(Parecer do Ministério
Público Estadual)
Processo nº 160.984-0/8-00
Autor: Prefeito
Municipal de Severínia
Objeto de impugnação: Lei Municipal nº 003/2006,
do Município de Severínia, originada do Projeto de Lei n.1.809, de 06 de
outubro de 2006
Colendo Órgão Especial:
1.- Cuida-se de ação proposta
pelo Prefeito Municipal de Florinea na qual se questiona a validade
jurídico-constitucional da Lei Municipal nº 003/2006, do Município de
Severínia, originada do Projeto de Lei n.1.809, de 06 de outubro de 2006,
em face do art. 5º; do art. 24, § 2º, ‘1’ e 144, todos da Constituição do
Estado de São Paulo, sob a alegação de que referida norma, de iniciativa parlamentar, cuida de matéria
alusiva a contratação de servidores,
afeta ao Poder Executivo com exclusividade. 2.- A
suspensão liminar foi negada, fls. 210/211. 3.- Notificada, a
Câmara Municipal de Severínia prestou as
informações nos termos regimentais (fls.228/230), defendendo a competência do Poder Legislativo
para legislar sobre o tema constante da lei impugnada, sobretudo para inserir
norma moralizadora e de combate ao nepotismo no serviço público municipal, o
que se espera do legislador e do administrador. Juntou os documentos de fls.231/240.
4.- A Procuradoria Geral do Estado
foi citada para manifestar nos termos
do art. 90, § 2º da CE, esclarecendo sobre seu desinteresse concreto na defesa
da lei em pauta (fls. 224/226), pelo nítidos contornos meramente locais das normas
nela contidas.
Em resumo, é o que consta nos autos.
Sem preliminares a apreciar.
De
outra parte, não se observa vício formal
e nem vício material na lei do Município de Severínia que demande controle
concentrado de constitucionalidade . Assim,
a despeito das alegações fáticas e argumentações jurídicas constantes na
inicial, a norma municipal ora impugnada
não vulnera a Constituição do Estado de São Paulo e a presente ação é improcedente.
Leciona
Oswaldo Luiz Palu, in: Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e
Efeitos. São Paulo. RT, 2ª ed. P. 217/218 “(...) a desconformidade dos atos
normativos com o seu parâmetro pode ocorrer em decorrência de vícios formais, que são aqueles que incidem
sobre o ato normativo em si, independentemente de seu conteúdo, ou em
decorrência de vícios materiais, que incidem sobre o conteúdo normativo do
ato. Terá reflexos tal distinção na questão da inconstitucionalidade parcial,
sendo que os vícios formais tornam inconstitucional toda a disposição, enquanto
que os vícios materiais podem deixar válidas partes não afetadas do texto. A
inconstitucionalidade é o vício, pressuposto da sanção, que será a nulidade”.
Leis da natureza e para os fins preconizados
nas normas da Lei Municipal n. 003/2006, do Município de Severínia, podem ser editadas a partir de projetos de
iniciativa parlamentar, conforme dispõe a Constituição e, no caso presente
cuidou de matéria de sua competência, teve sua tramitação com observância do
devido processo legislativo, acabando aprovada, promulgada após rejeição de
veto e publicada. Não houve, pois, nenhum vício formal que a inquinasse de
inconstitucional. Também no aspecto material, como se verá, a referida lei não
padece da necessidade de controle abstrato, visto que não ofende frontalmente a
Constituição Bandeirante e está apta a permanecer no mundo jurídico. Neste
passo ensina Carlos Maximiliano, citado no r. despacho denegatório da
liminar à fls. 38 “os
tribunais só declaram a inconstitucionalidade de leis quando esta é evidente,
não deixa margem a séria objeção em contrário”.
Em caso análogo, que tinha por objeto lei que
instituiu a proibição de nepotismo (Proc. n. 082.567.0/7-00), a
Procuradoria-Geral de Justiça emitiu o seguinte parecer:
“...ao estabelecer a proibição de nepotismo, a
Câmara agiu nos limites de sua competência para legislar sobre assuntos de
interesse local (CF., art. 30, I), e com respaldo na Constituição, que erigiu a
moralidade como princípio uno da
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes dos Municípios
(CF., art. 37; CE., art. 111).
