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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos n. 160.164.0/6

 

Autor: Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos do Estado de São Paulo - SEGRESP

 

Objeto: Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

                  O Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos do Estado de São Paulo – SEGRESP ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, sustentando que o Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007, do Prefeito do Município de Rio Claro, fere o disposto nos artigos 19, 120 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. O requerente alega que o decreto incide sobre matéria cuja competência é privativa da União, ao exigir a guarda de veículos rebocados, resgatados ou guinchados nos limites do Município.

                   Aduz a inicial que é absurda a regulamentação do art. 5º, III, do decreto que regulamenta a venda de veículos apreendidos e que estão sob custódia do Estado, em leilão. Prossegue questionando diversos outros dispositivos legais.

O ato normativo questionado está reproduzido a fls. 116/121.

                   Solicitadas informações, o Sr. Prefeito Municipal manifestou-se a partir de fls. 149.

                   A Procuradoria Geral do Estado não manifestou interesse no feito (fls. 460/462).

                   É uma breve síntese.

                   É admissível ação direta de inconstitucionalidade em relação a “leis ou atos normativos” (CF, art. 125, § 2º.; CE, art. 90, caput). No caso presente, o decreto impugnado é ato nitidamente de caráter normativo, apresentando a característica da generalidade, indispensável para viabilizar o controle concentrado de constitucionalidade.

               Como se sabe, decretos, em princípio, não se expõem ao controle normativo abstrato. De fato, segundo a orientação que emana do Supremo Tribunal Federal, os atos normativos secundários, necessariamente subordinados a preceitos legais e destituídos, por isso, de autonomia jurídica, não se sujeitam à fiscalização abstrata de constitucionalidade (cf. Adin-MC-311-DF, j. em 08.08.90, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 14.09.90, p. 9.423; Adin-MC-360-DF, j. em 21.09.90, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 26.02.93, p. 2.354; Adin-MC-392-DF, j. em 20.06.91, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJU de 23.08.91, p. 11.264, RTJ 137/75, entre outros).

               Contudo, o Pretório Excelso, excepcionalmente, tem admitido o controle concentrado de constitucionalidade quando o decreto, “no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta lei, apresentando-se, assim, como decreto autônomo, o que dá margem a que seja ele examinado em face diretamente da Constituição no que diz respeito ao princípio da reserva legal” (Cf. Adin-MC 708-DF, j. em 22.05.92, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 07.08.92, p. 11.778, RTJ 142/718).

               Há previsão, na Constituição Federal, da competência do poder regulamentar (artigo 84, inciso IV), garantindo que o Executivo detenha, como o Legislativo, o poder normativo, ainda que de modo secundário, sendo regra obrigatória de conduta, de força análoga da lei, mas com ela não se confunde, já que deve estar relacionado a uma lei anterior, — que traga simplesmente princípios básicos e genéricos —, explicitando seu conteúdo, em seu fiel atendimento.

               Excepcionalmente e em matéria organizativa, admite-se o chamado regulamento autônomo, independente de lei prévia, que encontra limites na Constituição Federal, podendo, assim, ser objeto da análise de sua inconstitucionalidade, em respeito à hierarquia normativa.

               E esta é a hipótese dos autos, em que o Decreto Municipal questionado, de modo autônomo, cria regras a respeito do serviço de remoção de veículos no Município de Rio Claro.

               Daí a possibilidade de controle no caso em tela. Firme nesse sentido é a posição do Supremo Tribunal Federal, como se vê do seguinte exemplo:

               A noção de ‘ato normativo’, para efeito de controle de constitucionalidade, pressupõe, além de sua autonomia jurídica, a constatação do seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade, elementos que lhe conferem aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos, estatais ou individuais, futuros” (ADI 587-MG, Questão de Ordem, rel. Min. Celso de Mello, j. 7.11.91).

               Firmada a possibilidade de controle, no mérito tem razão o requerente quando sustenta a inconstitucionalidade do decreto municipal. Vejamos.

               O art. 1º do Decreto Municipal n. 8.065 estabelece que “o serviço de remoção de veículos em todo território do Município de Rio Claro, (...) será de responsabilidade do Município, que delegará a execução dos serviços por intermédio de permissão”. Por sua vez, o art. 9º prevê a venda em leilão público do veículo apreendido. Em seguida, o art. 11 estabelece a tabela para a remoção de veículos.

               As referências foram exemplificativas, mas pretenderam demonstrar que o decreto municipal ora questionado disciplinou a questão da retenção de veículos.

               Por isso, o conteúdo do decreto viola o artigo 144 da Constituição de São Paulo, que remete ao artigo 30 da Constituição Federal. Segundo este, os Municípios só poderão legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I).

               Não é o que se vê no decreto do Prefeito de Rio Claro, que avançou em matéria estranha à sua competência. As novas disposições criadas são de interesse geral, dos cidadãos de qualquer região do País, porquanto a todos interessam as regulamentações de trânsito. Tanto é assim que a Constituição Federal, no artigo 22, XI, restringe à União a competência para legislar sobre “trânsito e transporte”.

              Por outro lado, as regras relativas à retenção de veículos já estavam previstas no Código de Trânsito Brasileiro (artigos 270 e 271). Este dispositivo – o artigo 271 do CTB – determina que o veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via. Em outras palavras: a circunscrição sobre a via não pode ser confundida com a extensão do Município.

              Vê-se que o Decreto Lei Municipal questionado não suplementa a legislação federal, mas sim a altera.

              Ocorre o mesmo em relação à legislação estadual. É que a Lei Estadual nº 7.645/91 já dispunha sobre a taxa de fiscalização e serviços diversos, nestes incluído o rebocamento de veículo (tabela “c”,a nexa à Lei mencionada).

               Para Pinto Ferreira, a expressão “interesse local” se refere a “matérias específicas dos Municípios” (Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo, Saraiva, 1990,. p. 2/277). Comenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que “o texto em estudo refere-se a 'interesse local' e não mais a 'peculiar interesse'. Forçoso é concluir, pois, que a constituição restringiu a autonomia municipal e retirou de sua competência as questões que, embora de seu interesse também, são do interesse de outros entes” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 1/218).

               Especificamente sobre legislação em matéria de trânsito, observa Hely Lopes Meirelles: “De um modo geral, pode-se dizer que cabe à União legislar sobre os assuntos nacionais de trânsito e transporte, ao Estado-membro compete regular e prover os aspectos regionais e a circulação intermunicipal em seu território, e ao Município cabe a ordenação do trânsito urbano, que é de seu interesse local (CF, art. 30, I e V). (...) Na competência do Município insere-se, portanto, a fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, e tudo o mais que afetar a vida da cidade” (Direito municipal brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 417 e 419). Diógenes Gasparini também comenta: “No que respeita à competência legislativa do Município, em matéria de trânsito, podemos afirmar, seguramente, não se tratar de matéria de interesse local, haja vista ter sido reservada expressamente e de forma privativa, à União, consoante dispõe o art. 22, inc. XI, da Constituição da República. (...) Com efeito, nas responsabilidades legislativas privativas da União, só se admite, excepcionalmente, a atuação dos Estados e Municípios, mediante lei complementar e, mesmo assim, sobre questões específicas, conforme faculta o parágrafo único, do art. 22, do Estatuto Supremo” (Revista de Direito Administrativo, nº 212, abril/junho, 1998, pp. 175-194).

               Reitere-se: como o decreto municipal não é de interesse específico ou exclusivo dos moradores de Rio Claro, não detém o Município –por meio de qualquer de seus Poderes– competência para cuidar da matéria.

               Opino, portanto, pela procedência do pedido, declarando-se a inconstitucionalidade do Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007.

São Paulo, 24 de abril de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos n. 160.164.0/6

 

Autor: Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos do Estado de São Paulo - SEGRESP

 

Objeto: Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

                  O Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos do Estado de São Paulo – SEGRESP ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, sustentando que o Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007, do Prefeito do Município de Rio Claro, fere o disposto nos artigos 19, 120 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

                   O Ministério Público, pelo Procurador de Justiça que atua no exercício de função delegada pelo Procurador-Geral de Justiça, já se manifestou sobre o mérito da ação, a fls. 464/468.

                   Todavia, ante a juntada de documento novo, determinou-se (fls. 508/508vº) nova manifestação, em função da juntada de documento novo.

                   É o breve relatório.

                   O documento trazido aos autos não altera o posicionamento do Ministério Público, considerando-se que o conteúdo do decreto viola o artigo 144 da Constituição de São Paulo, que remete ao artigo 30 da Constituição Federal. Segundo este, os Municípios só poderão legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I).

                   Registre-se que esse Colendo Órgão Especial, nos autos da Ação Direta de n. 130.227-0/0-00, por votação unânime, declarou a inconstitucionalidade de lei municipal de conteúdo idêntico ao do decreto sindicado na presente ação.

                   Em face do exposto, requer-se a juntada aos autos de cópia do V. Acórdão proferido na ação mencionada no item anterior, e, quanto ao mérito, aguarda-se a procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do Decreto Municipal n. 8.065, de 16 de outubro de 2007.

São Paulo, 27 de junho de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça