AÇÃO   DIRETA  DE  INCONSTITUCIONALIDADE  N.º  160.995-0/8-00

Requerente   :    Prefeito do Município de Bauru

Requerida     :    Câmara Municipal de Bauru

Objeto           :    Lei n. 5.247, de 26 de abril de 2005, do Município de Bauru

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

  Senhor Desembargador Relator

 

 

 

 

     

                                                               RELATÓRIO

 

 

                                                            O Prefeito Municipal de Bauru propôs a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade  da Lei n. 5.247, de 26 de abril de 2005, do Município de Bauru que “ dispõe sobre o controle de desperdício de água  potável distribuída para uso” disponibilizar às escolas públicas municipais cadeiras de rodas”  ato – de      iniciativa   parlamentar foi promulgada  pelo   Presidente da Câmara Municipal do Município de  Bauru. Entende  o autor que referido ato está eivado pelo vício de iniciativa, na medida em que interfere diretamente nas leis que são de iniciativa do Poder Executivo, já que a matéria diz respeito à gestão administrativa, malferindo a  Constituição   do   Estado de São Paulo, em especial ao artigo 144. Foi deferida a medida liminar, fls. 20.  O Presidente da  Câmara  Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da lei impugnada, fls. 29/30.  A  Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se pela falta de interesse nos autos, fls.95/97.

 

 

                                                          MANIFESTAÇÃO

 

 

 

                                                            Entendo que a ação é     procedente,   sendo inconstitucional a Lei n. 5.247, de 26 de abril de 2005,  que “dispõe sobre o controle do desperdício de água potável distribuída para uso”.

 

                                                            Com efeito, a lei impugnada possui a seguinte redação:

 

                                                            Artigo 1º - Em caso de risco de desabastecimento total ou parcial de água do Município de Bauru, poderá o Prefeito Municipal decretar o Estado de Alerta de Desabastecimento, ficando o Poder Público, por meio de seu setor competente, autorizado a determinar a fiscalização em toda cidade com objetivo de constatar a ocorrência de desperdícios de água distribuída, bem como restringir a utilização exagerada da água.

 

                                                            §1º - Esta situação será caracterizada pela declaração do Estado de Alerta por parte do Poder Público, mediante apresentação de documentação técnica comprobatória, incluindo dados de medição de vazões dos mananciais de abastecimento de água, dados de vazões captadas nos mananciais por parte dos responsáveis pela operação de sistemas de abastecimento de água, dados de volume de água armazenado nos reservatórios de acumulação de água bruta e dados de consumo de água no Município.

 

                                                            §2º - O Estado de Alerta deverá ser publicado em Diário Oficial, seguido de ampla divulgação à população do Município sobre os respectivos motivos por meio de imprensa e de notas nas contas de água expedidas aos usuários.

 

                                                            Artigo 2º Independentemente  da existência de Estado de Alerta, fica o Poder Público, por meio de seu setor competente, autorizado a determinar fiscalização em toda a cidade com o objetivo de constatar a ocorrência de desperdícios de água distribuída.

 

                                                            Parágrafo Único- Constitui desperdício de água para os  fins desta Lei:

 

                                                            I- lavar calçadas com uso contínuo de água;

 

 

 

 

                                                            II- molhar ruas continuamente;

 

                                                            III- manter torneiras, canos, conexões, válvulas, caixas d´aguae reservatórios, tubos ou mangueiras eliminando água continuamente;

 

                                                            IV- lavagem de veículos com uso contínuo de água, excetuando-se os casos de lava-cars, que deverão possuir sistema visando à redução do consumo  de água ou a reutilização desta, a ser verificado quando de seu licenciamento.

 

                                                            Artigo 3º - Ao verificar o uso inadequado ou o desperdício da água distribuída para consumo humano, fica o fiscal do Poder Público autorizado a advertir o usuário no sentido de a prática não se repitir, anotando o dia, o horário da ocorrência e registrando a notificação, a qual será sucedida de processo administrativo, permitindo a ampla defesa do acusado.

 

                                                            Artigo 4º - Constatada pela fiscalização a reincidência dos desperdício, será aplicada uma multa de 5% e, a cada nova reincidência, será aplicada uma multa de 10%, sempre apuradas sobre o valor registrado com o consumo de água do infrator verificado no mês anterior.

 

                                                            Artigo 5º - Poderão ser mantidas, de forma sistemática, programas de controle de perdas de água nos sistemas de produção e distribuição, além de mecanismos de informação, educação ambiental e conscientização da população sobre a situação dos recursos hídricos do município e a problemática de perdas e desperdícios de água.

 

                                                            Art. 6º - Fica o Poder Públic, através do DAE, autorizado a remeter para a Câmara Municipal, na primeira quinzena de fevereiro de cada ano, um relatório com as obras realizadas com o intuito de evitar o desperdício de água, e o cronograma físico e financeiro das obras que serão realizadas pelo DAE nos encanamentos do ETA – Estação de Tratamento de Água de modo a reduzir as perdas no sistema de abastecimento.

 

                                                            Parágrafo Único- Constando-se o desperdício de água em próprios municipais, imediatamente deverá ser comunicado ao Chefe do Executivo, para que tome providências no sentido de apurar responsabilidades e aplicar penalidades cabíveis para o caso.

 

                                                            Artigo 7º - O Poder Público colocará à disposição da população um disk-denúncia visando agilizar o combate ao desperdício de água.

 

                                                            Artigo 8º - Será incetivado a reutulização da água proveniente de estações de tratamento de esgoto, para fins não domiciliares.

 

 

 

 

                                                            Artigo 9º- O consumidor deverá ser informado do real valor econômico da água, independentmente do valor do serviço de armazenagem e fornecimento.

 

                                                            Art. 10 – Esta lei será regulamentada pelo Executivo dentro de 60 (sessenta)  dias, contados da data da sua publicação.

 

                                                            Art. 11- Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.   

 

                                                            Referido dispositivo  é  inconstitucional  por contrariar os artigos  5.º,    25 e  144, da  Constituição do Estado de São Paulo. 

 

                                                            A dicção de tais dispositivos é a seguinte:

 

                                                       'Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

      

                                                     Art. 25 – Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos     

 

 

 

 

 

 

                                                     Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."

 

 

                                                Anoto, de início, que a lei é inconstitucional, ofendendo o artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, diante da invasão, pela conduta do Poder Legislativo, de competência exclusiva do Poder Executivo.

 

                                               São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                               O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, pode o prefeito ter qualquer atuação voltada para a “conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1997, p. 520).

 

 

                                                            Se deve o prefeito organizar o município, fixando as tarefas que deverão ser desempenhadas pelo funcionalismo públicos e se tais atos se inserem na condução ordinária da Administração, não é possível que a Câmara Municipal interfira em sua competência, como é o caso presente.

 

                                 Sobre isso, ensina Hely Lopes Meirelles:

 

            “Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.  (em “Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).

 

                                                            Ademais, além de invadir a esfera privativa do Poder Executivo no tocante à Administração ordinária do município, a lei em tela também interfere na direção superior da administração municipal, atribuindo função a ser cumprida — fiscalização  para seu fiel cumprimento —, criando despesa sem a receita respectiva.

 

                                               O tema da organização da estrutura administrativa deve ser, necessariamente, de iniciativa do Poder Executivo, que tem interesse preponderante em sua organização. E este exercício independe de qualquer autorização legislativa, pois é inerente à atividade do administrador, voltado para a execução ordinária dos serviços públicos.

                                                            A não ser assim adentraria o Poder Legislativo na esfera de atribuições do Poder Executivo, o que não se coaduna com o princípio da harmonia e independência entre os poderes.

 

                                                            No caso em tela pretendeu a Câmara Municipal impor conduta a ser seguida pelo Poder Executivo, interferindo na sua estrutura, direção e organização e criando despesa sem indicar receita.

 

                               Considerando que o chefe do Poder Executivo deve planejar e planificar sua atividade segundo os objetivos e os recursos previstos nas leis do sistema orçamentário, daí se justificando a iniciativa privativa na elaboração e apresentação de projetos de leis como       o    caso presente. Não se admite, pois, que a Câmara Municipal                                                                                          possa impor atribuição à municipalidade sem a previsão dos recursos para tanto, ofendendo, assim, o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                                Sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu que:

 


 

                   “Ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 6.555, de 14 de junho de 2005, do Município de Jundiaí, que impõe a proibição de fumar em estabelecimentos que especifica. Lei de iniciativa de vereador – Promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal – Matéria afeta à administração ordinária – Competência reservada ao Poder Executivo – Violação dos princípios da independência e harmonia  dos poderes e da iniciativa legislativa – Ação procedente.” (ADIn nº 126.005-0/2, Rel. Denser de Sá, j. 26.07.06).

 

 

                                                Conclui-se, portanto, que houve supressão de atribuição reservada do Chefe do Poder Executivo com a conseqüente imposição de normas que ofende diretamente sua iniciativa legislativa, com a imposição de despesa sem a previsão de receita, aliás, não prevista na lei orçamentária anual, com infringência aos artigos 5º, caput,  25,  e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                                                            Nestes termos, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional a Lei 5.247, de 26 de abril de 2005, do Município de Bauru.

 

 

São Paulo, 27 de maio de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça