.

[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.