Na conceituada lição de Lúcia
Valle Figueiredo (Cf. “Curso de Direito Administrativo”, Malheiros, São Paulo,
1995, 2.ª ed., p. 49), o princípio da moralidade corresponde “ao
conjunto de regras de conduta da Administração que, em determinado ordenamento
jurídico, são consideradas os ‘standards’
comportamentais que a sociedade deseja e espera” e os seus efeitos são
extensivos a todos os “poderes ou funções do Estado” (Cf. Marcelo
Figueiredo, “O Controle da Moralidade na Constituição”, Malheiros, São Paulo,
1999, p. 120).
A
nomeação de parentes para o exercício de cargos ou funções de confiança - que
constitui prática muito comum no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário – é vista com enorme desconfiança pela população de nosso país. Isso
porque, as nomeações desta natureza geralmente são voltadas à satisfação de
interesses privados e no mais das vezes espúrios, colocando em segundo plano o
interesse público.
Reportagem
publicada em jornal de grande circulação (“O Estado de São Paulo”, Caderno de
Política, 16.9.2000) - cujo trecho reproduzo a seguir – dá bem a exata dimensão
do problema.
“O custo do nepotismo na Câmara Municipal
de São Paulo desde 1997 foi de pelo menos R$ 7,7 milhões. O levantamento foi
feito pelo Estado a partir de dados do Diário Oficial do Município e do valor
salarial mínimo pago pelos vereadores a 85 parentes que ocuparam ou ocupam funções
nos gabinetes.
Como não foram computadas as gratificações,
que são regra na Casa, o total desse "empreguismo" pode chegar a R$
12,24 milhões - quantia mais próxima da despesa provável.
O valor das gratificações não foi
calculado porque as cifras exatas dos salários não poderiam ser obtidas com
acesso a todos os holerites. Como isso não é possível, levou-se em conta o
"menor salário", na teoria, pago a cada funcionário, conforme informações
oficiais da Câmara.
............................................
Como a escolha dos funcionários
beneficiados é do parlamentar, a tendência é que, no caso de nepotismo, os
parentes sejam os beneficiados com os maiores acréscimos. Com tudo somado,
deve-se ainda acrescentar um terço sobre o total - gratificação obrigatória. Em
alguns casos, após tantas verbas adicionais, o salário chega a aumentar 500% em
relação ao inicial.’
Exemplos
como este da Câmara Municipal de São Paulo são frequentes e justificam a adoção
de meios legais que permitam limitar o direito à livre nomeação para o exercício
de cargos, empregos ou funções de confiança, coibindo-se assim eventuais abusos
ou excessos que possam resultar da interpretação liberal do dispositivo
constitucional que autoriza esse tipo de nomeação, resguardando-se a moralidade
e a probidade administrativas.
Nesse
contexto, afigura-se louvável a iniciativa da Câmara Municipal de Anhembi de
proibir a contratação de parentes para o exercício de cargos ou funções de
confiança, afastando-se “os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as
repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos
de políticos (....)”, como bem acentuou Hely Lopes Meirelles (Cf. “Direito
Administrativo Brasileiro”, RT, 16. ed., p. 370).
Demais
disso, como bem lembrado pelo Legislativo local, se a Constituição proíbe
expressamente o titular de mandato eletivo de manter contrato com entidades ou órgãos
da administração pública direta e indireta (CF., art. 54, I, “a”; CE., art. 15,
I, “a”) o que dirá, então a nomeação de parentes para o exercício de cargo de
confiança, ante a identidade de situações.
Há algum tempo, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL examinou - em caráter liminar - norma constitucional estadual de conteúdo idêntico à impugnada nestes autos, prevalecendo, naquela oportunidade, e por votação majoritária, o entendimento segundo o qual que a norma acima referida é compatível com a Constituição. Desse julgamento cabe destacar significativa passagem do Voto proferido pelo insigne Min. Marco Aurélio, “verbis”:
“Tantas têm sido as iniciativas
objetivando coibir abusos notados no preenchimento de cargos em comissão: por
vezes, são parentes de autoridades do primeiro escalão que efetuam concurso público
para ocupação de cargos de menor importância, inclusive os situados na base da
pirâmide hierárquica, para, a seguir, à mercê de apadrinhamento revelador de
nepotismo, chegarem a cargos de maior ascendência, quer sob o ângulo da
atividade desenvolvida, quer considerada a remuneração; outras vezes, ocorre a
nomeação direta para o cargo em comissão, surgindo, com isso, em detrimento do
quadro funcional que prestou concurso, aqueles que se diferenciam, em dose
elevada, pelo chamado ‘QI’ (sigla irônica que resume a expressão ‘quem
indica’). A origem dessa situação é remota, com razões fincadas no período da
colonização. A par desse aspecto, tem-se ainda o desvirtuamento das próprias
funções, de vez não raro dá-se a investidura para o exercício de funções que,
na realidade, não se fazem compatíveis com a nomeação para cargos em comissão.
A Carta de 1988
homenageia, com tintas fortes, o princípio isonômico. Além da regra geral do
artigo 5º, tem-se ainda a específica, reveladora de que os cargos, empregos e
funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei, devendo a
investidura, excetuada a hipótese de cargo em comissão assim declarado em lei,
ser precedida do concurso público de provas e de provas e títulos. A cultura
brasileira conduziu o Constituinte de
[...]
Com a Emenda Constitucional n.º 12, a Carta do Rio Grande do Sul, rendeu-se
homenagem aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
isonomia e do concurso público obrigatório, em sua acepção maior. Enfim,
atuou-se na preservação da própria res
publica. A vedação de contratação de parentes para cargos comissionados
- por sinal a abranger, na espécie, apenas os cônjuges, companheiros e parentes
consangüíneos, afins ou por adoção até o segundo grau (pais, filhos e irmãos) -
a fim de prestarem serviços justamente onde o integrante familiar despontou e
assumiu cargo de grande prestígio, mostra-se como procedimento inibidor da prática
de atos da maior repercussão. Cuida-se, portanto, de matéria que se revela
merecedora de tratamento jurídico típico - artigo 39, da Carta de
Como se vê
o Pretório Excelso extraiu da análise sistemática do texto da Constituição em
vigor a exegese segundo a qual a norma constitucional estadual que impõe a
proibição da prática do nepotismo está em harmonia com as diretrizes básicas
desta Carta, não vislumbrando qualquer vício de forma apto a macular a
iniciativa da Assembléia Estadual em limitar – por meio de norma geral endereçada
indistintamente aos Poderes estaduais – a nomeação para o exercício de cargos,
empregos ou funções de confiança.
No referido julgamento, aliás,
houve até consenso quanto ao aspecto moralizador da proibição de nepotismo,
divergindo a Augusta Suprema Corte apenas quanto aos limites da vedação imposta
a essa prática, em especial da situação dos servidores titulares de cargos de
provimento efetivo, ante o entendimento minoritário de que a norma
constitucional estadual não poderia impedir a nomeação destes últimos para o
exercício de cargos de confiança, em atenção ao disposto no art. 37, V, da
Constituição Republicana.
No ponto em que interessa para o
deslinde da presente ação, porém, vale registrar que a Suprema Corte
posicionou-se no sentido que não há reserva de iniciativa sobre essa matéria em
favor do Executivo e que a proibição legal da prática de nepotismo é medida de
caráter moralizador e baseada em diretrizes impostas na Carta Magna, em
contraste com o entendimento do ilustre subscritor da inicial, o qual,
portanto, não reúne condições de prevalecer.
De
fato, como bem observou o Min. Celso de Mello, em trecho do lapidar voto
proferido na ADIn MC 1.521, ‘quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos
não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida.
O nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do
Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade
e da moralidade administrativa’.
E, na esteira desse raciocínio,
torna-se necessário acrescentar que, inexistindo ofensa ao postulado constitucional
da iniciativa reservada, não se pode falar, a fortiori, em usurpação de atribuições próprias da função
executiva, tampouco na inobservância pelo legislador local do princípio da
independência e harmonia entre os Poderes.
Por outro lado, a proibição da prática
de nepotismo também não contraria o princípio constitucional da igualdade. A
relação de parentesco justifica plenamente o discrimen estabelecido na lei
municipal em exame e revela-se razoável se for levado em conta que a norma
local ora combatida foi editada para resguardar o princípio da moralidade.
Ao examinar situação análoga, em
que havia proibição expressa à contratação de parentes para o exercício de
cargo em comissão, esse Egrégio Tribunal de Justiça decidiu que ‘...não há que
se falar em violação ao princípio da isonomia, eis que o elemento discriminador
está a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, que é a moralidade do
campo governamental’ (MS n. 14.400.0/SP, rel. Des. Alves Braga, Data 20.5.92;
RT 685/60).”
Na Sessão realizada em 19 de março de 2003, o
Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça julgou improcedente a referida ação,
por votação majoritária, pois entendeu que a legislação impugnada não
apresentava nenhum vício formal ou material a ser declarado. Na oportunidade, a
referida Corte assentou que “a proibição legal da prática de nepotismo está em
conformidade com os valores e princípios constitucionais da igualdade,
impessoalidade e moralidade administrativa” (Rel. Des. MENEZES GOMES).
Em outro precedente, relatado pelo insigne
Des. JOSÉ CARDINALE, o mesmo Tribunal concluiu que “não há afronta aos
arts. 5.º, 24, § 2.º, inciso IV e 144 da Carta Paulista, quando a lei limita-se
‘a proibir a contratação pela Administração Pública (Direta, Indireta e
Fundacional) e pela própria Câmara Municipal – o que, aliás, lhe atribui, no máximo,
competência concorrente para dispor sobre a matéria – de servidores para exercer
cargo de confiança demissível ad nutum e trabalhadores sob o regime da
Consolidação das Leis do Trabalho ou servidores contratados por prazo
determinado para atender excepcional interesse do Município, quando estes possuírem
relação de parentesco com as autoridades de mencionadas entidades (...). Essa
vedação adequa-se perfeitamente aos princípios constitucionais que devem reger
a Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público), insculpidos no
artigo 111, da Constituição Bandeirante.’
De fato, ao proibir a
nomeação de cônjuges, companheiros e parentes, consangüíneos ou afins, na linha
reta ou colateral, até o terceiro grau, de Prefeito, Vice-prefeito, Secretários
Municipais, Vereadores, Diretores e Gerentes ou ocupantes de cargos
equivalentes da Administração Pública Municipal indireta, para cargos em
comissão e a manutenção de nomeações ou contratações para cargos em comissão,
de livre nomeação e exoneração da Administração direta ou indireta do Município
de Severínia, a lei combatida, de forma elogiosa e pedagógica, enalteceu os princípios constitucionais
republicanos da isonomia, da moralidade e da impessoalidade, obrigatórios no
trato da Administração Pública com a gestão dos interesses públicos e sociais a
cargo do servidor investido nos termos da lei.
Recentemente, com
fundamentos semelhantes aos supra aduzidos, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal atestou a constitucionalidade da Resolução n. 07/2005, do Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, que proíbe atos administrativos configuradores de
nepotismo no âmbito do Poder Judiciário, numa indicação clara que o Guardião da
Constituição não admite relações jurídicas como as pretendidas pelo requerente
ao tentar fulminar a lei impugnada.
No mesmo sentido são os
recentes precedentes desta Corte Estadual.
Em face de tais precedentes, e invocando ainda as
razões contidas no presente parecer, aguarda-se o julgamento de improcedência
desta ação.
São
Paulo, 26 de maio de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função
delegada
pelo Procurador-Geral de
Justiça