AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
N.º 161.777-0/0-00
Requerente : Prefeito do Município de Sertãozinho
Requerida : Câmara
Municipal de Sertãozinho
Objeto : item 24 da alínea “b”, do artigo 1º e o
parágrafo único do artigo 5º, ambos da Lei n.º 4.567, de 19 de fevereiro de
2008, do Município de Sertãozinho
Ementa. Emenda de iniciativa de
vereador que se insinua no regime jurídico de servidores públicos municipais.
Falta de competência constitucional, entretanto. Inconstitucionalidade
reconhecida. Ação procedente.
O
Prefeito do Município de Sertãozinho formulou
a presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade do
item 24 da alínea “b”, do artigo 1º e o parágrafo único do artigo 5º, ambos da
Lei n.º 4.567, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Sertãozinho, que altera
regras relativas a carreira de servidores públicos municipais, particularmente
em relação aos seus vencimentos. Diz que tal ato viola o art. 24, § 2º, nºs. 1
e 4, e art. 144 da Constituição do Estado.
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 126/131) e foi citada a D.Procuradoria-Geral
do Estado (fls. 122/124). Houve o deferimento liminar da medida postulada, pelo
Des. Relator JOSÉ REINALDO (fls. 113 e verso).
Entendo
que a ação deve ser julgada procedente, para
que sejam declarados inconstitucionais o item 24 da alínea “b”, do artigo 1º e
o parágrafo único do artigo 5º, ambos da Lei n.º 4.567, de 19 de fevereiro de
2008, do Município de Sertãozinho, que altera regras de percepção de vencimentos
por parte de servidores públicos municipais. Os textos legais, de iniciativa de vereador, se imiscuíram
no regime de percepção de vantagens funcionais.
No
caso, houve afronta aos artigos 5.º, 24, 47, e 144 da Constituição do Estado de
São Paulo. De fato, assim dispõem as referidas normas constitucionais:
“Art.
5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Art.
24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
(...)
§
2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que
disponham sobre:
1
- criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;
2
- criação das Secretarias de Estado;
3
- organização da Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública do
Estado, observadas as normas gerais da União;
4 - servidores públicos do
Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria
de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade: (...)
Art.
47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
(...)
II
- exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
Art.
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Ao
Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que
incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo',
que tem na lei um dos seus mais
relevantes instrumentos. O poder de
iniciativa neste campo -- administração da Cidade -- é do Executivo
(melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim
determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os
atos. A hipótese é de administração
ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais,
diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Para
Hely Lopes Meirelles, após dizer que 'todo o patrimônio municipal fica sob a
administração do prefeito', segue ensinando:
"A
atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de
regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos
interesses locais. A Câmara não
administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não
executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não
compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos
para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais;
apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não
governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do
Executivo, personalizado no prefeito.
Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com
caráter regulatório, genérico e abstrato; o
Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos
e concretos de administração.
Essa divisão de funções já era reclamada por Cortines
Laxes, nos idos do Império, "como uma das mais palpitantes necessidades do
sistema municipal". E continua a sê-lo na atualidade, para que os dois
Poderes do governo local - independentes e harmônicos entre si - possam atuar
desembaraçadamente no campo reservado às suas atribuições específicas. A
interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação
institucional de suas funções (CF, art. 2°).
Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode
delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas
atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2°). Assim
como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la
nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre
as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e
convém se repita - que o Legislativo provê in
genere, o Executivo in specie; a
Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes.
Daí não ser permitido à Câmara intervir
direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem
provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições,
concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos
verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração
e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução
governamental".[1]
Segundo JOSÉ ADÉRCIO LEITE SAMPAIO (A Constituição
Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Del Rey, p. 490), o
Legislativo:
“(...) não deve imiscuir-se
na programação financeira da
Administração Pública, através da definição de política remuneratória do
pessoal (Supremo Tribunal Federal.
Pleno. ADInMC n. l .381-AL. Rel. Min. Celso de Mello. ISTF 16), da
obrigação de se proceder à atualização de proventos (BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Pleno. ADInMC n. l .478-SC. Rel. Min. Sydney Sanches. DJ de 22/11/1996, p. 45.686), ou vencimentos dos servidores, elegendo o índice a ser
utilizado (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADTnMC n. 541-PB. Rel. Min. Marco
Aurélio. RTJ. 140, t.1, p. 26; ADInMC
n. 840-AM. Rel. Min. Paulo
Brossard. RTJ\. 146, p. 487; ADInMCn. 1.475-DF. Rel. Min. Octavio Gallotti. RTJ v.
161, t. 2, p. 457), ou corrigindo tabelas existentes (Supremo Tribunal Federal.
Pleno. ADInMC n. 973-AP. Rel. Min. Celso
de Mello. DJ de 1/2/1994, p. 395; ADInMC n. l .304-SC. Rel. Min.
Maurício Corrêa. RTJv. 158, t. 3, p. 795), definindo data-base. Não pode
lei ordinária vincular a iniciativa do Presidente da República, para proposição
do reajuste, "pois, neste caso, estaria contornando aquela prerrogativa
que a Constituição Federal, no art. 61, § l.°, II, a, outorgou exclusivamente
ao Chefe do Poder Executivo": Pleno. MS n. 22.689-CE. Rel. Min.
Octavio Gallotti. RTJv. 164, t. 2, p. 591-
Em
resumo, deve a iniciativa de
qualquer projeto acerca do regime
jurídico dos servidores provir do Executivo, sem possibiliade de emenda por
parte de vereadores, já que tal proceder significa, na prática, modo de
contornar a iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, como reconehce o
Pretório Excelso.
Ante
o exposto, aguarda esta Procuradoria-Geral de Justiça seja declarada a
inconstitucionalidade do item 24 da alínea “b”, do artigo 1º e o parágrafo
único do artigo 5º, ambos da Lei n.º 4.567, de 19 de fevereiro de 2008, do
Município de Sertãozinho, com comunicações de praxe para a expulsão do ato
normativo do ordenamento jurídico.
São Paulo, 18 de maio de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça