Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 160.374.0/4-00

Autor: Prefeito Municipal de Laranjal Paulista

Objeto de impugnação: Art. 21, do Anexo X, da Lei Complementar n. 85, de 12 de dezembro de 2007

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

                  

                   A presente ação direta foi ajuizada para sindicar o art. 21, do Anexo X, da Lei Complementar n. 85, de 12 de dezembro de 2007, do município de Laranjal Paulista.

                   A Lei Complementar n. 85 resultou de Projeto (fls. 18 e s.) encaminhado pelo Sr. Prefeito Municipal para dispor, em síntese, sobre a Reorganização da Estrutura Administrativa. Durante o processo legislativo, foi proposta a Emenda n. 24/2007, decorrente de iniciativa parlamentar (fls. 115/116), que, aprovada, acabou resultando no dispositivo legal questionado na presente ação direta.

                   Registre-se que o Anexo X (fls. 78 e s.) dispõe sobre o Regulamento da Guarda Civil Municipal de Laranjal Paulista. O dispositivo legal questionado estabelece o seguinte:

A secretaria de Segurança Pública e Trânsito e o Departamento de Coordenação de Segurança e Trânsito não poderá ser exercido por funcionários, em atividade da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado de São Paulo, devendo necessariamente ter desempenhado função policial no mínimo por 10 (dez) anos, não possuir antecedentes criminais e nada havendo que o desabone.

 

                  No entender do autor da ação, o estabelecimento de condições para o exercício da função junto à Secretaria de Segurança e Trânsito não poderia decorrer de lei de iniciativa parlamentar. Além do vício de iniciativa, argumenta o Sr. Prefeito Municipal que houve ofensa aos arts. 5º, caput, 24, § 2º, “1”, “2” e “4”, 47, VI, 111, 115, II e V, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

                   O pedido de liminar foi apreciado pelo Nobre Desembargador Relator, Dr. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, que a deferiu ao concluir que: “Na medida em que o parágrafo único do art. 21 do Anexo X da Lei n. 85/2007, que resultou da emenda n. 24/2007 da Câmara Municipal, estabelece condições, uma negativa e outra positiva, para o exercício da chefia da Secretaria de Segurança e Trânsito (a redação é sofrível, mas permite inferir o exato conteúdo), afronta, a princípio, existe ao já mencionado artigo 24 da Constituição do Estado, em seu preciso item 4, que dispõe competir, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa de leis que disponham sobre ‘servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade’”.

                   Notificada, a Câmara Municipal prestou informações nos termos regimentais (fls. 333/337), defendendo a constitucionalidade do ato normativo. Juntou os documentos de fls. 339/346.

                   Citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação do texto normativo impugnado, ausente neste caso (fls. 351/353).

                   É o breve relato.

                   O pedido inicial é procedente.

                   Com efeito, impõe o questionado dispositivo legal, de iniciativa parlamentar, condições para o exercício de cargo em comissão que extrapolam a competência legislativa da Câmara Municipal.

                   Por isso, o dispositivo legal questionado é verticalmente incompatível com a regra da iniciativa reservada e com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Na organização político-administrativa brasileira, o governo municipal apresenta funções divididas. O Prefeito é o responsável pela função administrativa, que compreende, dentre outras coisas, o planejamento, a organização e a direção de serviços públicos, enquanto que a função básica da Câmara é a legislativa, ou seja, a edição de normas gerais e abstratas de conduta, que devem pautar toda atuação administrativa. 

Como essas atribuições foram preestabelecidas pela Constituição, de modo a prevenir conflitos, qualquer tentativa de um Poder de exercer as atribuições de outro Poder tipifica nítida violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Ao editar lei que restringe o poder de nomeação do Sr. Prefeito, em relação ao cargo criado, a Câmara de Vereadores invadiu a esfera de atribuições próprias do Poder Executivo, donde caracterizada a violação do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

Com efeito, à vista do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º), a Câmara não está autorizada a limitar o poder de nomeação do Prefeito.

 Assim, por força da emenda parlamentar, desfigurou-se o projeto do Executivo, violando-se a regra da iniciativa reservada do Prefeito, nos termos do disposto no art. 24, § 2.º, 2, da Constituição Paulista.                   

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, que:

 

São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

Por sua vez, o art. 47, II, da Carta Constitucional paulista veicula princípio de observância obrigatória aos municípios:

 

Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...) exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual (...).

 

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].

Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

                   Em tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do art. 21, do Anexo X, da Lei Complementar n. 85, de 12 de dezembro de 2007, do Município de Laranjal Paulista.

 

                            São Paulo, 30 de maio de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 



[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.