AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº161.518.0/0-00
Autor: Prefeito Municipal de Embu-Guaçu
Objeto: §1º do art.4º da Lei Municipal nº 961/93
Ementa: 1)Lei Municipal. Previsão de que, ao final do
mandato eletivo do Chefe do Executivo, servidores ocupantes de cargos em
comissão serão automaticamente exonerados. 2)Ato típico de administração.
Quebra da regra da separação de poderes (art.5º, 47 II e XIV da Constituição
Estadual). 3)Parecer no sentido da inconstitucionalidade. |
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
1)Relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Embu-Guaçu, tendo como alvo o §1º do art.4º da Lei Municipal nº 961/93, sob o fundamento de que: (a) houve violação da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo; (b) houve violação da regra da separação de poderes.
Indeferida a liminar (fls.49), foi realizada a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, que declinou da defesa do ato normativo (fls.58/60).
A Câmara Municipal prestou informações, sustentando: (a) a validade do ato normativo questionado, pois é fruto de iniciativa do próprio Chefe do Executivo; (b) não há nenhum outro vício no dispositivo (fls.62 e ss).
Este é o breve relato do que consta dos autos.
2)Fundamentação.
2.a)Do ato normativo impugnado.
A ação direta deve ser julgada procedente.
A Lei Municipal nº 9961/93, fruto de iniciativa do Chefe do Executivo, tendo sido aprovada com substitutivo apresentado na Câmara Municipal, conforme respectiva rubrica, “Dispõe sobre o quadro do pessoal da Prefeitura do Município de Embu-Guaçu e dá outras providências”, sendo certo que o dispositivo legal questionado tem a seguinte redação:
“Art.4º. (...)
§1º. Os ocupantes de cargos em comissão estarão
automaticamente exonerados ao término de cada mandato.”
Entretanto, tal dispositivo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.
2.b)Violação da regra da separação de poderes.
O vício do ato normativo questionado, no caso em exame, não decorre de violação da iniciativa reservada do Chefe do Executivo para encaminhamento de projetos de lei a respeito de provimento de cargos públicos (art.24 §2º n.4 da Constituição Paulista).
Como foi esclarecido nas informações da Câmara Municipal, o projeto originariamente foi encaminhado pelo Executivo, e o texto aprovado foi fruto de emenda substitutiva apresentada durante a tramitação da proposta inicial.
Entretanto, a inconstitucionalidade decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista (art.5º, 47 II e XIV).
É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada estabeleceu que o encerramento do
mandato eletivo deverá provocar automaticamente a exoneração dos ocupantes de
cargos de provimento em comissão. Assim o fazendo, invadiu a esfera da gestão
administrativa, estabelecendo efeito que deveria, necessariamente, decorrer de típico
ato administrativo. Decidir quando, como e porque ocorrerá a exoneração de
ocupantes de cargos em comissão, demissíveis ad nutum, é deliberação que se encontra essencialmente no âmbito da
atividade de gerenciamento de pessoal do serviço público. Daí a inconstitucionalidade,
pela invasão, por parte do Legislativo, da seara da Administração Pública do
Município.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter a tal solução, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20
de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de
ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio
constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade
declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal
de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de
Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de
material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos
celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente
de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois
de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara
Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em
atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da
Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4,
rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Acrescente-se que nem mesmo o fato de
ser a lei impugnada fruto de iniciativa do Chefe do Executivo confere
legitimidade constitucional à solução contemplada no dispositivo em exame. Sob
tal perspectiva, basta lembrar que a regra da separação de poderes veda também
a delegação de atribuições (art.5º §1º da Constituição Paulista), que fica
configurada no caso em análise.
3)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, com a declaração da inconstitucionalidade do §1º do art.4º da Lei Municipal nº 961/93, de Embu-Guaçu.
São Paulo, 03 de junho de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de Justiça
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça